Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

VIDA AGRÍCOLA DA REGIÃO

Neste capitulo, iremos tratar não só dos principais produtos da terra − batata e milho −, como ainda dos diferentes instrumentos de trabalho relacionados, em maior ou menor escala, com a agricultura. Também porque muitos elementos foram recolhidos com a ajuda do meu informador, para tornar menos monótono o desenvolvimento desta matéria e, ao mesmo tempo, fornecer alguns dados de interesse linguístico, procurarei dar-lhe uma forma dialogada, transcrevendo grande número de respostas obtidas em longas conversas com o meu informador que, graças à sua paciência, consegui registar. Como a recolha total e ipsis verbis de tudo me era impossível (para isso o ideal seria a utilização de um gravador), vi-me obrigado a pedir-lhe que repetisse muitas das suas frases. Bastantes vezes vinham diferentes, o que me obrigava a ter de transcrever por mim mesmo a ideia por ele expressa. Por isso, terei de introduzir, em certos passos, palavras minhas na sua fala, que irão bem destacadas e entre parênteses, distinguindo-as assim das que pertencem efectivamente ao meu informador. Creio, por este meio, poder dar um pequeno aspecto do que foi o meu inquérito e fornecer alguns elementos da própria fala local que, doutro modo, ficariam lamentavelmente perdidos.

As culturas mais importantes da região são, essencialmente, a da batata e do milho, tendo ainda havido, em tempos, a da cevada. Há dois ou três anos, foi muito cultivado o amendoim, que, tal como a batata, se produzia em grande quantidade. Simplesmente, o seu gosto um pouco diferente do normal e, por isso, desagradável − segundo uns, sabia a escasso − fez com que a sua cultura tivesse diminuído consideravelmente.

− Quando é que se semeia o milho e quais os cuidados que é preciso ter com ele? − perguntei ao Ti Melro.

− O milho, home, semeia-se à volta de treze ou quinze de Março. Depois do milho estar de palmo, é mondado e sachado. Depois de já estar a querer butar a bandeira, bota-lhe a gente adube e rega, para ele criar espiga. Tem de se partir depois a bandeira para o milho não ficar tão alto e o bento não balançar tanto com ele.

− Um momento, Ti Melro, há bocadinho, falou em bandeira. O que é isso?

− A bandeira, home, é a cana do milho.

− O Ti Melro tinha dito que era necessário partir a bandeira para o milho não crescer muito. E, depois disso, o que é que se tem de fazer?

− Depois, espera-se qu' amadure e apanha-se com uma foicinha. Bota-se no tendal ('lugar onde o milho é acamado') às carradas. Depois esmanta-se e traz-se a espiga p'rá eira. (A cana fica no campo a secar para depois poder ser guardada no «cabanal» e servir de alimento para o gado. Quanto às espigas, vão para a eira, onde ficam a secar ao sol).

− Mas se chove, o milho fica todo encharcado, Ti Melro...

− Não, home, quando chove põem-lhe por riba umas esteiras.

− E depois de seco, o que é que fazem?

− Vem então uma desbulhadeira para desbulhar.

Quanto à batata, é semeada nos princípios do ano, após a terra ter sido cavada ou lavrada e convenientemente adubada. É colocada com intervalos regulares de pouco mais de um palmo. Quando tem a altura de alguns centímetros, é semeado o milho entre os espaços. Uma vez criada, é arrancada e apanhada, ficando apenas o milho que, entretanto, nascera nos espaços que separavam cada batata.

Além da cultura da batata e do milho, existe também muito feijão, semeado por meados de Junho, «polo S. João», como disse o meu informador.

 

 

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