Tem-se sistematicamente analisado o problema das
classificações das provas de aferição do ensino secundário e das provas
específicas de acesso ao ensino superior do ponto de vista das
comparações entre as classificações obtidas com a frequência do ensino
secundário e as classificações obtidas nessas provas de aparente
"validação" externa.
Com base no ponto de vista da comparação destas duas
classificações, têm-se feito afirmações destemperadas sobre o que se
estaria a passar no ensino básico e secundário no que respeita à forma
como os professores estariam a controlar a quantidade e a qualidade das
apropriações. Diz-se, com essa base, que os professores dos ensinos
básico e secundário estão a "deixar passar alunos que não sabem coisa
alguma". Considera-se esta afirmação correcta, tomando os resultados dos
exames como prova bastante. É bem possível que haja casos (muitos até)
de erros de apreciação dos professores e que alguns desses erros sejam
graves e se baseiem no "deixa andar". Mas a admissão desses erros, não
pode levar-nos a admitir (por não ser verdade!) que há um erro geral de
apreciação dos professores dos ensinos básico e secundário.
Neste curto texto, não se pretende mais do que contribuir
com um (um só!) aspecto de uma reflexão de prático, sem outra base que
não seja a experiência de vida e o senso comum. Não nos baseamos em
qualquer investigação feita sobre o assunto e estamos convencidos que a
investigação não traria mais do que a confirmação da tese que aqui vamos
defender: "Na situação actual da frequência e de exames, as
classificações internas e as classificações dos exames são
incomparáveis".
1.
Há uns dez (ou mais) anos atrás, os professores aplicavam provas
escritas, corrigiam-nas essencialmente sobre a justeza ou não da
conclusão final ou fundamenta! para atribuir uma classificação final
quase rigorosa (?) bem numérica, provavelmente a média mais ou menos
ponderada das classificações numéricas. Os estudantes que queriam
"passar" tinham uma preocupação fundamental que era a de aproximar as
suas observações ou cálculos de apoio daquilo que os professores
esperavam e tinham um cuidado extremo, quando não uma tensão essencial,
em obter resultados ou conclusões finais totalmente em acordo com a
exposição dos professores e com o resultado esperado. Havia um treino
nesse sentido da resposta unívoca e da importância de cada resultado
final.
2.
Nos últimos anos, porque a humanidade deu alguns passos em frente no
respeito pelos saberes diversos, pelos diversos caminhos da descoberta,
pelas opiniões contraditórias, pelos diferentes tempos de aprendizagem,
etc., foram sendo introduzidas regras e instruções no sentido de
modificar esse anterior estado de coisas que grosseiramente descrevemos.
Começou a falar-se em aprendizagem, em avaliação diagnóstica, avaliação
formativa, avaliação sumativa; depois começou a falar-se em avaliação
contínua, em considerar o "processo", valores e atitudes face aos
saberes, às aprendizagens, à escola, à sociedade e ao mundo. Passou-se
tudo isso a letra de lei.
Durante uns tempos, os professores resistiram a todos os
vendavais e continuaram a guiar-se pela única coisa que merecia
aprovação social: o aluno era preparado para prestar provas e passar. Os
que não eram capazes disso, eram reprovados com base nas médias das
classificações dos testes (que nunca o foram). Um bom
/
12 / professor era o que deixava passar na
frequência aqueles que passavam nos exames e ponto final.
3.
A situação mudou radicalmente.
Para além de ter passado a letra de lei as novas
concepções da avaliação escolar, o sistema publicitou generosamente e
para um público cada vez mais bem informado (felizmente) a bondade das
suas leis e normas.
Machadada final foi a consagração, em forma de lei, do
direito de recurso dos utentes sobre as decisões (até então intocáveis)
dos professores, das escolas e da administração de um modo geral.
Se os professores puderam resistir à lei, continuando a
sobrevalorizar o escrito e a média das classificações numéricas
atribuídas a cada um dos extraordinários momentos, não puderam resistir
à emergência dos recursos de pais, de testes na mão, a reclamar que o
professor só levava em conta uma parte da realidade e desqualificava
cada um dos raciocínios correctos dos alunos, que o professor não
cumpria a lei pois não fazia avaliação formativa, que não discutia com
os alunos as classificações finais de período, que o professor não fazia
qualquer avaliação contínua, que o professor não atendia ao trabalho, ao
esforço, ao interesse demonstrado pelo aluno, o que até podia ser
demonstrado por esta ou aquela observação feita pelo professor da qual
não se encontrava vestígio de influência na classificação final.
