Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

GLOSSÁRIO REGIONAL E ALGUMAS PALAVRAS ALTERADAS

– A –

ABECA f. – Peça do arado. É uma travessa de madeira existente de cada lado do dente destinada a atirar a terra revolvida para os lados.

ABROCHAS f. – Correias da canga para prender os animais.

ACABEDAR-SE v. – Acautelar-se.

ADOBAS f. – O mesmo que adobes, material de construção.

ADUBE m. – O mesmo que adubo

ALAMITE f. – O mesmo que dinamite.

ALCATRUZ m. – Palavra de origem árabe, composta a partir do grego: al-kádos ár. alkadus. Os alcatruzes são pequenos baldes cilíndricos existentes no engenho, para tirar a água dos poços.

ALJEIROZAS m. – O mm que algerozes, palavra de origem árabe, cujo étimo é azzurúb. Designa normalmente a parte do telhado vulgarmente chamada caleira. Na região, é usada para indicar os espaços entre cada viga que sustenta o telhado, na parte superior da parede.

AMADURAR v. – O mesmo que amadurecer. Formado possivelmente por analogia com os verbos da primeira conjugação.

AMIUL m. – Peça central da roda de cambas. 

APIAÇAS f. − Correias da canga para prenderem o animal.

ÀPO m. − Proveniente do grego ápous, designa a haste do arado onde são atrelados os bois.

ARCHETE m. − Arco de volta inteira de uma porta, feito geralmente de adobes.

ARCO-CELESTE m. – O mesmo que arco-íris.

ARRABIÇA f. – Palavra formada pela aglutinação do artigo a com o substantivo rabiça; a arrabiça é a parte superior do arado.

ATÃO adv. – Forma popular de então.

ATIRÓ m. – Peça de madeira que liga o dente ao apo, dando maior segurança ao arado.

AUGA f. – Forma popular de água, devida a um fenómeno de supressão do G intervocálico.

AXINHO m. – Forma diminutiva de axe, própria da linguagem infantil. Designa uma pequena ferida.

AZUBIAR v. – O mesmo que assobiar.

– B –

BANDEIRA f. – Parte superior do milho, que consiste numa inflorescência, com um cacho composto, apresentando a forma de uma pirâmide.

BARROTAS f. – O mesmo que barrotes, traves que sustentam o telhado de uma casa.

BELANÉU m. – O mesmo que bolina, na linguagem náutica. Consiste numa corda que segura a parte superior da vela à proa do moliceiro.

BELIAR v. – Também correntemente com a forma veliar, é o mesmo que bolinar. Consiste em navegar contra o vento sendo por ele impelido.

BENDABAL m. – O mesmo que vendaval.

BENTO m. – O mesmo que vento

BIANDA f. – Palavra possivelmente com base no francês viande, designa a parte interior comestível dos moluscos.

BICA f. – Ponta superior da proa de um moliceiro; nome dado à caruma.

BIRGAGÃO m. – O mesmo que berbigão.

BOÇO m. – Cão grande.

BOTAR v. – Pôr, deitar.

BRAZEDEIRA f. – Conjunto das brasas, por exemplo, numa lareira.

BROA f. – Corcunda, em linguagem figurada; pão de farinha de milho.

BUA f. – Água (linguagem infantil).

BUCHOS m. – Arcos de ferro existentes na parte central da roda de cambas.

BUÇO n. − Diminutivo de boço, significa cãozinho.

– C –

CABAÇO m. − Balde cilíndrico de folha, atravessado por um cabo, para limpeza das fossas.

CABANAL m. – Espécie de cabana, junto das eiras, feita de canas secas de milho, para alimentação do gado.

CABEÇALHO m. − Haste de madeira do carro de bois à qual são atrelados os bois.

CADEIAS f. − Travessas interiores que suportam o solho do carro de bois.

CAGARÊTE m. − Banco da ré do moliceiro ou do mercantel. Deve ter a sua origem na palavra popular cagueiro.

CALCADEIRA f. − Nome dado a uma corda que segura a vela à toste, nos barcos moliceiros e mercantéis.

