Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

DEVOCIONÁRIO

Nesta oração, a que não demos qualquer título, limitando-nos a indicar em sua substituição o primeiro verso, encontramos descrita, de maneira bastante sucinta, em 104 versos, toda a vida de Cristo, desde o nascimento até à morte e descida da cruz. Embora com algumas deturpações e uma ou outra palavra alterada (para não dizermos estropiada), nem por isso fica diminuído o seu interesse.

NASCEU CRISTO EM BELÉM

 





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Nasceu Cristo em Belém,
Numa pobre alpendurada.
Viu-se a Virgem amagoada
por não ter ninguém ao pé.
Sozinha mais S. José,
escondidinha se ali viu.
Logo ali acudiu.
um preto e uma cigana.
Jesus, neto de Ana,
que o vinham visitar,
deram os céus abaixar
e a coroa o resplendor.
Aí vêm os três pastores
adorar a Jasus Cristo.
Já lhe vinham oferecendo
suas fazendas e bens,
e os três reis a adorá-lo.
Logo ao cantar do galo,
ali é que o mundo viu
nosso Rei universal.
Céu e terra e mar,
tudo ali ajoelhou.
Só ficou a Virgem pura
por ter a salvação sigura
Só com este nascimento.
Não há outro sacramento,
agora é que principia.
Foi o Filho de Maria,
que ainda hoje aqui nasceu
por obra do Esp’rito Santo.
Já o seu poder é tanto,
que goberna o mundo inteiro.
Por Jesus Cristo
verdadeiro se chama.
É a Fé que nos derrama,
é o povo da Palestina,
é a hóstia divina consagrada.
Foi de Jacob a escada
por onde um anjo do céu foi
resgatar o mundo do pecado,
onde ele foi baptizado,
lá nas águas do Jordão,
pelo seu primo João.
Salvação, Graça e Fé,
já todo o mundo está cheio
para que nos sirva de recreio.
Rezemos, as almas puras,
cumprindo as escrituras,
Os tormentos que Deus passou
e a gente que se sustentou
com cinco pães e dois peixes.
É para que te não queixes
que não soube repartir.
Eram mais de cinco mil
e ainda sobejou comida.
É porque foi o autor da vida
que fabricou os banquetes.
São os doze ramalhetes
e o sermão de lava-pés
e os mandamentos são dez.
Judas a Cristo vendeu,
vendeu por trinta dinheiros.
Falso e traidor,
dar o Senhor à prisão!
Por um ósculo de paz
foi remetido a Anás,
de Anás a Caifás.
Era o ódio tão aceso,
Qu’até rangiam os dentes;
nem amigo nem parentes
o podiam consentir.
Foi o filho do homem vivo
que se obrigou a padecer.
Começou o sangue a correr,
por cada rua há um rio.
Disse Pilatos p'ra Cristo:
−Ó mundo, que não tem visto!
O nosso manso cordeiro, 
amarrado ao madeiro da cruz!
Até o sol perdeu a luz,
também a claridade!
Simão, de Boa Vontade,
lhe ajudou a levar a cruz
até ao Monte do Calvário,
que vos peço que sejam amigos do Rosário.
Hão-de encontrar um homem,
que lhe deram uma lança.
Quem é cego não alcança
o peito de quem feriu.
Do mesmo peito saiu
o sangue da virgindade;
ficou cego com a claridade
da sagrada eucariustia.
Para melhor desengano
lhe ficaram as covas abertas,
e bêm os três profetas
p'ra despegar o Senhor,
p'ro ir sepultar
numa sepultura nova.
Ali vai aquele corpo
Santo, sagrado, à cova,
acompanhado pelas três pessoas
da Santíssima Trindade,
qu' é Pai, Filho e Espírito Santo.

 

 

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