De facto, pela conjugação dessas duas pequenas coisas
elementares e justas, os professores deixaram de resistir à aplicação da
bondade da lei. E passaram a entrar na avaliação, muitas vezes
contrariadamente, muitos pequenos nadas (ou ‘tudos’) da vida escolar dos
alunos. De há uns anos a esta parte, não há qualquer professor (por mais
que tenha reagido à mudança) a arriscar-se a não considerar todos os
raciocínios correctos (o que tomou as correcções de exercícios como a
mais penosa das tarefas, embora aliciante e formativa para os
professores e para os alunos), a não considerar os pequenos trabalhos
dos alunos, o trabalho de grupo, a assiduidade, o interesse, etc. De há
uns anos a esta parte, as classificações internas não resultam da média
aritmética dos testes, nem a classificação de cada teste resulta só da
ponderação da conformidade da resposta do aluno com a expectativa do
professor. É coisa muito mais complicada e sofrida, com muita incerteza
ainda, mas muito temperada por uma grande complexidade de dados
recolhidos ainda em condições de trabalho degradantes, numa relação de
um professor – agente de ensino e coleccionador de dados, de tantas
naturezas e tão diversas – para tantos alunos.
Podemos dizer que, depois de muita resistência e ainda
ma! e ainda só em parte, os professores se renderam ao cumprimento das
leis e das instruções sobre avaliação.
Resumindo, hoje a classificação interna relativa à
frequência do ensino secundário não tem a ver com a capacidade provada
em situações de prestação de provas excepcionais. Transitoriamente,
podemos mesmo dizer que essas capacidades da prestação de provas, não
foram mantidas e muito menos desenvolvidas, e que ao contrário foram
atrofiadas por terem perdido o valor referencial que tinham nos
anteriores procedimentos dos professores.
4.
A classificação interna, erradamente ou não, mas de acordo com os
últimos anos de leis do sistema e com a derrota das práticas clássicas
dos professores em ensino e classificação, não representa agora qualquer
capacidade na prestação de provas individuais e em tempos bem marcados.
Muitos bons alunos perderam essa aprendizagem (luta pela vida, momentos
de luta e de tensão) e muitos fracos alunos (naquelas competências e
apropriações que eram consideradas como únicas com significado escolar)
passaram a ser alunos sem qualquer qualificativo que lhes perturbasse a
progressão no ensino básico e no ensino secundário. Mas não é assim que
está bem?
5.
O que não está bem é ter-se continuado a legislar e a criar condições
para que a classificação se tomasse outra, continuando a considerá-la
como se fosse o que tinha sido – resultados dependentes de provas
escritas. Porque só assim se entende o espanto resultante da comparação
entre as classificações internas e as classificações de exames que,
estas sim, se mantiveram
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inalteráveis.
Concluindo, não nos espanta completamente o
desajustamento entre as classificações internas e as classificações das
provas de aferição e específicas. O sistema tudo fez (e ainda bem?) para
as tomar fundamentalmente diferentes. Deve agora reconhecer que,
enquanto não forem mudados procedimentos fundamentais, elas são
incomparáveis. E deve combater, como sistema que assim construiu o
edifício, todas as falsas ideias que repousam na comparabilidade e
defender a dignidade dos professores que, como classe, não cometeram
erro (ou cometeram um de dois: resistir demasiado tempo à mudança, ou
desistir de resistir).
SE O DEVIR PASSA POR EXAMES FINAIS,
O DEVER PASSA POR PROVAS-MODELO
1.
Se os resultados das provas de aferição e das provas
específicas servem para alguma coisa, alguma coisa é que elas não são
adequadas, não representam qualquer validação externa sobre a
classificação interna pois não se escoram nas mesmas realidades desta
última. Elas podem pretender medir tão só em que medida é que os
estudantes (mesmo que desmobilizados de prestar provas de esforço de que
não conhecem as regras e sem treino para o aspecto específico que nas
provas está em causa) utilizam os conhecimentos específicos deste ou
daquele programa para responder a algumas questões elaboradas sobre a
única realidade dos conteúdos e objectivos "significativos" dos
programas. Ora a realidade dos programas é uma realidade de papel e o
par (conteúdos, objectivos) é uma parte dessa realidade. É suposto que a
realidade do ensino e aprendizagem seja muito mais complexa – aplicação
dos programas, mas também das diferentes directivas (muitas delas,
exteriores aos programas – a maior parte da artilharia da avaliação nem
está nesses programas e está pulverizada em milhares de instruções e
indicações pedagógicas e científicas que os professores têm de apropriar
pelo estudo autónomo e com a vida) à convivência com estudantes reais
diferentes (de diferentes extracções sociais, uns perto e outros longe
dos saberes escolares, muitos "clientes" forçados do sistema) em turmas
de mais de trinta "iguais" em direitos e deveres, a quem se pretende,
mais ou menos bem, socializar e "conformizar" – tornar o mais possível
conformes às sabedorias e culturas escolares, mantendo ao mesmo tempo as
suas culturas, tradições, etc.