CAMBÃO m. − Haste do engenho que faz mover a roda do boi e à qual são atrelados os animais.

CAMBAS f. − Tipo de roda do carro de bois. O nome provém-lhe dos dois arcos laterais que constituem a roda e que se chamam cambas. Esta palavra tem o seu étimo na forma céltica camb.

CAMBRA f. – Deturpação da palavra câmara, devido a uma nasalação de tipo espontâneo muito frequente na linguagem do povo.

CANEJA f. − Nome possivelmente de influência castelhana, assenta na forma latina CANICULA(M). Designa o lugar por onde corre a água para os campos ou, ainda, a linha de encontro de dois telhados, for onde escorrem as águas das chuvas.

CANEZIL m. − Hastes de madeira existentes nas cangas, entre as quais os animais ficam seguros.

CAPOULHA f. − Camisa que envolve a espiga de milho.

CARAMÊLO m. − Pedaço de água gelada de uma poça.

CARAPITA f. − Parte superior da cana do milho (vd. bandeira).

CARNEIRO m. − Salta-carneiro. Nome de um jogo de rapazes.

CARRADA f. − Grande quantidade de determinados objectos; monte.

CATULO m. − Cocuruto da cabeça.

CERCA f. − Lugar onde ficam os porcos.

CHABELHA f. − O mesmo que chavelha, haste de madeira existente no cabeçalho para impedir que o cabeçalho saia do tamoeiro.

CHAMUNEI f. − O mesmo que chaminé.

CHAPAR v. − Cair, estatelar-se; deitar por terra.

CHEDAS f. − Parte lateral do carro de bois, onde existem os buracos para os fueiros.

CHÊSCAS f. − Travessas internas de uma porta para a reforçar.

CHUDEIRO m. − Parte superior do carro de bois, na qual são colocados os objectos.

CHUMBADOIRO m. − Lugar onde ficam presas com chumbo as dobradiças das portas.

COCÕES m. − Peças de madeira entre as quais gira o eixo do carro de bois.

CORRENTE f. v. - Corredio, isto é, que ficou pesado e fez mudar a posição da balança.

COFINHO m. − Rede que se põe no focinho do boi para o impedir de pastar.

COLHUREIRO m. − O mesmo que colhereiro, utensílio para pôr colheres.

COTO m. − Maneta.

CUMPRAR v. − O mesmo que comprar.

CUTANO m. − O mesmo que tutano.

− D –

DENTE m. − Peça do arado que assenta no leito do sulco aberto pelo ferro.

DESBULHADEIRA f. − O mesmo que debulhadora, máquina de debulhar cereais.

DESOVAR v. − Cair, sair.

− E –

ENCINHO m. − O mesmo que ancinho .

ENGACETA f. − Instrumento de uso agrícola.

ENGAÇO m. − Instrumento de uso agrícola.

ENROLHAR v. − O mesmo que enrolar.

ENXALAVAR m. − Saco com a forma de um coador de café feito de rede, com um arco de ferro na boca, usado para o transporte de peixe.

ESBULHAR v. − O mesmo que debulhar, descascar.

ESBULHADElRA f. − O mesmo que debulhadora, máquina de debulhar cereais.

ESCALUFATE m. – Homem que amanha o barco.

ESCASSO m. − Esterco para a terra, estrume.

ESCUADOIRO m. – O mesmo que vertedoiro, utensílio para escorrer a água, muito usado nas salinas.

ESCCOTA f. − Corda que segura a vela do moliceiro e que serve para lhe dar orientação.

ESCUPEIRO m. − Espécie de pincel feito de pele de carneiro enrolada e pregada num pau, para alcatroar os barcos.

ESMANTAR v. − Tirar a manta; tirar as folhas que envolvem a espiga do milho.

ESPIRITO m. − Peça de madeira do malho.

ESQUERDO adj. − Canhoto.

ESTERCO m. − Estrurne.

ESTORÇÃO m. − Nome dado na região ao terçol.

