Mea Culpa
No
meu último número saiu um erro grave de informação. Passou
despercebido, senão à totalidade dos meus leitores, pelo menos
à quase totalidade e, inclusive, a quem me redigiu e o colocou
na minha primeira página. Felizmente que, mais tarde, o seu
redactor releu cuidadosa e reflectidamente as minhas páginas,
tendo-se dado conta do erro cometido.
Falsidade
e erro são muito afastados da minha vontade. E se, por ventura,
alguma coisa sair menos fora da verdade, saibam os meus leitores
que isso ocorrerá muito contra os meus desejos. Quero nas
minhas folhas apenas a verdade, a informação útil, um pouco
de cultura, a produção escrita daqueles que vivem e se formam
dentro das mesmas paredes em que nasci, e momentos de agradável
leitura na companhia de todos vós.
Mas...
estou-me desviando dos objectivos iniciais que me levaram a
apresentar-vos estas linhas. E tu, querido leitor, começas já
a impacientar-te e a perguntar-te o que te quererá este jornal,
tanto mais que a tua curiosidade vai aumentando e a tua paciência
diminuindo, pois nunca mais vês o erro corrigido. É que...
custa um pouco aceitar a realidade de que somos falíveis e que
podemos cometer erros! É por isso que te estou a demorar um
pouco.
Mas
a verdade, ainda que por vezes nos custe a aceitar, tal como o
azeite, deve vir sempre ao de cima. A verdade e a honestidade!
Dois valores importantíssimos e por vezes tão esquecidos!
Vamos lá esclarecer a verdade.
Pois
é, na primeira página do meu número anterior saiu
involuntariamente um erro de informação. Como título, em
letras bem gordas, um dos meus redactores escreveu «Querem
fazer à nossa Escola o que em tempos quiseram fazer à estátua
de José Estêvão.»
Caro
leitor, se leste com atenção o artigo «Breve notícia histórica
do Liceu», pudeste verificar que a frase anterior não
corresponde ao conteúdo da notícia histórica. A propósito,
leste mesmo com atenção esse artigo? Se não leste, terei
agora o cuidado de to fazer ler ou, pelo menos, de te fazer
recordar parte desse artigo. Se tens o número anterior à mão,
relê atentamente a segunda coluna da página dois. Diz-se aí
que «entretanto, quando se ultimavam os trabalhos da estátua,
uma polémica surge por tentativa de nova mudança das instalações
do Liceu...» Da leitura deste parágrafo, que aqui não vale a
pena transcrever na íntegra, que podes concluir? Certamente que
estarás já a ver o erro cometido. A frase da primeira página
deveria ter sido, para estar conforme à verdade: «Querem uma
vez mais fazer à nossa escola o que já em tempos lhe quiseram
fazer». Significa isto, portanto, que, em finais do século
XIX, quiseram desviar o edifício do Liceu para funções
diferentes daquelas para que foi efectivamente edificado.
Significa isto, pois, que a tentativa de desactivação da nossa
Escola já não é novidade. Somente, naquela época, os brios
do povo aveirense não permitiram que se fizesse um atentado ao
património cultural da nossa cidade. Souberam respeitar a memória
do ilustre criador da nossa Escola: José Estêvão.
Já
agora, que voltámos uma vez mais a falar do problema vivido
pela nossa escola, vou tomar a liberdade de abusar talvez um
pouco da tua paciência. Vou-te mostrar, caro leitor, e espero
que me perdoes se te tomo um pouco mais do teu precioso tempo,
até que ponto os aveirenses reagiram à ideia da mudança do
liceu do local onde agora se encontra e onde, a nosso ver, deverá
continuar a honrar o fim para que foi construído.
Se
alguma vez tiveres a oportunidade de consultar o Livro
Comemorativo do 1º Centenário, organizado em 1951 por José
Pereira Tavares, além de muitas informações históricas, verás
como o nosso actual patrono, Homem Cristo, no jornal Povo de
Aveiro, reagiu à ideia de mudança. Em 27 de Novembro de
1887, no número 312, 1ª série, escrevia ele (e passo a citar
os excertos, retirados da página 23 do livro atrás citado): «—
O Liceu está perfeitamente no sítio em que se
encontra. Representa um melhoramento de primeira ordem. É
um documento vivo e permanente do maior patriota que tivemos. É
uma tradição gloriosa que será mais do que um erro, porque
será um crime, não acatarmos e pouparmos. Motivos de sobra
para que aquele edifício fique para o fim, grandioso e belo, a
que os seus fundadores o destinaram.»
E,
durante três meses, o nosso patrono, Homem Cristo, em cada número
do jornal, publicou um artigo sobre o assunto.
