Messe de Oficiais de Carmona

Imagem caso haja

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Deixemos o passado; voltemos ao presente.

Ontem, domingo, chegámos cedo a Carmona. Ficámos instalados na messe de oficiais, onde deverei permanecer toda esta semana e de onde vos estou agora a escrever.

Como é que me encontro neste momento? Tirando os problemas com o estômago, que teimam em massacrar-me, não podia estar melhor. Pelo menos, neste preciso momento, estou bem disposto e bem instalado no meu quarto. Creio que não podia estar melhor. A messe de oficiais de Carmona é um verdadeiro luxo, comparando com as instalações que tenho conhecido nestes últimos seis meses, inclusive com a nossa messe de Quimbele. Não significa isto que estejamos mal, na sede da Companhia. Quem dera que todos os locais fossem como Quimbele! Mas as instalações de Carmona são de longe superiores, ou não estivéssemos nós na sede do sector. Só para ficarem com uma ideia, vou falar-vos um pouco acerca delas. E depois, se não me desviar para outros assuntos, retomo os acontecimentos no ponto onde tínhamos ficado e evoco-vos a minha ida ao Cuango, na companhia do médico e do capelão. Posso desde já dizer-vos que foi uma viagem sem problemas, mas cheia de curiosidades e pitoresco.

Acabo de dar uma volta por aqui. E não fiz como Xavier de Maîstre, segundo os dizeres do nosso Garrett. Não! Não me limitei a andar à volta do quarto. Também não fui até ao quintal. Não é que isso fosse impossível. Está aqui bem perto e até o observei de cima, ao quintal e a toda a zona envolvente. O que acabo de fazer é simplesmente isto: saí do meu quarto e efectuei um pequeno reconhecimento. Só assim vos posso falar do local onde me encontro. Não é possível encher as linhas invisíveis dos aerogramas se não tivermos ideias. E para as termos, não há como explorarmos metodicamente o espaço envolvente. É para isso que tenho dois olhos na frente da cara e a massa cinzenta para os registos daquilo que observo. E para desafio do tempo, isto é, para evitar que os dados dos neurónios corram o risco de se apagar, tive o cuidado de levar a máquina fotográfica.

Passemos à apresentação dos dados resultantes desta minha exploração. Sigam com a imaginação, tal como se estivessem na minha companhia.

Acabamos de sair do quarto, não utilizando a porta que dá directamente para o quintal. Subimos as escadas. Passamos pelo bar de oficiais e prosseguimos pelo corredor. Atravessada uma porta, encontramo-nos nas traseiras, num patamar coberto, com umas escadas de cimento ao centro, que dão para a ampla área atrás do edifício da messe. Descendo-as, podemos aceder a uma zona cultivada, uma pequena horta onde há de tudo um pouco. Na extremidade dela, junto ao muro que delimita a área da messe e a separa de outras residências, ergue-se uma pequena edificação de madeira: os quartos dos soldados que se encontrem ao serviço dos oficiais. Daqui de cima, desta varanda a todo o comprimento desta ala, temos uma vista panorâmica da cidade de Carmona ou, se quiserem o nome original, da cidade de Uíge.

Onde é que está situada a messe de oficiais? Num bairro moderno, na periferia da cidade. Creio estarmos, segundo percebi, no Bairro Montanha Pinto. Estou na dúvida quanto ao nome, mas penso que foi isto o que me disseram.

Olhando para a esquerda, vêem-se vários edifícios recentes, contíguos a este em que nos encontramos. As traseiras são semelhantes em todos, embora com utilizações totalmente diferentes. Por detrás das casas, existe sempre um amplo espaço, em alguns casos cultivado, como é o caso da messe; noutros, é o local para estacionamento de viaturas. Ao longe, uma série de colinas recortadas faz-nos perceber que a cidade está situada numa zona mais ou menos plana, cercada de elevações por todos os lados. A cumeada, à esquerda, evoca-nos um corpo nu de mulher, no qual se distingue um seio voltado para o azul acinzentado do céu. Na orla da mata que antecede esta muralha geológica, distinguem-se os telhados de um bairro moderno, meio encoberto pelas palmeiras dispostas ao longo de uma avenida.

