Foram distribuídas pelas escolas, orientações para a
gestão dos programas do ensino secundário. Foram também distribuídas
indicações e instruções sobre os exames de cada uma das disciplinas, tal
como tinha sido definido no ponto 16.1.2 do Regulamento anexo ao
Despacho Normativo 55/95 de 19 de Setembro. Esta orientações devem ser
seguidas com atenção e a sua leitura deve ser cruzada com as indicações
expressas nesse Despacho que regulamenta os exames finais do ensino
secundário. Em especial, convém ter presente em todas as planificações
(em especial do 12.º ano) que "as provas incidem sobre o programa do
12.º ano, podendo avaliar conteúdos dos restantes anos que com ele
estejam directamente relacionados." (16.1. do Regulamento). Ora algumas
disciplinas, em especial a Matemática, viram o programa do 12.º ano
adaptado especialmente para este ano nas orientações para a gestão dos
programas. Vários grupos disciplinares (apoiados pelo Conselho
Pedagógico) levantaram dúvidas e preocupações sobre a aplicação deste
Regulamento aos exames das respectivas disciplinas.
Para apoiar a reflexão da comunidade escolar sobre essas
orientações, transcrevemos as indicações gerais que o Departamento do
Ensino Secundário enviou às escolas.
(NR)
O que são as orientações para a gestão dos programas?
Não são programas novos nem programas mínimos, no sentido
tradicional.
As orientações para a gestão dos programas consistem na
prescrição dos objectivos e conteúdos essenciais, com a indicação do
grau de aprofundamento necessário e algumas sugestões metodológicas.
O que visam as orientações para a gestão dos programas?
As orientações para a gestão dos programas têm em vista
garantir o cumprimento dos programas com uma unidade mínima a nível
nacional. Pretende-se, assim, que:
– os professores centrem o seu trabalho com os alunos nos
objectivos e conteúdos essenciais;
– os alunos, independentemente da escola que
frequentaram, se apresentem aos exames finais nacionais em condições de
relativa igualdade.
Naturalmente, tais efeitos não são automaticamente
produzidos pelo facto de serem enviadas para as escolas as orientações
para a gestão dos programas. O professor e o grupo de professores da
mesma disciplina têm, aqui, um papel fundamental e insubstituível. Só
eles poderão potencializar a utilidade das orientações para a gestão dos
programas e garantir que tais efeitos desejados se produzam.
O programa no currículo
A educação é uma acção intencional, orientada para
finalidades que se ligam a metas sociais. No seu conjunto, o sistema
educativo deve responder àquelas finalidades. O ensino secundário,
enquanto subsistema, assume a sua quota-parte através dos seus
objectivos gerais que, no conjunto, configuram o perfil do aluno do
ensino secundário.
Definido o perfil do aluno do ensino secundário, está
encontrado o primeiro elemento do respectivo currículo. Os restantes
elementos (conteúdo do ensino, objectivos de aprendizagem, metodologias
e regime avaliativo) devem ordenar-se com vista a assegurar a
realização, em cada aluno, do referido perfil. Encontrá-los corresponde
a responder às questões: o que ensinar? como ensinar? o quê, como e
quando avaliar?
/ 16 / o que
ensinar? Responder a esta questão consiste em colocar outra: que áreas
do saber são mais aptas para assegurar a concretização do perfil
desejado? Na resposta fica desenhado o plano de estudos enquanto elenco
de disciplinas e áreas disciplinares que, no seu conjunto e nas suas
interconexões, asseguram os saberes, as competências, as habilidades e
destrezas, as atitudes e os valores constantes do perfil do aluno do
ensino secundário que se quer formar. Daqui resulta uma constatação: as
disciplinas não estão no currículo por fatalismo ou tradição, nem sequer
pelas suas qualidades intrínsecas ou por um pretenso valor absoluto.
Estão no currículo porque cumprem nele uma função: assegurar um
contributo para o perfil de formação desenhado.
E se é assim há uma nova questão a colocar: quais os
elementos de cada uma das disciplinas escolhidas dão um contributo real
e significativo para o perfil de formação? Só esses interessam!
E porque não se pode ensinar tudo (o plano de estudos já
representa uma selecção com o que este conceito abarca: incluir uma e
excluir outras), teremos até de encarar uma nova interrogação: da
listagem dos elementos das disciplinas que interessam quais são os mais
significativos, os que oferecem um maior potencial formativo (não em
absoluto mas por referência ao perfil de formação desejado?)
A nossa listagem diminuiu e eis-nos chegados ao programa:
um conjunto de objectivos e conteúdos seleccionados em função da sua
relevância para o perfil do aluno do ensino secundário, ao qual se
juntam metodologias consideradas aptas para optimizar o contributo da
disciplina e garantir que ela cumpra o papel que lhe cabe no currículo.
Daqui deriva que o programa deve ser cumprido e, por
isso, a sua natureza prescritiva.
