JORNAL
N.º 8

JUNHO
1992  Ano IV


ESCOLA SECUNDÁRIA HOMEM CRISTO - AVEIRO
COLABORA NO ENRIQUECIMENTO DO TEU JORNAL

SUMÁRIO

 

Editorial

 

Projecto
Minerva

 

Futebol
sem
computador

 

Escrita da
casa: Poesia

 

Notícias da
Escola

 

Reportagem
Visitas e
Projectos

 

Tempos
livres: Pesca

 

Cantinho
do
Português

 

Passatempos

 

Fac-símile
da 1ª página

 
 

 













— Há uns tempos atrás, um aluno perguntou-me se eu também gostava de jogos de computador. Respondi-lhe afirmativamente. Disse-me então que tinha um jogo espectacular, que um amigo lhe tinha arranjado no dia anterior. E convidou-me a ir vê-lo na sala de informática da nossa escola, pois trazia com ele a disquete. Acedi.

Embora na sala de informática não devam entrar jogos, a menos que apresentem uma função didáctica, liguei o computador, esperei uns segundos que ele iniciasse o sistema e introduzi a disquete na «drive». Mas antes de verificar o conteúdo da disquete, tive o cuidado de lhe verificar o estado sanitário, não fosse algum vírus mal encarado introduzir-se no computador e dar-nos cabo da paciência e de todo o material.

Não, não tinha qualquer perigo escondido. Pedi o conteúdo da disquete, para descobrir o ficheiro de arranque do programa. Digitei-o e carreguei na tecla de ENTER. Passados uns segundos, surgiram as primeiras imagens de apresentação.

Tratava-se de um espectacular simulador desportivo, um jogo de futebol com umas imagens muito bem conseguidas, simulando com grande perfeição e realismo um desafio de futebol. Mas as qualidades do jogo não se ficavam apenas pelas imagens! Além de nos permitir fazer parte de uma equipa, as opções fornecidas ao utilizador eram várias: podíamos jogar contra o computador ou contra um amigo; podíamos escolher as equipas; podíamos realizar sessões de treino; constituir as equipas ao nosso gosto; em suma, quase tudo como na vida real, não faltando sequer o negócio de milhões com a transacção dos jogadores ou a aquisição de futuras estrelas da bola, por nós baptizadas com os nomes que quiséssemos. E se nos agradasse formar uma nova equipa local ou efectuar um «replay» de uma jogada, também isso era possível. E é que nem o apito do árbitro faltava para assinalar as penalidades e muito menos o ruído da multidão. Era, de facto, um simulador bem conseguido!

Ao fim de uns minutos de experiências, o miúdo, entusiasmado, sai-se-me com esta:

- O que é que acha deste jogo? Espectacular, não é? No seu tempo não havia computadores nem jogos como estes!

Percebi onde queria chegar. «No seu tempo» era o tempo em que eu era também miúdo como ele. Estava, seguramente, a comparar duas épocas diferentes e, quase de certeza, a sobrevalorizar a sua época, os tempos actuais, em que não faltam brinquedos sofisticados para diversão dos mais novos.

Lembrei-me imediatamente das crianças que conheci em África, no interior de Angola, quando por lá passei há uns vinte e tal anos. E lembrei-me que eles, mesmo sem computadores e brinquedos sofisticados, eram bem mais criativos que os nossos jovens, construindo eles mesmos os seus brinquedos com os meios materiais ao dispor. E revi, mentalmente, aquelas belas miniaturas de camionetas, de unimogues, de aviões, feitas com madeira e com as cintas metálicas dos caixotes que recebíamos da metrópole e que tão cobiçadas eram por eles para fazerem as suspensões das viaturas. E lembrei-me do meu tempo de criança. Também nós, há quarenta anos atrás, não tínhamos brinquedos sofisticados e, muito menos, jogos computorizados; mas não nos faltava a imaginação e a criatividade para com elas construirmos os nossos brinquedos.

Respondi-lhe que, antigamente, apesar de não termos computadores e brinquedos caros e sofisticados, nos divertíamos de uma maneira melhor e mais saudável que muitos jovens de agora. E que, quando não tínhamos brinquedos, éramos nós que os construíamos, recorrendo aos mais variados materiais que encontrávamos aqui e ali: pedaços de madeira, pedidos na carpintaria próxima; tampas das cervejas e laranjadas para fazermos as rodas dos nossos carros; rolamentos usados para os nossos «karts»; enfim, tudo quanto pudesse ainda ter alguma utilidade. É que o desejo de ter mas brinquedos espevitava-nos a imaginação e levava-nos à invenção e criação. Não precisávamos que outros inventassem brinquedos para brincarmos, éramos nós próprios os inventores e criadores dos nossos brinquedos. E, indo um pouco mais longe, disse-lhe que tínhamos até melhores jogos de futebol, muitas vezes com regras inventadas no momento, sem precisarmos do computador para nada.

Riu-se! Não estava lá muito convencido com a autenticidade das minhas palavras. Certamente eu estava a referir-me a jogos de futebol entre vários jogadores, com bola a sério, em algum jardim, ou num descampado, ou até mesmo no meio da rua, numa época em que ainda havia poucos automóveis a circular e as crianças se podiam dar ao prazer de brincar no meio da rua... ou, então, estaria eu a inventar um pouco, para que a minha época não ficasse atrás dos tempos modernos.

Como convencê-lo, então, daquilo que lhe estava a dizer? Como fazer-lhe ver que tudo quanto lhe dizia era a verdade, verdadinha, sem nada de fantasioso? Disse-lhe que não, que não estava a referir-me ao tipo de brincadeira com bola, balizas e vários miúdos ao mesmo tempo. Também nós fazíamos jogos simulados, dois a dois, tal como agora se podem fazer com a ajuda do computador; só que, em vez de computador, recorríamos a uma folha de papel quadriculado, arrancada ao nosso caderno das contas. E jogávamos futebol num campo quadriculado, à semelhança do que ainda se faz com o jogo da batalha naval. E fazíamos desafios renhidos, aos quais não faltava o entusiasmo dos golos marcados, especialmente quando a nossa sorte ou estratégia nos favorecia, permitindo marcar uma cabazada de golos na baliza adversária.

- Como seria isso possível sem a ajuda do computador? - perguntou-me o meu jovem interlocutor.

No momento, não lhe dei uma resposta completa, uma resposta que lhe pudesse satisfazer plenamente a curiosidade, mas prometi-lhe que, um dia, nas páginas do jornal da escola, ou até mesmo noutro, que não escolar, lhe ensinaria, a ele e a todos os seus colegas, a fazer bons jogos de futebol em qualquer lugar e sem ajuda de máquinas caras e sofisticadas. E como o prometido é dívida que deverá ser paga, aqui nos encontramos agora prontos a aprender as regras para um bom desafio de futebol dois a dois.

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