JORNAL
N.º 9

FEVEREIRO
 1993  Ano V


ESCOLA SECUNDÁRIA HOMEM CRISTO - AVEIRO
COLABORA NO ENRIQUECIMENTO DO TEU JORNAL

Cinquentenário da morte de H. Cristo - 25/Fev./1943-1993

SUMÁRIO

 

Editorial

 

Homem Christo

 

Homem Cristo: um aveirense
a recordar

 

A figura de
Homem Cristo

 

Como era
a Secª H.
Cristo nos 
anos vinte

 

Homem Cristo
e o liceu
de Aveiro

 

H. Cristo
visto por pessoas
do seu
tempo

 

Passatempos

 

Fac-símile
da 1ª página

 











HOMEM  CRISTO E O LICEU DE AVEIRO
(actual Escola Secundária Homem Cristo)

No jornal n.º 7 de A FOLHA, publicado em Março de 1992, num artigo por nós intitulado «Mea Culpa», pp. 3-4, além de corrigirmos um erro cometido, chamávamos a atenção para o papel de Homem Cristo na defesa do edifício do «Liceu de Aveiro», hoje Escola Secundária e com o nome de quem, há cerca de cem anos, o defendeu, durante doze extensos artigos publicados no jornal “O Povo de Aveiro”, de que Homem Cristo era o director.

De facto, o actual patrono da Escola Secundária - Homem Cristo -, entre 27 de Novembro de 1887 e 19 de Fevereiro de 1888, em doze números do seu jornal semanal, publicado aos domingos, insurgia-se contra a ideia de se atribuir ao edifício construído sob a acção de José Estêvão outra função que não fosse a que lhe foi efectivamente destinada, ou seja, a do ensino. Não vamos agora repetir o que dissemos, em Março de 1992, nas páginas de A FOLHA, acerca do problema da desactivação da escola. Uma vez que celebramos, nesta altura, o cinquentenário da morte de Homem Cristo e que se corre o risco, uma vez mais, de algumas pessoas de Aveiro - talvez que não sejam mesmo de Aveiro, pois a sê-lo teriam um pouco mais de afeição às coisas aveirenses - respeitarem devidamente a memória dos nossos antepassados, iremos aqui recordar Homem Cristo, transcrevendo algumas passagens dessa longa e vigorosa defesa.

O primeiro artigo de Homem Cristo em defesa da Escola saiu no n.º 302 - e não no n.º 312, como se refere no Livro Comemorativo do 1º Centenário, organizado em 1951 por José Pereira Tavares -, no domingo de 27 de Novembro de 1887. Este artigo ocupou três das cinco colunas da primeira página. Dele passamos a transcrever algumas passagens:

«Diz-se, e se não nos enganamos já um jornal da localidade o referiu, que o edifício do liceu desta cidade vai ser destinado às repartições do governo civil, fazenda, e outras da mesma natureza, transferindo-se as escolas de instrução secundária para um outro edifício de construção somenos que se projecta elevar ou arranjar. Se não estivéssemos costumados aos mais estupendos disparates, aos maiores dos desconchavos por parte dos dirigentes desta terra e principalmente dos dirigentes progressistas, não acreditaríamos no boato, tão tolo se nos afigura. Porém, a julgar pelos precedentes, deve ser verdadeiro e exacto. Fica bem a monstruosidade referida ao lado doutras tantas com que o bando firminista tem pejado a cidade e desfeito as melhores das nossas riquezas naturais e das nossas tradições.

O liceu está perfeitamente onde está. Representa um melhoramento de primeira ordem. É um documento vivo e permanente do maior patriota que tivemos. É uma tradição gloriosa que será mais do que um erro, porque será um crime, não acatarmos e pouparmos. Motivos de sobra porque aquele edifício deve ficar intacto e respeitado para o fim grandioso e belo a que os seus fundadores o destinaram. E contra razões desta ordem elevada não podem os vândalos da Granja argumentar senão com subterfúgios e tolices. (...)