Também
a Comissão da Estátua de José Estêvão, que hoje todos nós
podemos admirar ao lado da nossa escola e de braço bem erguido
para a Senhora Câmara, quem sabe se não a admoestar aqueles
que lá vão ditando os destinos da nossa cidade para que não
sejam injustos e respeitem a sua memória, também essa Comissão,
dizíamos, tomou posição face ao problema do Liceu. E, em 18
de Dezembro de 1887, clamava energicamente, fazendo ouvir o seu
protesto. Seria interessante também aqui transcrever esse
protesto, protesto bem longo e carregado de razão. Talvez que
as suas palavras chegassem aos que agora governam os nossos
destinos e se fizessem ouvir melhor que estas que agora te estou
a fazer ler. Mas a sua extensão tornaria o meu MEA CULPA
demasiado pesado. Por isso, caro leitor, terás de te contentar,
aliás, teremos todos nós de nos contentarmos apenas com um
pequeníssimo excerto dessas vigorosas palavras. Por ele poderás
já fazer uma pequena ideia do quão grande será a ofensa que
hoje querem retomar. Vamos então ao pequeno excerto. Por ele
poderás ficar com uma ideia de todo o conteúdo: «...os abaixo
assinados [o português vai actualizado, tal como já fizemos
para a transcrição anterior], membros da Comissão que promove
os meios de elevar nesta cidade uma estátua em mármore do
grande orador português José Estêvão de Magalhães, vem
perante V. Exª representar contra a resolução de
se tirar o liceu do majestoso edifício em que está
funcionando. Como V. Exª sabe tão bem como nós, o liceu
actual é um título de gratidão que possui a cidade de Aveiro
para com o seu filho dilecto e querido. Ninguém ignora a dedicação
que teve José Estêvão por aquele edifício e por aquela
instituição e o amor que toda a vida lhe votou. Ir-se
desviar hoje do seu primitivo destino, é matar as tradições
gloriosas que lhe andam ligadas, é renegar o legado do mais puro
e abençoado espírito que surgiu nesta terra, é desrespeitar
uma casa, que já é um monumento, e praticar por
consequência um vandalismo e uma profanação, que ao
espírito ilustrado e patriótico de V. Exª há-de repugnar
primeiro do que nenhum outro. »
O
V. Exª da transcrição dizia respeito ao Presidente da Comissão
Executiva da Junta Geral do Distrito daquela época. Mas,
saltando do passado pare os nossos dias, poderá bem dirigir-se
a todas as Excelências que hoje têm a maior responsabilidade
nos destinos da nossa terra e do nosso País.
Esperemos
que os descendentes dessa geração, ou seja, todos nós que
agora aqui nos encontramos, saibamos uma vez mais fazer jus ao
patriotismo de um homem e ao patriotismo dos vivos, não
permitindo que o edifício da nossa Escola seja desvirtuado nas
suas funções. E tão pouco que o Ministério se lembre de lhe
dar outra função, que não seja a de continuar a ser o local
para formação dos nossos filhos.
E
aqui fica a correcção do erro cometido, esperando que a boa
compreensão de todos vós me saiba desculpar. Já agora, saibam
que quem me redigiu foi o mesmo que cometeu o erro. Espero,
pois, que também o saibam desculpar.
(Pelo jornal A
FOLHA, Henrique J. C. de Oliveira)
O JORNAL “MOLICEIRO”E
A SECUNDÁRIA HOMEM CRISTO
No número 38 do jornal da Escola Preparatória João Afonso de
Aveiro, O MOLICEIRO de Janeiro de 1992 dedicou o seu editorial
à desactivação da Secundária Homem Cristo, formulando um
conjunto de questões e terminando com um apelo, que
transcrevemos: «Escolas (Órgãos de Gestão, Professores,
Funcionários, Alunos) e Associação de Pais, dêem as mãos.
Todos juntos deveremos exigir ser ouvidos e participar na definição
do futuro da rede escolar do nosso concelho».
POSIÇÃO DA SECª DE ESGUEIRA
A Escola Secundária de Esgueira, em reunião do Conselho Pedagógico
de 22 de Janeiro de 1992, tomou posição relativamente à
desactivação da Secundária Homem Cristo, tendo-nos feito
chegar o ofício que passamos a transcrever:
«O Conselho Pedagógico, reunido em 22 de Janeiro de 1992, decidiu
por unanimidade enviar à Escola Secundária Homem Cristo o
seguinte documento:
Considerando que não precedeu à assinatura do referido acordo um
diálogo esclarecedor, dando voz àqueles que, durante muitos
anos, têm desempenhado papel técnico-pedagógico de relevo:
O Conselho Pedagógico desta Escola, reunido a 22 de Janeiro de
1992, exprime a sua solidariedade para com toda a Escola Secundária
Homem Cristo e a sua indignação para com os órgãos que
ratificaram o acordo, pela atitude de prepotência que o mesmo
envolveu.»
O ofício termina com os cumprimentos e a assinatura da Presidente do
Conselho Directivo da Escola Secundária de Esgueira.
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