Alberto Ribeiro Soares, Catálogo da Biblioteca do Exército, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2003, 222 págs.

Um trabalho pioneiro na comunicação militar

 
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Deveremos destacar, antes de tudo, o papel fundamental que tem sido desempenhado pela Biblioteca do Exército na preservação do fundo jornalístico militar, sem o que se teria perdido irremediavelmente um acervo da maior importância para o conhecimento das diversas vertentes dos meios da comunicação neste domínio. A maior parte das colecções que hoje ali se encontram transitaram das instalações do Jornal do Exército por estas serem reconhecidamente insuficientes para receber todos os jornais editados pelas unidades, conforme determinação do Ministério.

Em boa hora, o coronel Alberto Ribeiro Soares, como director da Biblioteca, teve a consciência de quanto seria limitada a utilidade deste rico conjunto para os estudiosos sem uma completa inventariação dos títulos nele existentes. Daqui resultou o presente catálogo da Biblioteca do Exército sobre a Imprensa Militar Portuguesa que regista para cima de um milhar de referências. Trata-se, assim, de um primeiro grande passo no sentido do levantamento exaustivo das publicações periódicas militares actualmente dispersas por variadas bibliotecas, arquivos e depósitos. Tarefa que, aliás, o coronel Ribeiro Soares tem em vista e que esperamos venha a cumprir, eventualmente sob a forma de um dicionário. O presente catálogo é ainda mais meritório por não se limitar a uma mera relação de títulos, mas conter informações valiosas sobre os periódicos, segundo critérios rigorosos e técnicas de inventariação e identificação adequadas e exactas.

Para além da muita valia deste catálogo como instrumento de trabalho para os estudiosos, que desta maneira vêem facilitado o acesso às fontes, o trabalho em si mesmo abre proveitosas pistas de reflexão. Vejamos algumas, procurando avaliar o significado destes dados através da sua inserção no curso da história contemporânea portuguesa.
 

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As primeiras publicações

Uma primeira visão global permite-nos distinguir, como principais categorias das publicações periódicas de conteúdo militar, as editadas ou autorizadas pelos departamentos militares (que genericamente é costume denominar "imprensa militar"), as que têm objectivos predominantemente comerciais (da responsabilidade de empresas civis) e as de organizações de tipo associativo (como a Revista da Liga dos Combatentes, as das Associações dos Antigos Alunos do Colégio Militar e dos Pupilos do Exército ou a dos Deficientes). Cada uma destas categorias tem diferentes incidências, embora também apresentem alguma complementaridade.

Ainda numa perspectiva global, procedendo a um balanço quantitativo por decénios verIfica-se que em 1811-1820 foram fundados 4 periódicos, sendo o valor mais baixo, e que o número mais elevado, 357, é alcançado em 1961-1970. A grande distância, pois, dos decénios que imediatamente se lhe seguem em número de novos periódicos militares: o de 1951-1960 com 58, o de 1911-1920 com 32 e o de 1931-1940 com 28. É de salientar, também, que apenas nos 40 anos entre 1961 e 2000 foram fundados cerca de 3 vezes mais periódicos militares (745) do que nos 150 anos anteriores (262). Para além destes, poderemos reconhecer períodos de algum dinamismo como o decénio que antecede a Regeneração (1841-1850), com 12, o do final do século XIX (1891-1900), com 21, e o do início do século XX (1901-1910), com 22. São dados que adquirem significativa dimensão quando relacionados com alguns dos acontecimentos e períodos, mais marcantes da história portuguesa dos séculos XIX e XX.

Assim foi quando, em 1809, apareceram as primeiras publicações regulares de carácter militar, embora em rigor estas não possam ainda ser classificadas como Imprensa. Trata-se do Almanaque Militar e da primeira Ordem do Dia promulgada pelo marechal Beresford, em 7 de Março (1).