Deve ainda ter-se em conta que um programa não consiste
em listagens separadas de objectivos, de conteúdos, de orientações
metodológicas, de práticas avaliativas. a programa tem - deve ter - um
carácter sistémico, em que estes quatro elementos constituam uma
totalidade dinâmica e interdependente. Daí que cumprir um programa
significa, a cada momento, respeitar – reconstruindo-a permanentemente e
em função das circunstâncias da sua aplicação – esta unidade sistémica.
Assim, por exemplo, evitar práticas laboratoriais no tratamento de um
dado conteúdo devido a preocupações de economia de tempo, pode conduzir,
numa disciplina científica, à não apreensão do conteúdo pelo aluno e a
impedir a consecução dos objectivos com ele relacionados. Práticas
curriculares como a descrita são, então, outra forma de contribuir para
que a disciplina não cumpra, de facto, a sua função no currículo e, por
isso, não dê o contributo que podia/devia para a consecução do perfil de
formação do aluno do ensino secundário.
O programa, o professor e o contexto da aprendizagem.
Em Portugal os programas são, na sua Íntegra, prescritos
nacionalmente e elaborados ao nível técnico-pedagógico e administrativo,
isto é, o programa é fruto de decisões e escolhas feitas para o todo
nacional (em função das características gerais dos contextos
sócio-económico e cultural nacional e dos alunos seus destinatários).
Mas o programa vai à prática num contexto particular, tem
como destinatários uns alunos específicos e a mediação de um
professor-indivíduo.
Estamos perante uma contradição insanável?
Parece-nos que não. Se o geral está no particular embora
não o defina, então o programa nacional pode ser objecto de uma
aplicação contextualizada e, por esta via, abre-se a possibilidade de o
professor assumir um papel de agente de reelaboração curricular: tomar
as decisões necessárias para garantir o cumprimento do programa nacional
adequando-o às características do contexto da acção educativa e dos seus
alunos e turmas.
As disciplinas são projectos de trabalho, itinerários de
aprendizagem, mas todos eles constitutivos do itinerário que todos e
cada um devem percorrer.
O que se chama "programa" da disciplina é um mapa
/
17 / que assinala os pontos de visita
obrigatória, algumas vias de passagem de uns pontos para outros, alguns
marcos indicativos de percurso.
E tal como num mapa, os trajectos, a ordem dos lugares a
visitar são, por vezes, únicos, outras vezes alternativos, assim, numa
concepção e prática de currículo adequadas, há uma margem de autonomia
que, no itinerário das disciplinas, tem que ser deixada aos alunos.
Com efeito, por vezes, haverá uma consequência necessária
e, portanto, obrigatória entre um ponto e outro. Noutras vezes, porém, a
consequência do itinerário poderá ser, e convirá que seja, guiada pelos
interesses e pelos conhecimentos próprios de cada aluno assistido pelo
professor. Como em todos os itinerários, há lugares de visita guiada e
lugares em que a visita poderá ser apenas "assistida"; uns terão que ter
o seu tempo marcado e próprio, comum a todos; os outros poderão ser
deixados mais à iniciativa individual.
Consequentemente, metodologias e regime avaliativo têm
também que ser diversificados, de modo a que acompanhem o ritmo e a
ordem de todos e de cada um. Nem todos visitarão todos os lugares pela
mesma ordem, na mesma altura, pela mesma via de entrada. O essencial é
que, no fim, todos tenham feito o itinerário, pelo menos nos seus
lugares essenciais, e tenham feito a organização interior que dá unidade
e sentido ao seu percurso pessoal.
Cumprir o programa de uma disciplina é, pois, visitar
lugares essenciais que todas as pessoas de uma comunidade nacional devem
conhecer. Mas, no contexto de cada escola, de cada aluno, há lugares
próximos e particulares que desembocam em objectivos de conhecimento, de
atitudes, de valores, etc., idênticos e comuns aos de outros lugares.
É por isso que não há necessariamente contradição entre
"cumprir o programa", que é geral, e atender aos percursos particulares
e mesmo individuais. Para atender ao particular não é preciso ignorar o
programa. Pelo contrário. O programa é, precisamente, o apelo para que
se vá ao geral por vias particulares.
E é essa também a razão pela qual não se deve seguir
literalmente um manual. O manual é sempre um percurso particular,
resultante, normalmente, de uma certa prática contextualizada do seu
autor. Poderá, por vezes, ser útil e, noutras vezes, totalmente
inadequado a outro contexto – outros alunos, outra escola, outra
comunidade, outro professor. Não há dois contextos iguais, bastando para
tal como acontece de facto, que não haja dois alunos nem dois
professores iguais. Em termos de aprendizagem, a sujeição ao manual é
apenas uma maneira desviada de manter a prática do "livro único".
O programa, o professor e a escola.
