Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

A COZINHA

 Porque a «sala do Senhor», os quartos de dormir e a sala de jantar me pareceram não oferecer interesse de maior do ponto de vista linguístico, será essencialmente sobre a cozinha e os objectos que aí encontrei que irá incidir a nossa atenção.

Um dos utensílios em que primeiro reparei foi o que se encontrava numa das paredes. Admirado e, ao mesmo tempo intrigado, porque nunca tinha visto semelhante engenhoca nem tão pouco conseguia descobrir a sua utilidade, perguntei à mulher do Ti Melro o que era e para que servia. Disse-me ser um «culhureiro» (‘colhereiro’ < colher+eiro) e servir para pôr as colheres. Vendo-me, possivelmente, um pouco incrédulo, tratou de me demonstrar a sua utilidade, aí introduzindo algumas colheres e garfos (Figura 26).

Fig. 26 - Colhereiro
   

Na lareira, sobre o borralho e em frente ao forno, encontrava-se uma trempe de ferro, como a representada na figura 27, que ela disse servir para colocar as panelas. Vendo-a tão pronta a elucidar-me sobre todos os objectos que estavam na cozinha, perguntei-lhe se não costumavam usar panelas de ferro. Disse-me possuir uma, que me mostrou, mas que era unicamente para derreter o breu para calafetar o barco, confirmando-me os elementos que obtivera numa conversa com o Ti Melro acerca dos moliceiros.

Fig. 27 - Trempe de ferro para colocar as panelas a aquecer na lareira

Embora usando já fogão a gás, perguntei-lhe se ainda utilizavam muito o forno. Disse-me que raramente se servia dele, mas que, outrora, era nele que coziam o pão que comiam. Assim sendo, procurei saber quais as fases da sua fabricação e os utensílios usados.

Uma vez peneirada a farinha, fazem a massa numa escudela. Para o fermento, possuem uma «malguinha». Preparada e levedada a massa, dão-lhe a forma com que costumam fazer o pão.

     
  Fig. 28 - Rodo para retirar as brasas do forno.   Fig. 29 - Escudela para colocar o pão no forno.  

Para aquecer o forno, metem-lhe bastante lenha, que arde até ficar reduzida a brasas. Estas são «ruluadas» (‘roladas’) de um para o outro lado com a ajuda de um «rulueiro», longa vara de madeira unicamente para mexer as brasas. Aquecido o forno, retiram-lhe o brasido com a ajuda do rodo (fig. 28) e limpam-no cuidadosamente com uma pequena vassoura, «a vassoirinha p’ràlimpar o forno» depois de retirada a «brazedeira maior». A massa é metida com a ajuda de uma escudela presa na extremidade de uma vara (fig. 29) ou por meio de uma simples pá circular de madeira (fig. 30), usada sobretudo para o pão de milho, conhecido em algumas regiões por broa. Depois de cozido, é retirado com o auxílio de outra pá, esta metálica e bastante delgada (fig. 31).

     
  Fig. 30 - Pá para colocar o pão no forno.   Fig. 31 - Pá para retirar o pão do forno.  

Sobre a lareira existe um vão para facilitar a saída das faúlhas («farragolas») para a chaminé («chamenei»). Num aparador encontravam-se algumas canecas de barro, que me foram indicadas pela designação de "canecas de pedra".

Ainda referente ao capítulo a que temos estado a dedicar algumas palavras, procurei saber, com a ajuda do meu informador, os nomes das diferentes partes de que se compõem uma porta e uma janela. Sobre a última, não encontrei nada digno de menção, a não ser o facto de ter chamado «pituril» ao peitoril. O mesmo já não posso dizer sobre a porta, de que recolhi alguns nomes. Girando nos "pedreses", nome dado às dobradiças (fig. 32), presos à ombreira (fig. 33, nº 2) pelos "chumbadoiros", as portas, fechadas, quer por uma fechadura, quer por uma tramela (1), são formadas por tábuas colocadas lado a lado verticalmente e reforçadas, pelo interior, pelas «chescas» (5). Ao degrau de entrada é dado o nome de «rebate» (3), ficando-lhe, por cima, o «padiale» (4).

   
 

Fig. 33 - Porta vista por fora e por dentro. Clicar para ver as legendas.

 

Outros nomes que recolhi sobre materiais empregados na construção são as «ripas» e as "trabas" ou "barrotas", para designar as traves e travessas que sustentam o telhado, os «aljeirózas», para designar os espaços entre cada barrote, a «caneija», para o ponto de encontro entre dois telhados, por onde corre a água das chuvas, e as «pirângulas», nome dado às pequenas pirâmides de barro com que terminam os vértices do telhado.

 

 

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