Este esforço de inventariação e organização dos efectivos era inadiável e da maior importância para se poder avaliar correctamente as forças militares de que o País dispunha perante a conturbada situação peninsular e os receios, que viriam a confirmar-se, de novas invasões do nosso território. Lembre-se que, logo no início da 1ª Invasão, em 22 de Dezembro de 1807, Junot ordenara licenciar os oficiais subalternos e soldados, dissolvendo as milícias, com a entrega compulsiva das armas e a
finalidade expressa de desarmar o País e afastar as tropas de linha. Seguia assim o conselho de Napoleão de que devia desembaraçar-se imediatamente do exército português. Este foi assim dissolvido, só ficando ao serviço algumas tropas, em grande parte enquadradas por franceses. Mas, ao mesmo tempo que a "Legião Portuguesa" se colocava ao serviço do exército imperial e eram controlados os oficiais de todas as  / 13 / armas em Lisboa, muitos desertavam para não serem incorporados na Legião. Nas províncias criavam-se depósitos para recolha dos fugitivos que passaram a ter papel muito importante no enquadramento militar das guerrilhas populares e ao serviço das juntas patrióticas. Estas começaram por mobilizar as ordenanças, reorganizar as milícias e os regimentos dissolvidos, por vezes criando novos regimentos designados como "voluntários". Ao mesmo tempo, alguns contingentes que foi possível reunir juntaram-se às forças inglesas quando estas desembarcaram em Portugal, participando nos combates contra os franceses até à rendição destes. Mas todas estas acções eram desenvolvidas então sem obedecer a qualquer decisão de superior autoridade militar portuguesa, tanto mais que grande parte dos oficiais, sobretudo os de elevada graduação e os nobres, seguira para o Brasil com a família real e afastara-se ou fora afastada do serviço.

A urgência de superar esta situação caótica surge fortemente quando, desde Janeiro de 1809, correm as notícias sobre a nova Invasão, que se consumaria em Março, sob o comando de Soult. É neste contexto que assumem primordial importância as referidas primeiras publicações regulares militares, o Almanaque Militar e a primeira Ordem do Dia de Beresford, com vista à necessária organização das forças regulares, que ainda se apresentam mal preparadas e desorganizadas quando enfrentam Soult no Porto em 27 de Março. Esta mesma preocupação central de levantamento rigoroso dos efectivos é também visível nos anos seguintes, com a publicação da Lista dos Oficiais de Milícias (1811), a Lista dos Oficiais do Exército (1811), a Lista Geral do Exército ou Almanaque Militar de Portugal (1813) e o Almanaque Militar ou Lista Geral dos Oficiais do Exército de Portugal (1817). Após o convulsionamento das Invasões e a sequente subalternização dos oficiais portugueses perante as chefias inglesas – que seria uma das causas dos pronunciamentos militares de 1820 – estas publicações são expressões muito significativas do esforço de afirmação própria das forças armadas nacionais.

 

As convulsões político-militares no segundo quartel de Oitocentos

Terminada a guerra civil de 1828-1834 e estabelecida definitivamente a monarquia constitucional, era tarefa prioritária definir e organizar o corpo regular do exército nacional, confundido durante o conflito com as forças mercenárias e os batalhões de voluntários. O início da publicação da Ordem do Exército, em 1835, é nesse sentido um instrumento significativo. Mas as convulsões das décadas de 1830 e 1840, dividindo a sociedade civil e também as forças armadas, reflectem-se em publicações que servem parcialidades ou corpos próprios. É o caso, por exemplo, do bissemanário Guarda Nacional de Lisboa, órgão setembrista da estrutura civil armada com a mesma designação, surgido em Janeiro de 1837 (2).
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Os intensos conflitos que atravessam a sociedade portuguesa no segundo quartel do século XIX, onde a componente militar tem um papel central, encontram formas de comunicação adequadas que se mostram bastante eficazes. Os boletins do Exército, boletins do Exército de Operações, boletins Oficiais ou simplesmente boletins são, sobretudo na guerra civil de 1846-1847, meios expeditos de comunicação quer de carácter geral quer no âmbito restrito do centro de operações e que, embora normalmente feridos de parcialidade, constituem fontes informativas de muito valor histórico, ainda não suficientemente aproveitadas pelos nossos estudiosos (3).

