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Deveremos destacar, antes de tudo, o papel fundamental que tem sido
desempenhado pela Biblioteca do Exército na preservação do fundo
jornalístico militar, sem o que se teria perdido irremediavelmente um
acervo da maior importância para o conhecimento das diversas vertentes
dos meios da comunicação neste domínio. A maior parte das colecções que
hoje ali se encontram transitaram das instalações do Jornal do Exército
por estas serem reconhecidamente insuficientes para receber todos os
jornais editados pelas unidades, conforme determinação do Ministério. |
Em boa hora, o coronel Alberto Ribeiro Soares, como director da
Biblioteca, teve a consciência de quanto seria limitada a utilidade
deste rico conjunto para os estudiosos sem uma completa inventariação
dos títulos nele existentes. Daqui resultou o presente catálogo da
Biblioteca do Exército sobre a Imprensa Militar Portuguesa que regista
para cima de um milhar de referências.
Trata-se, assim, de um primeiro grande passo no sentido do levantamento
exaustivo das publicações periódicas militares actualmente dispersas por
variadas bibliotecas, arquivos e depósitos. Tarefa que, aliás, o coronel
Ribeiro Soares tem em vista e que esperamos venha a cumprir,
eventualmente sob a forma de um dicionário. O presente catálogo é ainda
mais meritório por não se limitar a uma mera relação de títulos, mas
conter informações valiosas sobre os periódicos, segundo critérios
rigorosos e técnicas de inventariação e identificação adequadas e
exactas.
Para além da muita valia deste catálogo como instrumento de trabalho
para os estudiosos, que desta maneira vêem facilitado o acesso às
fontes, o trabalho em si mesmo abre proveitosas pistas de reflexão.
Vejamos algumas, procurando avaliar o significado destes dados através
da sua inserção no curso da história contemporânea portuguesa.
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As primeiras publicações
Uma primeira visão global permite-nos distinguir, como principais
categorias das publicações periódicas de conteúdo militar, as editadas
ou autorizadas pelos departamentos militares (que genericamente é
costume denominar "imprensa militar"), as
que têm objectivos predominantemente comerciais (da responsabilidade de
empresas civis) e as de organizações de tipo associativo (como a Revista
da Liga dos Combatentes, as das Associações dos Antigos Alunos do
Colégio Militar e dos Pupilos do Exército ou a dos Deficientes). Cada
uma destas categorias tem diferentes incidências, embora
também apresentem alguma complementaridade.
Ainda numa perspectiva global, procedendo a um balanço quantitativo por
decénios verIfica-se que em 1811-1820 foram fundados 4 periódicos, sendo
o valor mais baixo, e que o número mais elevado, 357, é alcançado em
1961-1970. A grande distância, pois,
dos decénios que imediatamente se lhe seguem em número de novos periódicos
militares: o de 1951-1960 com 58, o de 1911-1920 com 32 e o de 1931-1940
com 28. É de salientar, também, que apenas nos 40 anos entre 1961 e 2000
foram fundados cerca de
3 vezes mais periódicos militares (745) do que nos 150 anos anteriores
(262). Para além destes, poderemos reconhecer períodos de algum
dinamismo como o decénio que antecede a Regeneração (1841-1850), com 12,
o do final do século XIX (1891-1900), com 21, e o do início do século XX
(1901-1910), com 22. São dados que adquirem significativa dimensão
quando relacionados com alguns dos acontecimentos e períodos, mais
marcantes da história portuguesa dos séculos XIX e XX.
Assim foi quando, em 1809, apareceram as primeiras publicações regulares
de carácter militar, embora em rigor estas não possam ainda ser
classificadas como Imprensa. Trata-se do Almanaque Militar e da primeira
Ordem do Dia promulgada pelo marechal Beresford, em 7 de Março
(1).
Este esforço de inventariação e organização dos efectivos era inadiável
e da maior importância para se poder avaliar correctamente as forças
militares de que o País dispunha perante a conturbada situação
peninsular e os receios, que viriam a confirmar-se, de novas invasões do
nosso território. Lembre-se que, logo no início da 1ª Invasão, em 22 de
Dezembro de 1807, Junot ordenara licenciar os oficiais subalternos e
soldados, dissolvendo as milícias, com a entrega compulsiva das armas e
a
finalidade expressa de desarmar o País e afastar as tropas de linha.