− F –

FALCA f. − Longa tábua que se coloca no bordo dos moliceiros para o aItear e impedir a entrada da água, quando muito carregados.

FARRAGOLAS f. – Nome dado às faúlhas.

FARTADA f. − Corresponde a pançada. Agarrar uma fartada − comer até não mais poder, tirar a barriga de misérias.

FISGA f. − Espécie de arpão com vários dentes, para pescar.

FUGUEIRO m. – O mesmo que fueiro, estaca para amparar a carga transportada no carro de bois.

− G –

GABELA f. − Palavra de origem árabe, cujo étimo é kabãla, designa um molho de canas de milho. O conjunto de duas ou mais gabelas faz um feixe. Há, portanto, uma gradação crescente de sentido entre gabela e feixe; gabela é um pequeno grupo de objectos idênticos, enquanto feixe designa já um grupo maior.

GADANHA f. − Foice de cabo comprido para cortar erva. É curioso notar que o mesmo termo, noutras regiões, sobretudo na Beira Alta, é aplicado para designar uma colher grande de tirar a sopa.

GADANHR v. − Cortar erva com a gadanha.

GARRIDAS f. − Apoios de ferro que assentam directamente sobre o eixo do carro.

GARROA f. − Chuva, aguaceiro

GARRUÍTA f. − Diminutivo de garroa.

GASTALHO m. − Parte imediatamente inferior às chedas do carro de bois.

− H −

HARMÓNICA f. − Instrumento musical, com teclas e um fole. Palavra eventualmente utilizada por confusão com harmónio, porque esta palavra designa normalmente um instrumento musical de sopro com palhetas.

HOME m. − O mesmo que homem, mediante apócope do M final.

− I –

IMBERGUE m. − Vara de madeira que suporta a vela.

INGUIA f. − O mesmo que enguia.

INLETRU adj. − O mesmo que eléctrico.

INSPIRAÇÃO f. − Com o sentido de respiração. Falta de inspiração = falta de ar.

INTIGAMENTE adv. – O mesmo que antigamente. Forma em que se deu um fenómeno de metafonia, passando a vogal inicial a− a outra mais fechada, por influência da vogal seguinte.

− J –

JORNALEIROS m. − Trabalhadores rurais.

− L –

LABERCA f. − Nome de pássaro; Levantar-se com a laberca ou ao cantar da laberca = levantar-se muito cedo.

LONAS f. − O mesmo que tiras, bocados de pano de saco que se colocam entre o bordo e a falcas para impedir a entrada da água no barco.

− M –

MACHO adj. − Pão-macho − nome genérico dado aos cereais.

MÃOZINIIAS f. − Duas pequenas peças de madeira existentes na proa dos moliceiros e mercantéis para segurar as cordas.

MARCO m. − Nome dado ao nariz.

MARREIRO adj. − Vento que sopra do lado do mar.

MARGAÇA f. − Nome de uma pequena flor, semelhante aos malmequeres, muito abundante nos campos.

MARMELAS f. − Parte lateral anterior do carro de bois.

MARQUÊS m. − Medida de 1/4 de litro.

MELHORADAS f. − Doces próprios do Natal.

MERCANTEL m. − Tipo de barco da região de Aveiro, também chamado salineiro. Mercantel para mercadorias e salineiro para sal. Caracteriza-se pelo seu bordo mais alto que o do moliceiro, não tendo a proa recurvada nem tão pouco bica, nem as decorações típicas da proa e da ré.

MISERABLE adj. − O mesmo que miserável. Tem o sentido de avarento.

MOCHO m. − Banco com três pés.

MOIRA f. − Cabo do malho.

MOLICEIRO m. − Barco típico da região de Aveiro, cuja principal finalidade é a de transportar moliço. Caracteriza-se pelo seu bordo baixo e alongado, fundo chato e proa alta e recurvada, com uma peça de madeira na extremidade chamada bica, e com decorações típicas na proa e na ré.

MURRACElRA f. − Nome dado a certo lugar da Gafanha.

− N –

NABALHA f. - Nome de uma variedade de marisco, de concha esguia e com uns dez centímetros de comprimento.