Neste quadro conturbado e confuso, tem particular significado o aparecimento do Jornal Militar (Lisboa, 1 de Janeiro de 1841, quinzenal), como primeiro órgão da instituição militar regular, que na folha de rosto do 1º número ostenta o título de Jornal do Exército Português. Mas a mais importante contribuição neste esforço de organização é dada pela Revista Militar (Lisboa, Janeiro de 1849, mensal), fundada por Fontes Pereira de Melo e que continua sendo a mais antiga da imprensa militar mundial em publicação contínua.

Tinha o país saído da violenta guerra civil de 1846-1847 e, embora fosse ainda grande a instabilidade política no quadro da contestada governação de Costa Cabral, ganhava cada vez mais força a ideia de que o indispensável e urgente desenvolvimento do País passava necessariamente pelo fortalecimento do Estado e a estabilização das instituições. Reorganizar e disciplinar as /forças armadas é peça fundamental neste objectivo, com o que se relacionam as referidas medidas governamentais em Março de 1848 no sentido de controlar os batalhões nacionais e, na mesma linha, a Organização Geral do Exército decretada em Dezembro de 1849. É neste quadro que o aparecimento da Revista Militar se apresenta relevante e tanto mais significativo quanto é certo ter sido o seu fundador o principal motor da política de desenvolvimento que ficou conhecida por "fontismo".

 

Nova relação entre o militar e o político

Com o movimento da Regeneração, em 1851, produziram-se assinaláveis modificações na vida política, no Estado e na sociedade. Os reflexos na Imprensa militar são visíveis.
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Em primeiro lugar, assinale-se alguma dinamização do movimento periodístico. Deverá referir-se, também, o facto de, para além dos órgãos das diferentes armas, aparecerem nessa segunda metade do século XIX periódicos de especialidades não exclusivamente militares, embora ao serviço das forças armadas. São os casos, por exemplo, de O Escholiaste Médico (Lisboa, 1851), que é a continuação do Jornal dos Facultativos Militares (Lisboa, 1843), da Revista de Medicina Militar (Porto, 1886) e de A Medicina Militar (Lisboa, 1898); ou da Revista de Jurisprudência Militar (Porto, 1886). Tal facto terá a ver, julgo, com o desenvolvimento de duas dinâmicas de sentidos aparentemente contrários: por um lado, as crescentes estabilização e consolidação do corpo militar regular criando a necessidade de formação em matérias mais diversificadas; por outro, a ligação mais estreita, no plano institucional, entre as forças armadas e o poder político e sociedade civil. Isto é, a crescente dependência do aparelho militar relativamente ao poder político legitimado pelo voto dos cidadãos tem, quanto à Imprensa militar, o efeito de inseri-la cada vez mais no tecido social, nas exigências cada vez mais amplas e complexas levantadas pela sociedade em expansão.

Uma outra vertente deste fenómeno é a alteração que se regista na figura do militar-político: aos militares que desempenharam acima de tudo o papel de árbitros na vida política – como Saldanha, Terceira, Antas, Bonfim – vão-se suceder, numa fase de transição para o predomínio do político-civil, os que, sobretudo no terceiro quartel do século XIX, intervêm politicamente com visões estratégicas sobre o desenvolvimento do País, como Fontes Pereira de Melo, Sá da Bandeira, Loulé.

O último vinténio da Monarquia regista, como se viu, movimento intenso: 43 novos periódicos. Nestes, haverá a destacar linhas de desenvolvimento significativas. Corresponde este período a uma preocupação constante, em várias vertentes, pelo aumento da eficácia do Estado tanto para fazer face aos complexos problemas que se levantavam no Reino (entre os quais a necessidade de uma maior intervenção do Estado na vida económica e financeira e no comércio externo, com o sistema proteccionista adoptado), como para enfrentar as dificuldades políticas crescentes que ameaçavam o regime, conduzindo a um aumento do autoritarismo governativo. O que leva a uma maior atenção à organização e eficácia das forças armadas, com vista quer a um melhor desempenho das suas tarefas correntes quer como instrumento repressivo interno.

Assim, além da Revista do Exército e da Armada (Lisboa, 1893, que se fundiu com a Revista Militar em 1905) e de outras Revistas (de Engenharia, de Infantaria, de Cavalaria, de Artilharia, de Administração Militar) aparecem várias Ordens, Almanaques, Listas, Boletins, Anuários, Anais, Listas de Antiguidades.