Compete ao professor adequar o programa ao contexto da
aprendizagem e às características dos alunos. E só pode fazê-lo com
êxito se tiver um bom conhecimento do programa, do meio sócio-económico
e cultural e dos alunos. E isso implica:
a) estudo e pesquisa: do programa (opções
fundamentantes, esquemas conceptuais, tipos de conteúdos e objectivos,
estrutura de relações entre os conteúdos, organização e sequencialização
dos conteúdos, avaliação da importância relativa de objectivos e
conteúdos, relação sistémica de objectivos e conteúdos, relação
sistémica objectivos conteúdos-metodologias-avaliação, gestão temporal
recomendada); do contexto (actividades económicas, estilos de
vida das famílias, profissões e grau de instrução dos pais dos alunos,
clima da escola, recursos disponíveis, etc.); dos alunos
(aprendizagens anteriores, características psicológicas, motivações e
interesses, formas de ocupação dos tempos livres, estilos e dificuldades
de aprendizagem, etc.);
b) análise e avaliação de todos esses dados;
c) explicitação das implicações para a acção educativa
dessas informações (que obstáculos? que dificuldades? que oportunidades?
que alternativas de acção?);
Só após, o professor está em condições de fazer opções
conscientes e fundamentadas acerca da orientação a seguir para a
necessária contextualização
/
18 / do programa. É uma tarefa ciclópica,
uma missão impossível para o professor?
Mas porquê considerá-la como tarefa do professor
individualmente considerado? O professor é membro de uma organização
chamada escola, no interior da qual se organiza em grupos em função de
afinidades profissionais num sentido restrito.
Se todos os professores da mesma escola têm de estudar o
mesmo meio sócio-económico e cultural e caracterizar a mesma escola é
razoável que o façam cada um por si? Um grupo de trabalho coordenado
pelo Conselho Pedagógico pode fazê-lo e disponibilizar o estudo a todos
os professores da escola.
Se um grupo de professores da mesma disciplina tem de
aplicar o mesmo programa, cada um tem de o estudar, analisar, tomar
decisões em relação a ele. Não será lógico que o façam em conjunto, no
Conselho de Grupo ou em subgrupos do mesmo Departamento Curricular?
Se um grupo de professores dos mesmos alunos têm de fazer
o diagnóstico da mesma turma e dos mesmos alunos, porque não fazê-lo em
Conselho de Turma, sob coordenação do respectivo Director de Turma?
A vantagem mais evidente da metodologia que aqui
sugerimos consiste na economia de esforços e de tempo para cada um dos
professores. Mas importa salientar também outra vantagem de enorme
valia: passar a existir uma unidade educativa mínima no modo como, a
diferentes níveis, os professores da mesma turma orientam as suas
decisões e as suas acções.
O programa, o professor e os exames nacionais.
Os exames nacionais, é inegável, têm efeitos
condicionantes sobre as práticas curriculares dos professores, tendendo
a pressionar no sentido de as centrar sobre os conteúdos e objectivos de
natureza cognitiva e, ainda, no sentido de fazer diminuir as
preocupações com o respeito pelos ritmos diversificados de aprendizagem
dos alunos e com uma pedagogia diferenciada que apoie adequadamente os
alunos com dificuldades de aprendizagem.
Mas tem que ser assim? Pensamos que não, embora também
admitamos que, nas circunstâncias do mundo actual com a consequente
mudança do papel cultural e social da educação, a avaliação das
aprendizagens a nível nacional poderá revestir outras modalidades que
não a do exame feito nos moldes tradicionais.
Os exames nacionais – é também inegável – tendem a
pressionar o professor no sentido de uma aplicação mecânica dos
programas, devido ao receio de tomarem decisões que venham a colocar os
seus alunos em desvantagem na situação de exame (por exemplo, ter
aprofundado menos uma dada temática). E a verdade é que a existência de
uma relativa unidade no modo como, a nível nacional, os programas são
leccionados é uma condição indispensável para que as próprias provas
sejam elaboradas com segurança. Significa isto que a existência de
exames nacionais impossibilita a assumpção, pelo professor, do seu papel
de adequar o programa ao contexto da sua aplicação e aos alunos a que
ele se destina? Também pensamos que não. Basta que sejam dadas ao
professor indicações claras que lhe permitam balizar, com segurança, as
suas escolhas e decisões relativamente ao modo de cumprir o programa
adequando-o ao contexto e aos seus alunos.
O Ministério da Educação, através do Departamento do
Ensino Secundário em colaboração com os professores e as escolas, está
empenhado em definir com clareza os núcleos significativos de objectivos
e conteúdos considerados essenciais, de modo a que, dados a conhecer aos
professores, estes possam:
a) centrar a sua acção nesses núcleos e desenvolver, em
relação a eles, uma pedagogia diferenciada que evite a discriminação dos
alunos com dificuldades de aprendizagem;
b) fazer uso da sua autonomia de reelaboração curricular,
adequando o programa ao contexto e aos alunos com respeito por tais
núcleos, sem receio de vir a prejudicar os seus alunos. ■
(DES)
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