O mais velho, o
Barito, mais adiantado nos estudos, era como que o supervisor dos
irmãos mais novos, o Cinto e o Locas, e também do filho do
professor, companheiro inseparável de brincadeira dos dois irmãos.
E se às segundas o trio não podia brincar, porque o Cinto e o
Locas tinham de ajudar devido ao elevado afluxo de clientes, nos
outros dias, em que a loja tinha menos frequentadores, o trio
inseparável andava por ali, em correrias e brincadeiras, durante a
maior parte do dia. Foi um corrupio permanente que só amainou
quando os três começaram, sucessivamente, a frequentar a escola
primária. Sucessivamente, porque, entre eles, havia a diferença de
um ano de idade.
Mas o que é que
tudo isto tem a ver com o ciclismo?
Tem!
E muito, como já vão ver. Foi precisamente por esta altura que
comecei a aprender a ciclar e a tomar-lhe o gosto.
Naquele
tempo, possuir um automóvel era um luxo, só acessível aos
bafejados pelo deus cifrão. A classe média e a mais desfavorecida,
se queriam deslocar-se com maior rapidez, tinham de andar de
comboio ou, então, na melhor das hipóteses, possuir uma
bicicleta. E ter uma bicicleta era já uma marca de um certo poder
económico ou, então, o fruto de algumas economias reservadas para
o precioso biciclo.
Muitos
dos clientes que frequentavam o Zé da Feira e que trabalhavam nas
fábricas dos arredores deslocavam-se de bicicleta. Estacionavam-na
na berma da rua, com o pedal apoiado no lancil do passeio. Estas
bicicletas, quase todas iguais, umas pasteleiras pretas com pneus
largos, eram demasiado grandes para miúdos pequenos como nós. Mas,
nem assim, deixavam de ser a nossa tentação. Frequentemente,
pedíamos aos donos que nos deixassem dar uma voltinha, enquanto
permaneciam no estabelecimento. E era raríssimo levarmos com um
não.
Se
as bicicletas eram demasiado grandes para miúdos pequenos como
nós, como é que fazíamos para ciclar pelas ruas da vila?
Ao
princípio, usávamos as bicicletas como se fossem trotinetas. Precisamente
do mesmo modo, apesar de totalmente diferentes!
Aprendi
a andar de bicicleta em veículos que deviam ser da minha altura, se
não maiores. Apoiava o pé direito no pedal esquerdo, segurava como
podia o guiador esticando os braços ainda demasiado curtos, naquela
época, para o tamanho do transporte, e dava o balanço dinâmico
com o pé esquerdo.
Que
me lembre, nunca dei nenhum trambolhão. Se do triciclo passei para
a trotineta sem problemas, também não os ia ter ao aplicar os
conhecimentos trotinéticos à bicicleta. O único problema que daí
poderia advir era para o desequilíbrio no desgaste dos pneus
individuais. E digo bem! O desgaste era apenas para os pneus
individuais, porque os meus pais, para reduzir as despesas
frequentes com as solas dos sapatos, adoptaram uma excelente
estratégia económica. No sapateiro onde éramos clientes
frequentes, mandaram recauchutar as solas dos sapatos com uma sola
de pneu, mais resistente às correrias e ao desgaste provocado pelos
largos passeios de cimento. >>> |