Seguia assim o conselho de Napoleão de que devia desembaraçar-se
imediatamente do exército português. Este foi assim dissolvido, só
ficando ao serviço algumas tropas, em grande parte enquadradas por
franceses. Mas, ao mesmo tempo que a "Legião Portuguesa" se colocava ao
serviço do exército imperial e eram controlados os oficiais de todas as
/ 13 /
armas em Lisboa, muitos desertavam para não serem incorporados na
Legião. Nas províncias criavam-se depósitos para recolha dos fugitivos
que passaram a ter papel muito importante no enquadramento militar das
guerrilhas populares e ao serviço das juntas patrióticas. Estas
começaram por mobilizar as ordenanças, reorganizar as milícias e os
regimentos dissolvidos, por vezes criando novos regimentos designados
como "voluntários". Ao mesmo tempo, alguns contingentes que foi possível
reunir juntaram-se às forças inglesas quando estas desembarcaram em
Portugal, participando nos combates contra os franceses até à rendição
destes. Mas todas estas acções eram desenvolvidas então sem obedecer a
qualquer decisão de superior autoridade militar portuguesa, tanto mais
que grande parte dos oficiais, sobretudo os de elevada graduação e os
nobres, seguira para o Brasil com a família real e afastara-se ou fora
afastada do serviço.
A urgência de superar esta situação caótica surge fortemente quando,
desde Janeiro de 1809, correm as notícias sobre a nova Invasão, que se
consumaria em Março, sob o comando de Soult. É neste contexto que
assumem primordial importância as referidas primeiras publicações
regulares militares, o Almanaque Militar e a primeira Ordem do Dia de Beresford, com vista à necessária organização das forças regulares, que
ainda se apresentam mal preparadas e desorganizadas quando enfrentam
Soult no Porto em 27 de Março. Esta mesma preocupação central de
levantamento rigoroso dos efectivos é também visível nos anos seguintes,
com a publicação da Lista dos Oficiais de Milícias (1811), a Lista dos
Oficiais do Exército (1811), a Lista Geral do Exército ou Almanaque
Militar de Portugal (1813) e o Almanaque Militar ou Lista Geral dos
Oficiais do Exército de Portugal (1817). Após o convulsionamento das
Invasões e a sequente subalternização dos oficiais portugueses perante
as chefias inglesas – que seria uma das causas dos pronunciamentos
militares de 1820 – estas publicações são expressões muito
significativas do esforço de afirmação própria das forças armadas
nacionais.
As convulsões político-militares no segundo quartel de Oitocentos
Terminada a guerra civil de 1828-1834 e estabelecida definitivamente a
monarquia constitucional, era tarefa prioritária definir e organizar o
corpo regular do exército nacional, confundido durante o conflito com as
forças mercenárias e os batalhões de voluntários. O início da publicação
da Ordem do Exército, em 1835, é nesse sentido um instrumento
significativo. Mas as convulsões das décadas de 1830 e 1840, dividindo a
sociedade civil e também as forças armadas, reflectem-se em publicações
que servem parcialidades ou corpos próprios. É o caso, por exemplo, do
bissemanário Guarda Nacional de Lisboa, órgão setembrista da estrutura
civil armada com a mesma designação, surgido em Janeiro de 1837
(2).
/ 14 /
Os intensos conflitos que atravessam a sociedade portuguesa no segundo
quartel do século XIX, onde a componente militar tem um papel central,
encontram formas de comunicação adequadas que se mostram bastante
eficazes. Os boletins do Exército, boletins do Exército de Operações,
boletins Oficiais ou simplesmente boletins são, sobretudo na guerra
civil de 1846-1847, meios expeditos de comunicação quer de carácter
geral quer no âmbito restrito do centro de operações e que, embora
normalmente feridos de parcialidade, constituem fontes informativas de
muito valor histórico, ainda não suficientemente aproveitadas pelos
nossos estudiosos
(3).
