Ao
longo do século XIV, toda a Europa atravessava uma grave crise
económica. Portugal não era excepção. Todos os grupos
sociais procuravam expandir-se em busca de uma nova vida, mas a
paz com Castela cedo definiu as fronteiras portuguesas. No
entanto, o contacto com o mar fez-nos um povo de marinheiros e
pescadores, atraídos pelo desconhecido. A situação geográfica
de Portugal, a sudoeste da Europa, com a sua faixa litoral
voltada para o Atlântico e com uma costa recortada com bons
portos, era propícia à navegação. O país voltou-se para o
mar, Portugal lançou-se na Expansão
Marítima.
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Na
época, já se faziam viagens pelos portos de Inglaterra, França,
Flandres, Norte de África (Navegação
de Cabotagem) e desde tempos muito antigos que se
navegava no Mediterrâneo. Verificavam-se, ainda, grandes
progressos na construção naval e na ciência náutica, graças
à presença, entre nós, de marinheiros genoveses e catalães.
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Nas
primeiras viagens, realizadas com barcas,
navegava-se junto à costa e os marinheiros não tinham grande
dificuldade de orientação.
A arte de
navegar não era muito diferente da utilizada pelos marinheiros
do Mediterrâneo.
No
entanto, o espírito aventureiro, corajoso e destemido do povo
português fez com que as viagens fossem cada vez mais longe,
avançando em mares ignorados. Como cantou Camões:
“As
armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
.........................................................”
Os
Lusíadas,
I, 1
Sem
cartas nem roteios
que orientassem os pilotos, era necessário contornar com
cuidado os promontórios, observar os ventos, os abrigos e
prestar atenção ao quebrar das ondas, para se evitarem os
baixios.
Nas
viagens de exploração a tarefa essencial que competia aos
marinheiros era a de colherem todas as informações sobre o
oceano navegado e os lugares que visitavam.
Assim se
actualizavam os roteios e se
passavam as informações aos cartógrafos, que melhoravam o rigor das
cartas.
Destas novas se aproveitavam aqueles que repetissem as
mesmas navegações.
Até
ao final da Idade Média os
conhecimentos geográficos eram poucos e estavam envolvidos em
imensas lendas. Acreditava-se que a Terra era um disco plano que
pairava no espaço, circulando à sua volta os outros corpos
celestes, como a Lua, o Sol e as estrelas visíveis no céu (Teoria
Geocêntrica). O Cabo Bojador tinha fama de horrores.
Ficava a caminho da
região equatorial, junto a um imenso deserto. Não se sabia se
o mundo acabaria ali.
“........................................
se não sabe
Que outra terra comece ou mar acabe.”
Os
Lusíadas,
I, 14
Ouvia-se
dizer que o mar engolia os barcos, que havia monstros...
O Sol era tão
quente que a água fervia...
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Inventavam-se
histórias maravilhosas e fantásticas com personagens
estranhas, como é exemplo o “Livro das Maravilhas do Mundo”,
de João Manderville – a ficção científica da época.
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No
entanto, o receio dos marinheiros portugueses eram as calmarias:
o navio, sem vento, ficava à deriva durante um tempo sem fim e,
neste clima quente, rapidamente se esgota a água.
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Em
1434, Gil Eanes foi
o primeiro navegador a dobrar o famoso e terrível Cabo
Bojador. Seguiram-se uma série de viagens que permitiram
mais descobertas. O medo acabara por ali. Outros viriam, mas o
saber experimentado seria mais valente que o pânico...
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O
Homem procurava incessantemente conhecer o mundo. A realidade
era, para um navegador, mais importante do que as leituras nos
livros do passado. Os conhecimentos de origem livresca deviam
ser sempre revistos à luz da experiência. A observação
directa será considerada como o melhor caminho para corrigir os
erros cometidos no passado:
“Os
casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Vêm do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.”
Os
Lusíadas,
V, 17
As
navegações colocaram os marinheiros em presença de fenómenos
e de realidades que eram erradamente referidos nos livros clássicos,
ou nem sequer o eram, por puro desconhecimento.