Quase na nossa frente, uns quinhentos metros após os quartos dos impedidos, ergue-se uma colina, onde se destacam edifícios modernos com vários andares. Voltando um pouco para a direita, a uns duzentos ou trezentos metros, vê-se o campo de futebol, antes de uma ampla avenida alcatroada que sobe por uma colina coberta de densa vegetação. E é tudo, grosso modo, o que se vê deste lado.

Estamos outra vez a atravessar o edifício que nos dá guarida. Ao fundo do corredor, ladeado por vários quartos, certamente ocupados pelos oficiais que aqui se encontram em serviço militar, temos a ala oposta, que dá para a rua principal e uma zona ajardinada do bairro. Não vamos sair do edifício. O que agora interessa é que fiquem com uma ideia das comodidades da messe.

Acabamos de entrar no bar e sala de estar dos oficiais. É uma sala agradável, com cómodos e amplos sofás de cabedal preto. Ao canto, um móvel com uma moderna aparelhagem estereofónica, que nos permite ouvir música e os noticiários. Na falta de estações em frequência modelada com bons programas musicais, poderemos escolher um disco com vinte minutos de duração de cada lado. A esta hora do dia, não está aqui ninguém. Nem sequer o impedido para nos servir uma bebida. Por isso, aproveitemos para tirar umas fotografias do interior, longe de olhares curiosos.

Desçamos ao piso inferior. Acabamos de entrar no meu quarto. Vou posicionar-me num dos cantos. Para quê? Não está mesmo a ver-se? Para um bom enquadramento. Embora me falte aqui uma grande angular, mesmo assim esta objectiva de 45 milímetros permite apanhar a maior parte do espaço. Verão, quando receberem os diapositivos, que não podia estar melhor instalado.

Como referi há momentos, não me posso queixar das instalações. Além de mim, dormem aqui quatro camaradas, que estão, tal como eu, de passagem pela cidade, a frequentar o mesmo curso de formação. Dito isto, mesmo sem imagens fotográficas, dá para concluir que o quarto é amplo e comprido, porque permite que cinco camas se encontrem alinhadas, tendo entre cada uma a respectiva mesinha de cabeceira. De dia, a luz entra pelas amplas janelas, do lado da entrada, onde praticamente não existe parede. O que há é um pequeno muro com cerca de um metro de altura, sobre o qual assentam os caixilhos de uma vasta superfície envidraçada, por onde entra toda a luz do astro-rei. Sem os estores a toda a largura, não poderíamos reduzir-lhe a intensidade e tirar umas sestas nos momentos de lazer, nos curtos espaços de tempo em que não temos formação e em que o calor mais aperta e nos convida a fechar os olhos, antes da carrinha dos oficiais passar por aqui e nos levar de volta ao trabalho.

Acho que é altura de terminar. Começo a tornar-me maçador com estas descrições. Se são úteis para mim, porque irão permitir-me recordar, um dia mais tarde, os locais por onde vou passando, acabam por se tornar um frete para vós. Além do mais, creio que poderemos dispensar as descrições, agora que tenho os apetrechos necessários para registar para a posteridade aquilo que os meus olhos me vão mostrando.

Deixemos Carmona. Saiamos da sede do sector de Uíge e recuemos no tempo. Embora pudesse fornecer-vos as minhas impressões acerca do primeiro dia do curso, penso que isto terá para vós um interesse reduzido. Por outro lado, é mais lógico debruçar-me sobre esta matéria daqui por uns dias, quando estiver no final. Poderei então efectuar uma avaliação global desta semana de trabalho. E aproveitarei também para um breve registo das minhas impressões acerca do Batalhão de Caçadores n.º 12, onde decorre o meu estágio de formação sobre Justiça Militar. Por aquilo que verifiquei hoje, posso desde já concluir que as indicações que o sargento da minha Companhia me forneceu e aquilo que retirei dos livros me permitiram efectuar um tratamento adequado dos processos que já me passaram pelas mãos.

 

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