Neste quadro conturbado e confuso, tem particular significado o
aparecimento do Jornal Militar (Lisboa, 1 de Janeiro de 1841,
quinzenal), como primeiro órgão da instituição militar regular, que na
folha de rosto do 1º número ostenta o título de Jornal do Exército
Português. Mas a mais importante contribuição neste esforço de
organização é dada pela Revista Militar (Lisboa, Janeiro de 1849,
mensal), fundada por Fontes Pereira de Melo e que continua sendo a mais
antiga da imprensa militar mundial em publicação contínua.
Tinha o país saído da violenta guerra civil de 1846-1847 e, embora fosse
ainda grande a instabilidade política no quadro da contestada governação
de Costa Cabral, ganhava cada vez mais força a ideia de que o
indispensável e urgente desenvolvimento do País passava necessariamente
pelo fortalecimento do Estado e a estabilização das instituições.
Reorganizar e disciplinar as /forças armadas é peça fundamental neste
objectivo, com o que se relacionam as referidas medidas governamentais
em Março de 1848 no sentido de controlar os batalhões nacionais e, na
mesma linha, a Organização Geral do Exército decretada em Dezembro de
1849. É neste quadro que o aparecimento da Revista Militar se apresenta
relevante e tanto mais significativo quanto é certo ter sido o seu
fundador o principal motor da política de desenvolvimento que ficou
conhecida por "fontismo".
Nova relação entre o militar e o político
Com o movimento da Regeneração, em 1851, produziram-se assinaláveis
modificações na vida política, no Estado e na sociedade. Os reflexos na
Imprensa militar são visíveis.
/ 15 /
Em primeiro lugar, assinale-se alguma dinamização do movimento
periodístico. Deverá referir-se, também, o facto de, para além dos
órgãos das diferentes armas, aparecerem nessa segunda metade do século
XIX periódicos de especialidades não
exclusivamente militares, embora ao serviço das forças armadas. São os
casos, por exemplo, de O Escholiaste Médico (Lisboa, 1851), que é a
continuação do Jornal dos Facultativos Militares (Lisboa, 1843), da
Revista de Medicina Militar (Porto, 1886) e
de A Medicina Militar (Lisboa, 1898); ou da Revista de Jurisprudência
Militar (Porto, 1886). Tal facto terá a ver, julgo, com o
desenvolvimento de duas dinâmicas de sentidos aparentemente contrários:
por um lado, as crescentes estabilização e consolidação do corpo militar regular criando a necessidade de formação em
matérias mais diversificadas; por outro, a ligação mais estreita, no
plano institucional, entre as forças armadas e o poder político e
sociedade civil. Isto é, a crescente dependência
do aparelho militar relativamente ao poder político legitimado pelo voto
dos cidadãos tem, quanto à Imprensa militar, o efeito de inseri-la cada
vez mais no tecido social, nas exigências cada vez mais amplas e
complexas levantadas pela sociedade em expansão.
Uma outra vertente deste fenómeno é a alteração que se regista na figura
do militar-político: aos militares que desempenharam acima de tudo o
papel de árbitros na vida política – como Saldanha, Terceira, Antas, Bonfim
– vão-se suceder, numa fase
de transição para o predomínio do político-civil, os que, sobretudo no
terceiro quartel do século XIX, intervêm politicamente com visões
estratégicas sobre o desenvolvimento do País, como Fontes Pereira de
Melo, Sá da Bandeira, Loulé.
O último vinténio da Monarquia regista, como se viu, movimento intenso:
43 novos periódicos. Nestes, haverá a destacar linhas de desenvolvimento
significativas. Corresponde este período a uma preocupação constante, em
várias vertentes, pelo aumento da eficácia do Estado tanto para fazer
face aos complexos problemas que se levantavam no Reino (entre os quais
a necessidade de uma maior intervenção do Estado na vida económica e
financeira e no comércio externo, com o sistema proteccionista
adoptado), como para enfrentar as dificuldades políticas crescentes que
ameaçavam o regime, conduzindo a um aumento do autoritarismo
governativo. O que leva a uma maior atenção à organização e eficácia das
forças armadas, com vista quer a um melhor desempenho das suas tarefas
correntes quer como instrumento repressivo interno.