Vários
foram os fenómenos naturais, até então desconhecidos,
presenciados pelos navegadores: o
Fogo
de Santelmo e
a Tromba de Água,
como podemos ouvir, a Vasco da Gama,
em Os Lusíadas:
“Vi,
claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa, certo, de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.”
Os
Lusíadas,
V. 18
Construía-se,
assim, a mentalidade crítica do Renascimento.
A razão e o método experimental evidenciavam a sua
superioridade sobre a tradição. Era o início do Experimentalismo
que veio a dar alguns frutos na ciência do século XVII.
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Camões,
na sua grande obra, utiliza Vasco da Gama para fazer um desafio
aos homens da ciência livresca, da ciência não experimental,
convidando-os a conhecer experimentalmente as
“puras verdades”.
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“Se
os antigos filósofos, que andam
Tantas terras por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrelas!
Que
estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo sem mentir, puras verdades.”
Os
Lusíadas,
V. 23
Depois
do Cabo Bojador, eram os ventos desfavoráveis, as correntes
adversas e as calmarias que preocupavam os navegantes. As
dificuldades aumentavam à medida que se avançava, mas cada
viagem era uma lição.
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Fruto
de uma constante adaptação a novas situações, a ciência náutica
portuguesa registou grandes progressos. Passou-se a utilizar a caravela. |
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A
caravela é um barco de maior calado que a barca. Possuía
dois mastros e velas triangulares (panos latinos).
Era veloz e, o mais importante, navegava
à bolina.
Estava encontrado o barco da exploração oceânica, o navio
dos descobrimentos.
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No
entanto, navegar junto à costa trazia muitos mais perigos, pois
existiam muitos baixios de pedra e de areias. Os poucos
instrumentos construídos para uso das náuticas eram
rudimentares, e as próprias cartas,
exibindo tanta precisão no apontamento de pormenores,
reflectiam erros sistemáticos que só poderiam ser corrigidos
quando outros processos e outros instrumentos fossem adoptados
na navegação.
A
sul do Cabo Bojador, as correntes contrárias e os ventos,
soprando por largos períodos de quadrantes desfavoráveis,
dificultavam principalmente a viagem de regresso – a “torna-viagem”,
como diziam. Para contornar estes perigos, foi necessário
navegar pelo mar largo, descrevendo uma rota em arco para norte
– a então chamada “volta pelo largo”, até à
latitude dos Açores. Depois, os ventos de nordeste empurravam
as embarcações para a costa portuguesa. Mas, se enquanto
navegaram junto à costa, os marinheiros não tiveram grandes
dificuldades na orientação, ao afastarem-se para mar alto
deixaram de ver terra por longos períodos e tiveram que
encontrar outros métodos. Passaram a orientar-se pelos astros
(Sol e outras estrelas) – surge, assim, a navegação
astronómica. Para este progresso contribuiu bastante
o longo contacto dos portugueses com as populações muçulmanas
e judaicas, residentes na Península, que lhes proporcionaram
consideráveis conhecimentos de astronomia, já que aqueles
povos possuíam muita prática de observar os astros e de
descrever o aspecto do céu.
As
dificuldades em navegar nestas condições levaram ao aperfeiçoamento
das técnicas de navegação e à necessidade de novos
instrumentos.
Para fixar a posição do navio em alto mar, os
navegadores tinham ao seu dispor os instrumentos que os astrólogos
há muito usavam, nomeadamente, o Astrolábio
e o Quadrante; além
disso, transformaram o Báculo de Jacob na Balestilha.
Os
navegadores serviram-se de todos eles como instrumentos de
alturas (para a determinação de latitudes). A navegação
passaria a basear-se no conhecimento de uma das coordenadas
geográficas, a latitude, ou “ladeza”, como então se
dizia.
Estes
instrumentos de precisão permitem uma localização exacta,
mediante rigorosos cálculos matemáticos. As medições
rigorosas das distâncias, as anotações das características
da costa e outras informações eram transmitidas pelos
marinheiros aos cartógrafos, que desenhavam mapas cada vez mais
rigorosos. Os portugueses contribuíram, assim, para o aperfeiçoamento
da cartografia em todo o mundo.