− O –

OPOIS adv. − O mesmo que depois.

ÓRGÃOS m. − Nome dado às gaitas de beiço, em vez de harmónica.

− P −

PADIAL m. − Parte superior da soleira da porta, oposta ao degrau de entrada.

PALMA f. − Rede para apanhar vivos os pássaros.

PANDÕES m. − Parte superior da cana do milho (vd. bandeira).

PÃO MACHO m. − Nome genérico dado aos cereais.

PARCEIROS m. − Nome dado ao presumível parentesco entre os pais de um casal.

PATINHA adj. − Nome dado a uma erva muito abundante nos poços e nos charcos, utilizada para alimentar os patos.

PEDIDELA f. − Costume pelo qual os pais de um rapaz vão pedir aos futuros parceiros a filha em casamento.

PEDRÊS m. − Dobradiça de uma porta.

PEINEIRO m. − Estrado existente nas extremidades do moliceiro e mercantel.

PERCEBER v. − Sentir, aperceber-se.

PESTANAS f. – Extremidades da canga voltadas para cima, fazendo lembrar as pestanas de um animal.

PIRÂNGULAS f. − Pirâmides existentes nos vértices dos telhados.

PITURIL m. − O mesmo que peitoril.

PRANTAR-SE v. − Colocar-se; pôr-se.

− Q −

-QUEDAR v. − Ficar.

− R –

RABEIRO m. − Resto.

RANCHO m. - Grupo (de rapazes ou raparigas).

RASINA f. − O mesmo que resina.

RASTO m. − Aro de ferro que envolve as rodas para impedir o desgaste.

REBATE m. − Degrau de uma porta de entrada.

RELHAS f. − Hastes internas que dão maior segurança à roda de cambas.

RIBA adv. – Cima; por cima. Pôr por riba = pôr por cima.

RIPAS f. − Travessas que sustentam as telhas.

RODEIRO m. − Conjunto das rodas e respectivo eixo.

RODO m. − Utensílio para retirar as cinzas do forno.

ROLOAR v. − Possivelmente o mesmo que rolar. Consiste em fazer andar as brasas de um para o outro lado, para aquecer o forno de maneira uniforme.

ROLOEIRO m. − Vara de madeira que serve para «roloar».

− S −

SARRAR v. − O mesmo que cerrar.

SARRANO adj. − O mesmo que serrano. Vento que sopra do lado da serra.

SARRUSCADELA f. – Corte; golpe.

SIGURAR v. − O mesmo que segurar.

SIGUREZA f. − Forma analógica correspondente a segurança.

SOLHO m. − O mesmo que soalho, parte superior do carro de bois, onde se colocam os objectos a transportar.

− T –

TAMBULARÃO m. − Nome dado ao baloiço.

TAMOEIRO m. − Peça de couro que segura o cabeçalho do carro à canga.

TENDAL m. − Lugar onde o milho cresce e o deixam, depois de cortado, a secar.

TIRABIRA f. − Corda do leme.

TIRAS f. − Também conhecidas por lonas, são pedaços de pano de saco que se colocam entre o bordo e a falca para a água não entrar no barco.

TORNO m. − Cavilha de ferro que impede que a roda salte do eixo; pega de madeira existente a meia altura do cabo da gadanha.

TOSTE f. − Prancha central onde, no buraco da toste, entra o mastro.

TRABAS f. − O mesmo que traves.

TRABALHAR v. − Estragar, comer.

TRAMELA f. − O mesmo que taramela, fecho tosco de uma porta feito geralmente de madeira.

TROÇO m. − Cana do milho sem espiga.

TROCHA f. − Argola que segura o imbergue ao mastro.

− U −

URRACA f. − O mesmo que trocha, argola que segura o imbergue ao mastro.

USTAGA f. − Corda para içar a vela.

− V –

VERTEDOIRO m. − O mesmo que escoadoiro, utensílio para escorrer água, muito usado nas salinas.

− Z –

ZELINCÚ m. − Nome dado na região ao pirilampo.

 

 

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