Assim, além da Revista do Exército e da Armada (Lisboa, 1893, que se
fundiu com a Revista Militar em 1905) e de outras Revistas (de
Engenharia, de Infantaria, de Cavalaria, de Artilharia, de Administração
Militar) aparecem várias Ordens, Almanaques, Listas, Boletins, Anuários,
Anais, Listas de Antiguidades.
Não deverá passar despercebido o facto, significativo, de surgirem então
as primeiras publicações militares que se assumem como independentes
(entende-se, do poder político e dos partidos), como primeiras
manifestações de um processo que culminará com a identificação entre
Forças Armadas e Pátria. Neste caso, dois
/ 16 / exemplos expressivos:
A
Sentinela (Tavira, 1892), que se intitulava "semanário militar
independente" e O Eco Militar (Portimão, 1897), "órgão militar
independente", ambos, pois, curiosamente do Algarve.
Muito significativo, também, é o aparecimento das primeiras publicações
militares que não são órgãos nem prioritariamente se dirigem à classe
dos oficiais. Era a expressão do papel crescente que os sargentos,
sobretudo, e também as praças teriam no período da propaganda
republicana e que culminaria na revolta fracassada do 31 de Janeiro de
1891 e no 5 de Outubro de 1910. Vejam-se, por exemplo, O Sargento
(Coimbra, 1888), Na Vedeta (Lisboa, 1896, "órgão das praças da Guarda
Fiscal, Exército, Armada e Ultramar") e A Vedeta (Lisboa, 1897, "órgão
das praças da Guarda Fiscal e Exército).
Não deverá passar despercebida, também, a incidência na Imprensa militar
dos esforços de exploração e ocupação dos territórios africanos
desenvolvidos pelos governos portugueses, especialmente após a
Conferência de Berlim (1884-1885) e a crise do Ultimatum (1890). Desde a
Revista Portuguesa Colonial e Marítima (Lisboa, 1897), sucedem-se desde
os primeiros anos do século XX diversas publicações como as Ordens às
Forças Armadas da Colónia de Angola (Luanda, 1902), da Colónia de Cabo
Verde (Cidade da Praia, 1902), da Colónia de Macau (Macau, 1902), da
Colónia da Guiné (Bolama, 1903), o Boletim Militar das Colónias (Lisboa,
1910), além de numerosas Listas de Antiguidades dos Oficiais dos Quadros
Coloniais, desde 1870 e com especial incidência nos últimos anos do
século XIX e primeiros do seguinte. Publicações que tinham
prioritariamente em vista, pois, a organização interna das forças
militares em África.
Na Primeira República
O primeiro decénio da República foi o de maior movimento até aí
registado na Imprensa militar, com 32 novos títulos.
Neles destacam-se, ainda na continuidade do período anterior, como
vimos, os de defesa dos interesses da classe dos sargentos, como
expressão do papel importante que assumiram na proclamação e na defesa
da República. No presente catálogo
contabilizámos neste decénio sete publicações a eles dedicadas: A Voz do
Sargento (Coimbra, 1911), Na Vedeta (Coimbra, 1914), O Sargento
(Coimbra, 1914), A Vedeta (Coimbra, 1914), Marte (Coimbra, 1915),
Revista dos Sargentos Portugueses (Lisboa,
1916) e O Exército (Lisboa, 1920, "órgão dos sargentos portugueses").
A preocupação que em geral a República tem pela instrução pública
manifesta-se também aqui com várias publicações de instituições de
ensino militar como Colégio Militar, Escola de Guerra e Pupilos do
Exército.
Será curioso registar o aparecimento então, ao que julgo, das primeiras
publicações de aeronáutica portuguesas: Aero Clube de Portugal (Lisboa,
1911), Revista Aeronáutica / 17 / (Lisboa, 1911, "órgão oficial do Aero
Clube de Portugal) e O Vôo Mecânico (Lisboa, 1914, "órgão do Centro
Nacional de Aviação").