Tentaram,
ainda, empregar as Tavoletas da Índia ou Tábuas
da Índia, de concepção semelhante à da balestilha
e que Vasco da Gama encontrou nas mãos dos pilotos do Índico,
na sua primeira viagem ao oriente. No entanto, a utilização
das tabuletas não passou de uma fase experimental, pois logo se
reconheceu que elas não permitiam o rigor que era possível
alcançar com os outros instrumentos.
Mantinha-se a
utilização das cartas e da bússola, mas os roteios, foram
substituídos pelos regimentos.
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Nos
finais do século XV, surge um outro tipo de embarcação, a Nau.
É maior e
mais resistente que as embarcações prefcedentes, tendo sido
utilizada por Vasco da Gama, na sua
primeira viagem ao Oriente (1498). |
Apesar dos grandes progressos, quer nos meios quer nas técnicas
de navegar, as grandes viagens, como a viagem à Índia,
apresentavam sempre grandes dificuldades.
Álvaro
Velho, cronista de Vasco da Gama, relata-nos algumas, no Diário
da Viagem. Refere uma viagem tormentosa, com tempestades,
traições e o aparecimento de doenças, como o escorbuto.
“E
aqui nos adoeceram muitos homens, que lhes incharam os pés e as
mãos, e lhes cresciam as gengivas tanto sobre os dentes que os
homens não podiam comer...”
Referência
igualmente feita por Camões.
“E
foi que de doença crua e feia,
A mais que eu nunca vi, desampararam
Muitos a vida, e em terra estranha e alheia
Os ossos para sempre sepultaram.
Quem haverá que sem ver o creia?
Que tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na boca, que crecia
A carne e juntamente apodrecia.”
Os
Lusíadas,
V, 81
Mas,
apesar da fragilidade do “bicho da terra tão pequeno”,
...
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
(...)
Onde
pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno”
Lusíadas,
I, 106
... os perigos foram sendo vencidos sempre, com grande coragem:
“E
em perigos e guerras esforçados
Mais do que permitia a força humana ...
(...)
As navegações grandes que fizeram...
A fama das vitórias que fizeram...
A quem Neptuno e Marte obedeceram”
Os
Lusíadas,
I, 1 e 3
A
época dos Descobrimentos constitui a passagem de um mundo a
outro, da Europa a toda a Terra; mais do que isso, é também a
época em que os esquemas tradicionais são ultrapassados, em
que se reconhece que é necessário prestar atenção à observação;
é ainda a época onde muitos mitos se desvanecem – como a
impossibilidade da existência da vida humana a Sul do equador
ou a existência de antípodas.
Os
descobrimentos científicos determinaram uma mudança radical na
concepção da Terra e do Universo. Os sábios da época
perceberam a infinita variedade e diversidade das coisas
desse mundo. Criaram Jardins Botânicos e Zoológicos,
catalogaram plantas,
animais e minerais, dissecaram cadáveres humanos e de outros
animais e mediram os movimentos dos astros.
A
Astronomia e a Cartografia desenvolveram-se. A
Teoria Geocêntrica é substituída pela Teoria
Heliocêntrica, os movimentos de Rotação e de Translação são
conhecidos e verificou-se que a Terra é esférica.
À
necessidade de uma localização rigorosa correspondeu o
progresso da Matemática.
O
conhecimento de novos animais e plantas fez avançar a Zoologia
e a Botânica.
Nas
terras descobertas, especialmente no Oriente, os Portugueses
tomaram contacto com novos medicamentos e novos processos de
tratamento – a Medicina evoluiu.
Em
Portugal destacaram-se três nomes: Garcia d' Orta, na
Medicina e na Botânica; Pedro Nunes, na Matemática e Duarte
Pacheco Pereira, na Geografia e Cosmologia.
O
conhecimento de novas terras e mares, de novas gentes e culturas
e a valorização da experiência, foram a grande dádiva dos
Portugueses à Humanidade.
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