Não habituados a provas de esforço, menos habituados a
pensar que provas de curta duração possam significar o fim das
progressões que lhes prometeram (sem lhes prometer outro futuro que não
seja prosseguir os estudos), os estudantes vão agora ser submetidos a
cinco ou seis exames finais no 12.º ano. Até agora, os estudantes
poderiam ter de fazer uma, duas ou três provas das três disciplinas que
frequentavam. Pais que exigiam e exigem a consideração de todas as
habilidades dos filhos para a avaliação e classificação interna, pagavam
e pagam a explicadores o treino para as provas que deixaram de esperar
da escola. E agora até pode acontecer (e está a acontecer!) que os pais
estejam a investir no antiquíssimo serviço de resolver exercícios
típicos dos antigos instrumentos de navegação pelos mares do ensino e
que, ainda pior do que antes, não permitirão grande reembolso. Porque
mesmo os explicadores não podem treinar convenientemente para o porvir
desconhecido.
Compete às escolas treinar essas competências de prestar
provas? Se há provas aparentemente baseadas nos seus serviços e
oficialmente produzidas para validar as apropriações que permitem, as
escolas devem preparar os estudantes para prestaras provas. Talvez
tentar treinar sem sacrificar o que a escola deve fazer no essencial.
Como?
Uma das formas passa por fornecer provas-modelo que, para
além das sínteses significativas dos conteúdos/objectivos dos programas,
indiciem o tipo de perguntas e o tipo de respostas esperadas e criem uma
nova tensão relativamente a instrumentos que não podem ser considerados
fundamentais na
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avaliação contínua e que representam abordagens possivelmente previstas
nos programas, mas para as quais os professores se mostraram incapazes
(sem que disso tenham culpa individualmente) ou não puderam incorporar
na sua leccionação.
Se o DES, para além de enviar às escolas o "núcleo
significativo de conteúdos e objectivos", enviar provas modelo estará a
assumir um dever por cumprir.
As provas até agora aplicadas têm tido resultados
desastrosos. Valerá a pena prevenir, por pouco que seja, o desastre que
se avizinha (mas que sempre viveu mais ou menos ao nosso lado, ao lado
da escola – que nunca teve ou não quis ter acesso ao interior da
escola). Agora mais do que nunca isso se justifica. E justifica-se que
essas provas-modelo já sejam ajustadas à nova realidade dos exames
finais de curso (vários...) em vez de simples provas de aferição. A
única objecção poderá residir no facto destas provas de exame final
servirem várias funções no sistema. Mas que culpa têm os estudantes (com
classificação interna) disso?
2.
Para sobreviver às acusações de desajustamento, tendo em
conta que o novo programa (conteúdos/
objectivos/metodologia/avaliação/tecnologia) não está a ser aplicado de
modo uniforme e muito menos está a ser apropriado de modo uniforme e que
é suposto haver grandes mudanças, as provas deveriam ter sido testadas
com alunos do ano anterior. Se se considerassem as provas do ano
anterior (aplicadas aos alunos da experiência) como teste (tiveram
tratamento estatístico questão a questão?) poder-se-ia pensar que as
provas estavam desajustadas, mesmo para as condições excepcionais.
Pensou-se nisso? Vai levar-se isso em conta? Com os alunos deste ano,
não é possível fazer qualquer verdadeiro teste, até porque nunca
poderiam ser considerados todos os itens do programa. Mas pode fazer-se
qualquer coisa com a aplicação de uma bateria de perguntas-tipo
possíveis dentro do previsivelmente leccionado que sugeriria, pelo
menos, a adequação de tal ou tal forma de perguntar e tal ou tal forma
de esperar resposta. A aplicação deveria ser feita sobre uma amostra
significativa, consideradas as regiões do país e alguma distribuição dos
resultados de anos anteriores.
Poderia com certeza ser feito um teste com uma amostra de
alunos deste ano, no fim do ano, para permitir lições a seguir em 1997
(se é que se conseguem passar as informações de uma comissão para outra
comissão, se é que é possível dar instruções a comissões de elaboração
de provas de exame).
O teste deve ser feito sobre as mudanças de procedimentos
e sobre as novidades e deve, por isso, a ser feito, ser aplicado este
ano.
Mas o envio de provas-modelo, em tempo útil, proporciona
aos professores um guia mais a considerar na leccionação ou em esquemas
de apoio. É de esperar que, pelo menos isso, aconteça.
EXAMES SIM! PROVAS MODELO NÃO!
TUDO EM DEFESA DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM?
Recentemente, em resposta a pedidos/exigências por
Conselhos Directivos e Pedagógicos, o Departamento do Ensino Secundário
informou que "no que concerne às provas-modelo"... "não está prevista a
sua produção, uma vez que, não havendo já condições para garantir a
quantidade e a qualidade desejáveis, se correria o risco de condicionar
em demasia o processo de ensino-aprendizagem e conduzir a uma
metodologia de ensino excessivamente limitativa".
Ficamos a saber que afinal o sistema de exames não
condiciona assim tanto o processo de ensino-aprendizagem. São as
provas-modelo, essas sim, que podem condicionar o processo de ensino
aprendizagem e conduziriam a uma metodologia excessivamente limitativa.
Estamos entendidos. ■
Arsélio Martins
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