Não deverá passar despercebido o facto, significativo, de surgirem então as primeiras publicações militares que se assumem como independentes (entende-se, do poder político e dos partidos), como primeiras manifestações de um processo que culminará com a identificação entre Forças Armadas e Pátria. Neste caso, dois / 16 / exemplos expressivos: A Sentinela (Tavira, 1892), que se intitulava "semanário militar independente" e O Eco Militar (Portimão, 1897), "órgão militar independente", ambos, pois, curiosamente do Algarve.

Muito significativo, também, é o aparecimento das primeiras publicações militares que não são órgãos nem prioritariamente se dirigem à classe dos oficiais. Era a expressão do papel crescente que os sargentos, sobretudo, e também as praças teriam no período da propaganda republicana e que culminaria na revolta fracassada do 31 de Janeiro de 1891 e no 5 de Outubro de 1910. Vejam-se, por exemplo, O Sargento (Coimbra, 1888), Na Vedeta (Lisboa, 1896, "órgão das praças da Guarda Fiscal, Exército, Armada e Ultramar") e A Vedeta (Lisboa, 1897, "órgão das praças da Guarda Fiscal e Exército).

Não deverá passar despercebida, também, a incidência na Imprensa militar dos esforços de exploração e ocupação dos territórios africanos desenvolvidos pelos governos portugueses, especialmente após a Conferência de Berlim (1884-1885) e a crise do Ultimatum (1890). Desde a Revista Portuguesa Colonial e Marítima (Lisboa, 1897), sucedem-se desde os primeiros anos do século XX diversas publicações como as Ordens às Forças Armadas da Colónia de Angola (Luanda, 1902), da Colónia de Cabo Verde (Cidade da Praia, 1902), da Colónia de Macau (Macau, 1902), da Colónia da Guiné (Bolama, 1903), o Boletim Militar das Colónias (Lisboa, 1910), além de numerosas Listas de Antiguidades dos Oficiais dos Quadros Coloniais, desde 1870 e com especial incidência nos últimos anos do século XIX e primeiros do seguinte. Publicações que tinham prioritariamente em vista, pois, a organização interna das forças militares em África.

 

Na Primeira República

O primeiro decénio da República foi o de maior movimento até aí registado na Imprensa militar, com 32 novos títulos.

Neles destacam-se, ainda na continuidade do período anterior, como vimos, os de defesa dos interesses da classe dos sargentos, como expressão do papel importante que assumiram na proclamação e na defesa da República. No presente catálogo contabilizámos neste decénio sete publicações a eles dedicadas: A Voz do Sargento (Coimbra, 1911), Na Vedeta (Coimbra, 1914), O Sargento (Coimbra, 1914), A Vedeta (Coimbra, 1914), Marte (Coimbra, 1915), Revista dos Sargentos Portugueses (Lisboa, 1916) e O Exército (Lisboa, 1920, "órgão dos sargentos portugueses").

A preocupação que em geral a República tem pela instrução pública manifesta-se também aqui com várias publicações de instituições de ensino militar como Colégio Militar, Escola de Guerra e Pupilos do Exército.

Será curioso registar o aparecimento então, ao que julgo, das primeiras publicações de aeronáutica portuguesas: Aero Clube de Portugal (Lisboa, 1911), Revista Aeronáutica / 17 / (Lisboa, 1911, "órgão oficial do Aero Clube de Portugal) e O Vôo Mecânico (Lisboa, 1914, "órgão do Centro Nacional de Aviação").

A entrada de Portugal na Grande Guerra provoca o aparecimento de algumas publicações de que a primeira cuido ter sido Portugal na Guerra (Paris, 1917) a que se seguem, no decénio de 1920, outras como O Mutilado da Guerra (Porto, 1925), A Guerra (Lisboa, 1926, "órgão da Liga dos Combatentes da Grande Guerra"), A Voz dos Combatentes (Coimbra, 1928) e Ágil (Olhão, 1929, "órgão do núcleo da Liga").

