Henrique J. C. de Oliveira

IV - REFLEXÕES CICLÍSTICAS E NÃO SÓ...
ou
DA DIALÉCTICA AMOROSA ENTRE UM MIÚDO E UMA BICICLETA

Ciclismo

Pouco tempo depois, a técnica ciclística evoluiu significativamente. Sentarmo-nos no selim do biciclo era ainda impossível. Ainda não chegávamos com os pés aos pedais. Então, qual a solução?

A solução era apoiarmos o pé esquerdo no pedal respectivo e dar o balanço inicial com o pé direito. Alcançada a velocidade mínima para mantermos o equilíbrio, enfiávamos a perna direita pelo meio do quadro triangular e circulávamos em pé, apoiados exclusivamente nos pedais. Pedalávamos normalmente com a bicicleta inclinada, formando os dois corpos, o nosso e o da bicicleta, um V perfeitamente equilibrado.

Quando tínhamos a sorte da bicicleta ter rodas mais pequenas e um suporte metálico para a mercadoria sobre a roda traseira, assentávamos aí as nádegas. Esticávamos os braços para chegar ao guiador e dávamos umas voltas sobre os paralelepípedos das ruas, que acabavam por começar a sentir-se, ao fim de algum tempo, nas almofadas traseiras.

As práticas evoluíram ao mesmo ritmo que cresciam as nossas pernas e o resto do corpo. Aí pelos meus dez ou onze anos, não posso precisar rigorosamente, porque já muitos anos passaram e me esbateram os dados arquivados nos neurónios, dei um pulo considerável. De um momento para o outro, vi-me esticado e magro e com um apetite insaciável, ao mesmo tempo que outros órgãos entravam eruptivamente numa fase de elevada actividade. E não fosse passar-se o mesmo com os companheiros de brincadeira, talvez ficássemos traumatizados, porque, naquele tempo, não havia educações sexuais nas escolas. Tudo o que aprendíamos era à nossa custa, numa saudável, enriquecedora e tranquilizante permuta de experiências.

De um momento para o outro, as bicicletas tinham miraculosamente encolhido. Já conseguíamos sentar-nos no selim e chegar aos pedais com as biqueiras dos pés.

Antes de entrarmos numa nova fase ciclística e apesar das nossas grandes capacidades de equilíbrio, houve um acontecimento que marcou o final da fase anterior e me manteve longe das bicicletas durante infindáveis semanas. Foi um acontecimento ciclístico que ficou profundamente marcado. Obrigou-me a abandonar o voleibol, desporto que iniciara na mesma altura em que um dos campos de ténis, existentes em frente de casa e ao lado do jardim, foi reconvertido para esta modalidade desportiva.    >>>

 

 

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