A entrada de Portugal na Grande Guerra provoca o aparecimento de algumas
publicações de que a primeira cuido ter sido Portugal na Guerra (Paris,
1917) a que se seguem, no decénio de 1920, outras como O Mutilado da
Guerra (Porto, 1925), A Guerra (Lisboa, 1926, "órgão da Liga dos
Combatentes da Grande Guerra"), A Voz dos Combatentes (Coimbra, 1928) e
Ágil (Olhão, 1929, "órgão do núcleo da Liga").
A imprensa militar no Estado Novo
Nos anos imediatamente seguintes ao pronunciamento militar do 28 de Maio
de 1926 não se regista assinalável movimento periodístico de natureza
militar. O que contrasta com a década de 1930, desde os primeiros anos.
d lançamento das bases do Estado Novo, que tem a sua peça fundamental na
Constituição de 1933, daria a maior atenção à reestruturação e definição
da instituição militar no quadro do Estado, que culminaria na grande
reorganização do Exército em 1937. Aparece assim um apreciável número de
publicações (100 novos periódicos de 1931 a 1960) quer de natureza
estritamente militar, com destaque para as revistas das diferentes
armas, quer de carácter civil dinamizadas por militares em áreas
correlacionadas, como as revistas Defesa Nacional (Lisboa, 1934),
Revista da Marinha (Lisboa, 1937),
Revista do Ar (Lisboa, 1937), entre outras.
Mas o maior surto irá verificar-se na década que se inicia em 1961 e que
regista muito maior número de periódicos (357) do que em todos os anos
antecedentes (262). Tal fenómeno relaciona-se, obviamente, com o eclodir
da guerra colonial e o papel particularmente importante que a
comunicação passa a ter nesse contexto. Não surpreende que, em tais
condições, as publicações militares apresentem algumas características
inovadoras. Em primeiro lugar, a dispersão dos efectivos por diferentes
e distantes palcos, normalmente com dificuldade de comunicação expedita
entre si, leva à necessidade de uma descentralização como nunca até aí se
verificara em tais dimensões. Em consequência, as responsabilidades pela
comunicação não se restringiram aos níveis superiores de comando, como
era habitual, mas pertenceram muito frequentemente a diferentes níveis
hierárquicos. Por tudo isso, não se duvida que são fontes de muito valor
para o estudo da guerra colonial na perspectiva inabitual dos múltiplos
aspectos da comunicação escrita periódica a partir das forças armadas
portuguesas.
Após o 25 de Abril
Nos anos que se seguem até 2000 continua a ser muito intenso o movimento
periodístico militar (388 publicações nas três últimas décadas do século
XX), sendo de / 18 / destacar o ano de 1999 em que, apenas nos primeiros
quatro meses, foram fundadas
seis novas publicações. O efeito da Revolução do 25 de Abril far-se-ia
sentir imediatamente com a extinção de quase todas as publicações que de
algum modo eram identificadas com o regime anterior e o aparecimento de
novas, com destaque para o Movimento 25 de Abril, boletim informativo
das Forças Armadas, órgão da 5ª Divisão do EMGFA, que tinha a seu cargo
a informação e a comunicação. Numa primeira fase, é por vezes visível a
carga ideológica, de sentido contrário, obviamente, à registada nas
publicações durante o Estado Novo e, sobretudo, quando da guerra
colonial. Mas o traço mais marcante será, porventura, a maior
diversidade de conteúdos, tanto pela abertura política resultante da
nova situação como das novas tarefas que se levantavam às Forças
Armadas. De destacar dois casos que se afiguram curiosos: a recuperação
do antigo título de O Sargento (Lisboa, 1991), órgão da Associação
Nacional de Sargentos; e um outro de carácter religioso, mas não
tradicional, Militares Evangélicos de Portugal (Lisboa, 1998). Não
deixará de assinalar-se, por fim, uma característica particularmente
significativa desta Imprensa militar pós 25 de Abril que é, ao que
admitimos, um mais visível entrosamento com a sociedade civil em
diversas vertentes.