 

A imprensa militar no Estado Novo

Nos anos imediatamente seguintes ao pronunciamento militar do 28 de Maio de 1926 não se regista assinalável movimento periodístico de natureza militar. O que contrasta com a década de 1930, desde os primeiros anos. d lançamento das bases do Estado Novo, que tem a sua peça fundamental na Constituição de 1933, daria a maior atenção à reestruturação e definição da instituição militar no quadro do Estado, que culminaria na grande reorganização do Exército em 1937. Aparece assim um apreciável número de publicações (100 novos periódicos de 1931 a 1960) quer de natureza estritamente militar, com destaque para as revistas das diferentes armas, quer de carácter civil dinamizadas por militares em áreas correlacionadas, como as revistas Defesa Nacional (Lisboa, 1934), Revista da Marinha (Lisboa, 1937), Revista do Ar (Lisboa, 1937), entre outras.

Mas o maior surto irá verificar-se na década que se inicia em 1961 e que regista muito maior número de periódicos (357) do que em todos os anos antecedentes (262). Tal fenómeno relaciona-se, obviamente, com o eclodir da guerra colonial e o papel particularmente importante que a comunicação passa a ter nesse contexto. Não surpreende que, em tais condições, as publicações militares apresentem algumas características inovadoras. Em primeiro lugar, a dispersão dos efectivos por diferentes e distantes palcos, normalmente com dificuldade de comunicação expedita entre si, leva à necessidade de uma descentralização como nunca até aí se verificara em tais dimensões. Em consequência, as responsabilidades pela comunicação não se restringiram aos níveis superiores de comando, como era habitual, mas pertenceram muito frequentemente a diferentes níveis hierárquicos. Por tudo isso, não se duvida que são fontes de muito valor para o estudo da guerra colonial na perspectiva inabitual dos múltiplos aspectos da comunicação escrita periódica a partir das forças armadas portuguesas.

 

Após o 25 de Abril

Nos anos que se seguem até 2000 continua a ser muito intenso o movimento periodístico militar (388 publicações nas três últimas décadas do século XX), sendo de / 18 / destacar o ano de 1999 em que, apenas nos primeiros quatro meses, foram fundadas seis novas publicações. O efeito da Revolução do 25 de Abril far-se-ia sentir imediatamente com a extinção de quase todas as publicações que de algum modo eram identificadas com o regime anterior e o aparecimento de novas, com destaque para o Movimento 25 de Abril, boletim informativo das Forças Armadas, órgão da 5ª Divisão do EMGFA, que tinha a seu cargo a informação e a comunicação. Numa primeira fase, é por vezes visível a carga ideológica, de sentido contrário, obviamente, à registada nas publicações durante o Estado Novo e, sobretudo, quando da guerra colonial. Mas o traço mais marcante será, porventura, a maior diversidade de conteúdos, tanto pela abertura política resultante da nova situação como das novas tarefas que se levantavam às Forças Armadas. De destacar dois casos que se afiguram curiosos: a recuperação do antigo título de O Sargento (Lisboa, 1991), órgão da Associação Nacional de Sargentos; e um outro de carácter religioso, mas não tradicional, Militares Evangélicos de Portugal (Lisboa, 1998). Não deixará de assinalar-se, por fim, uma característica particularmente significativa desta Imprensa militar pós 25 de Abril que é, ao que admitimos, um mais visível entrosamento com a sociedade civil em diversas vertentes.

 

A Imprensa militar na história contemporânea portuguesa

Em jeito de breve balanço, julgo podermos concluir, em primeiro lugar, sobre a estreita articulação da Imprensa militar com as principais fases da história contemporânea portuguesa. Entre os vários sentidos sob que esta articulação pode ser analisada, vejamos alguns que nos parecem mais significativos.

Antes de tudo, a sua função de servir a instituição, especificamente dirigida aos militares e restante pessoal ao serviço. O inventário agora feito permite concluir, porém, que tal não a limita exclusivamente a aspectos técnicos. É visível, também, a preocupação de servir o objectivo fundamental de contribuir para o espírito de corpo da instituição, para a sua coesão e estabilidade interna, a fim de, em última instância, garantir uma maior eficácia operacional. Neste propósito se insere o carácter lúdico que apresentam algumas publicações ou suas secções, com particular destaque para o uso do humor, mais frequente do que seria de prever, e que por si só poderia constituir um bom motivo de estudo.