Após esta primeira expressão da sua opinião, após esta primeira expressão de descontentamento e apresentação da opinião de que o edifício se deve manter ligado ao ensino, funções para que foi efectivamente criado, Homem Cristo apresenta as razões invocadas por alguns para a alteração das suas funções e contrapõe com vários argumentos, por vezes numa linguagem um pouco vigorosa, para não dizermos mesmo acintosa, explicando as razões pelas quais o edifício deverá continuar ligado ao ensino. Como prova dessa linguagem um tanto violenta, comprovativa dos sentimentos de quem a empregou, leia-se o excerto que passamos a transcrever do final da segunda coluna:

«Estúpidos uns, ignorantes outros, sem a larga educação do belo, não vêem nem reparam nestas coisas. E erguidos de pobres lavradores analfabetos a vereadores municipais, da trica eleitoral a governadores civis, associados a alguns outros que, embora inteligentes, não têm educação científica nem estética, vão inconscientemente arrasando tudo, construindo tolamente e danificando ou perdendo as ideias aproveitáveis que os outros lhes deixaram. É uma verdadeira praga.»

E o primeiro artigo termina mantendo a mesma linguagem violenta, recordando que quem fez o liceu e o projectou sabia bem o que fazia, que o fez como uma casa completa, pelo que, o seu artigo terá de continuar no próximo número, pois tem «umas verdades duras a dizer». Mas, melhor do que o nosso comentário, será a transcrição dessas últimas linhas:

«...Quem fez o liceu, quem o projectou, quem o aprovou, fê-lo com as proporções de uma casa de ensino completa. (...) Sabia o que fazia. Vir agora meia dúzia de ignorantes com outra meia dúzia de estúpidos proclamar que o liceu é grande para o fim que se propõe, que é necessário reduzi-lo, que convém escangalhá-lo, lembra realmente o borrador de tintas a pintar quadros.

Terminaremos no próximo número, que temos umas verdades duras a dizer, já que tantas alarvices vão irritando todos os homens que pensam e que têm amor a mais alguma coisa, que não seja a sua barriga e os seus interesses pessoais.»

Apesar de Homem Cristo ter dito que terminaria o seu artigo no domingo seguinte, a verdade é que, ao consultarmos a sua continuação, no número 303, de 4 de Dezembro de 1887, verificamos que a sua indignação está ao rubro, perante as informações que entretanto lhe foram fornecidas. Contrariamente à época actual, em que muitas vozes se ergueram contra a desactivação da Escola, secundadas por todo o actual corpo docente, parece que, naquela altura, perante o pasmo de Homem Cristo, o corpo docente não reagia negativamente à mudança, merecendo do articulista fortes palavras de censura. Ouçamo-las. Ficaremos com uma ideia da personalidade de Homem Cristo. Ficaremos a ver que ele não fazia a mais pequena cerimónia em criticar fosse quem fosse, passando um rótulo de «bárbaros» ao corpo docente dessa época:

«Disseram-nos, depois do nosso último artigo, que o corpo docente do liceu, ouvido sobre o monstruoso projecto progressista, acordara em sentido favorável.

É pasmoso! É incrível! Aquilo não são homens por quem tenha passado um raio ténue de civilização. Aquilo são bárbaros!

Bem diz o Zé da Caetana, que há sertões virgens em Aveiro piores que os sertões do Serpa Pinto. Mas o que o Zé da Caetana ainda não nos tinha revelado, é que os indígenas do sertão das pescadeiras são professores do liceu nacional! Pois fique-o sabendo; aí tem a glosa, moteje-os agora no seu latim espirituoso.»

E, durante quase duas colunas, seguem-se palavras de indignação de Homem Cristo pela posição assumida pelo corpo docente daquela altura, considerando-o como constituído não por homens de cultura, mas por bárbaros, se não vierem à praça pública desmentir o boato que pesa sobre eles: «Repetimos: - Aquilo não são homens; aquilo são bárbaros, se não vêm a público, para lustre e honra sua, desmentir este boato vergonhoso.(...)». E, um pouco mais a frente, considera uma autêntica selvajaria o que se está a passar relativamente ao liceu: «É inacreditável, porque é monstruoso, porque é selvagem o que se está passando a propósito do liceu e dos pretextos que se invocam para tamanha monstruosidade e selvajaria tão nefasta...»

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