Escola Secundária José Estêvão, n.º 21, Março de 1998

Sobre o Projecto para discussão pública de


Autonomia e Gestão das Escolas


 

O projecto de Autonomia e Gestão das escolas foi distribuído para discussão em todos os grupos de docência, mas também por todos os estudantes membros dos Conselhos Directivo e Pedagógico, bem como pelas Associações de Pais e de Estudantes. Esta discussão foi feita dentro e fora da escola. As iniciativas de discussão pública deste projecto foram sendo tomadas pelas mais diversas instâncias e os diversos intervenientes puderam expressar os seus diversos pontos de vista nessas instâncias de discussão. Convocámos também todos os parceiros da comunidade que têm interesse na escola para uma discussão sobre o assunto. Na escola, o projecto foi discutido principalmente nos grupos de docência e nas secções do Conselho Pedagógico. A secção do Projecto Educativo foi aquela que mais se debruçou sobre o assunto, tendo produzido várias versões do seu documento de estudo. Este documento da Secção do Projecto Educativo constituiu-se em base para a discussão no plenário do Conselho Pedagógico. Não foi fácil a discussão e não se puderam estabelecer consensos. Mas realça-se o calor e a intensidade das intervenções dos professores e dos alunos.

A maioria das grandes críticas dos professores referem-se às relações estabelecidas entre a importância dos corpos intervenientes e a sua representação nos diversos colectivos dirigentes. Por um lado, os professores receiam perder para os restantes corpos (discente, pais, autarquias, etc.) o poder e consideram que, sem maioria em alguns colectivos, algumas decisões de política geral da escola venham a ser erradas pedagogicamente ou contraditórias com os interesses dos professores e da escola enquanto organização restrita. Este receio dos professores é, nesta cidade, agravado pelas declarações de incapacidade de participação das organizações de encarregados de educação, autarquias e outros parceiros. Os professores declaram-se preocupados com as limitações da intervenção dos pais e autarquias na escola e exigem dos parceiros uma maior intervenção. Mas são os mesmos professores que reconhecemos preocupados no excesso de importância que os pais, as autarquias e os estudantes assumem nos órgãos de direcção. Acontece qualquer coisa parecida com os diversos parceiros da comunidade educativa. Todos acham que devem participar mais. Todos acham que não têm possibilidade de o fazer. Esta situação só parece estranha. Não é.

De facto, há uma tradição de escolas fechadas à comunidade, agravada por serem compostas de organizações em que há pouco trabalho reflexivo e dependentes de directivas centrais em que cada uma das organizações atribui à instância seguinte a culpa e a capacidade de decisão. Se há pouca participação democrática construtiva de autonomia na instituição escolar e pouca experiência na separação dos níveis de discussão e decisão, não há experiência de intervenção política e cívica na educação e nas escolas por parte das instituições públicas ou privadas. Quando uma Câmara Municipal imagina a sua participação na Assembleia de uma escola está mais a ver a indisponibilidade de um vereador do sector para ir, em certos prazos, assistir a reuniões nas diversas escolas. Ao contrário, nós pensamos que a Câmara podia e devia pensar na qualidade da sua intervenção e não na capacidade de deslocação e presença. Às escolas interessa que a autarquia tenha ideias para a educação e ensino e para as / 21 / escolas reais, tenha um programa de intervenção (pedagógico, cultural, educativo,...) permitindo, no quadro desse programa, que qualquer pessoa da confiança do executivo autárquico possa realizar intervenção política e cívica de representação nos órgãos de direcção.

Na cidade de Aveiro, as pessoas entendem que as autarquias e os encarregados de educação têm revelado fracas condições de participação e, em consequência, não reúnem condições para integrar os órgãos de direcção da escola. Não vale a pena. Noutras regiões do país, por exemplo em Vila Pouca de Aguiar, ouve-se dizer que é perigosa a participação por ela poder vir a ser excessiva. Chegaram a lembrar-me que pode haver um presidente de junta ou da câmara que queira, à semelhança do que aconteceu em Arkansas (USA), legislar sobre o valor de «pi».

Não há só deficiências na democracia participativa, desconfiança no papel dos cidadãos livres e autónomos. Há também uma confusão dos diversos níveis de intervenção. Os professores têm medo que a Assembleia de escola venha a tratar questões de detalhe, sobre as quais, como é evidente, parece absurda a capacidade de decisão por parte dos seus membros não docentes. Isso é espelho das confusões que a prática nos diversos níveis de decisão na escola tem vindo a demonstrar à exaustão.

Precisamos de abrir novas frentes de reflexão e precisamos de abrir lugar a novas práticas de intervenção democrática. Este projecto de lei, se outro mérito não teve, teve o mérito de levantar uma discussão que era preciso travar.

Arsélio Martins
 

 

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