Por outro lado, atente-se em como a Imprensa militar estabelece pontes informativas de carácter geral com o País e também com o estrangeiro. Embora o entrosamento com a sociedade civil nem sempre tenha sido continuado e profundo, ele transparece com maior evidência em certos períodos históricos em que a instituição militar assume papel especialmente relevante ou mesmo arbitral na cena política.

Não se duvida que a integração compreensiva da instituição militar na sociedade muito ficou a dever, ao longo da História, à influência da Imprensa militar. Mas muito / 19 / variou o peso relativo da atenção às questões internas da instituição e às questões do seu relacionamento exterior. Em cada situação histórica dependia da força de alguns factores mais influentes, entre os quais: a necessidade de preparação do aparelho militar perante desafios externos; o comportamento do aparelho militar perante alterações da ordem social e política interna; o relacionamento da instituição militar com os centros de decisão política isto é, em última instância, as múltiplas formas como se inseriu no quadro institucional do sistema político, o que muito tem a ver, obviamente, com o grau de desenvolvimento, de solidez e de maturidade deste.

Por outro lado, é visível, ao longo da história, o papel muito importante que a Imprensa militar por vezes desempenhou como mediadora entre a instituição e o poder político central (monarca, governo, parlamento).

Na primeira fase de construção da monarquia constitucional, perante a fragilidade do Estado e a instabilidade do poder político seria o Exército a assegurar a unidade e a coesão nacional, ao lado do relevante papel da Igreja.

Diferente é a situação após a Regeneração (1851) em que a acalmia política e a crescente polarização das correntes de opinião em formações partidárias, embora ainda incipientes, criariam condições para um generalizado consenso da classe política sobre as exigências de desenvolvimento do País. Para que o Estado, porém, não estava suficientemente preparado, daí nascendo as principais crises que atravessam o nosso país no terceiro quartel de Oitocentos.

Em consequência, a preocupação central dos governantes desde a década de 1860, mas sobretudo nas décadas de 1870 e de 1880 é a da preparação do Estado com vista aos desafios mais prementes que o País enfrentava. Reflecte-se em todos os domínios. E se é particularmente saliente na organização e funcionamento da administração central e periférica, no sistema eleitoral, na política de ensino entre outros aspectos, não deixa de ter também como um dos mais significativos a evolução do papel da instituição militar cada vez menos como árbitro da vida política e cada vez mais inserida na organização política do País. No quadro de uma sociedade civil em mudança quer quanto a transformações estruturais quer quanto à sua crescente politização e consequente alteração no seu relacionamento com os círculos superiores de decisão política.

O movimento da Imprensa militar acompanha esta viragem no sentido da modernização, configurando o que poderá designar-se como o seu "primeiro período áureo", que tem também como um dos factos mais significativos o primeiro grande impulso na Revista Militar que, vindo até aos nossos dias, é o mais importante periódico da sua história e o mais antigo do mundo em publicação contínua.

José Tengarrinha

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(1) - Ver, de Alberto Ribeiro Soares, a comunicação "Imprensa Militar Portuguesa - uma perspectiva diacrónica" ao Congresso Internacional da Imprensa Militar" (13-16 de Setembro de 1999) in Revista Militar, n° 2374, Nov. 1999, pp. 1583-1612; e o artigo" As Forças Armadas e a Imprensa Militar" in Revista Militar, n° 1-2, Jan.-Fev. 1992, pp. 17-60.

(2) - Os batalhões nacionais ou batalhões de voluntários de diversos ramos de actividade não foram fenómeno fugaz. Prolongar-se-ão na década de 1840, são extintos em 1841, mas em 1846, com o eclodir da guerra civil, o Governo convoca-os de novo. A guerra civil termina em Junho de 1847, mas em Julho e Agosto serão ainda formados vários batalhões e companhias. O seu último breve reaparecimento será no movimento militar de Abril de 1851, mas já em declínio irreversível desde as medidas tomadas pelo Governo em Março de 1848 no sentido de controlá-los e discipliná-los.

(3) - Além das publicações referidas no presente catálogo, veja-se José Tengarrinha "A Imprensa ilegal portuguesa durante a guerra civil de 1846-1847" in Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Ed. Caminho, 1983, pp. 239-259.

 

 

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