A Imprensa militar na história contemporânea portuguesa
Em jeito de breve balanço, julgo podermos concluir, em primeiro lugar,
sobre a estreita articulação da Imprensa militar com as principais fases
da história contemporânea portuguesa. Entre os vários sentidos sob que
esta articulação pode ser analisada, vejamos alguns que nos parecem mais
significativos.
Antes de tudo, a sua função de servir a instituição, especificamente
dirigida aos militares e restante pessoal ao serviço. O inventário agora
feito permite concluir, porém, que tal não a limita exclusivamente a
aspectos técnicos. É visível, também, a
preocupação de servir o objectivo fundamental de contribuir para o
espírito de corpo da instituição, para a sua coesão e estabilidade
interna, a fim de, em última instância, garantir uma maior eficácia
operacional. Neste propósito se insere o carácter lúdico que apresentam
algumas publicações ou suas secções, com particular destaque para o uso
do humor, mais frequente do que seria de prever, e que por si só poderia
constituir um bom motivo de estudo.
Por outro lado, atente-se em como a Imprensa militar estabelece pontes
informativas de carácter geral com o País e também com o estrangeiro.
Embora o entrosamento com a sociedade civil nem sempre tenha sido
continuado e profundo, ele transparece com maior evidência em certos
períodos históricos em que a instituição militar assume papel
especialmente relevante ou mesmo arbitral na cena política.
Não se duvida que a integração compreensiva da instituição militar na
sociedade muito ficou a dever, ao longo da História, à influência da
Imprensa militar. Mas muito / 19 / variou o peso relativo da atenção às
questões internas da instituição e às questões do seu relacionamento
exterior. Em cada situação histórica dependia da força de alguns
factores mais influentes, entre os quais: a necessidade de preparação do
aparelho militar perante desafios externos; o comportamento do aparelho
militar perante alterações da ordem social e política interna; o
relacionamento da instituição militar com os centros de decisão política
isto é, em última instância, as múltiplas formas como se inseriu no
quadro institucional do sistema político, o que muito tem a ver,
obviamente, com o grau de desenvolvimento, de solidez e de maturidade
deste.
Por outro lado, é visível, ao longo da história, o papel muito
importante que a Imprensa militar por vezes desempenhou como mediadora
entre a instituição e o poder político central (monarca, governo,
parlamento).
Na primeira fase de construção da monarquia constitucional, perante a
fragilidade do Estado e a instabilidade do poder político seria o
Exército a assegurar a unidade e a coesão nacional, ao lado do relevante
papel da Igreja.
Diferente é a situação após a Regeneração (1851) em que a acalmia
política e a crescente polarização das correntes de opinião em formações
partidárias, embora ainda incipientes, criariam condições para um
generalizado consenso da classe política sobre as exigências de
desenvolvimento do País. Para que o Estado, porém, não estava
suficientemente preparado, daí nascendo as principais crises que
atravessam o nosso país no terceiro quartel de Oitocentos.
Em consequência, a preocupação central dos governantes desde a década de
1860, mas sobretudo nas décadas de 1870 e de 1880 é a da preparação do
Estado com vista aos desafios mais prementes que o País enfrentava.
Reflecte-se em todos os domínios. E se é particularmente saliente na
organização e funcionamento da administração central e periférica, no
sistema eleitoral, na política de ensino entre outros aspectos, não
deixa de ter também como um dos mais significativos a evolução do papel
da instituição militar cada vez menos como árbitro da vida política e
cada vez mais inserida na organização política do País. No quadro de uma
sociedade civil em mudança quer quanto a transformações estruturais quer
quanto à sua crescente politização e consequente alteração no seu
relacionamento com os círculos superiores de decisão política.
O movimento da Imprensa militar acompanha esta viragem no sentido da
modernização, configurando o que poderá designar-se como o seu "primeiro
período áureo", que tem também como um dos factos mais significativos o
primeiro grande impulso na Revista Militar que, vindo até aos nossos
dias, é o mais importante periódico da sua história e o mais antigo do
mundo em publicação contínua.
José Tengarrinha |