Revelação de Slides

 

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A parte da tarde de segunda-feira, véspera da ida ao Cuango, foi passada com o capelão. Depois da bica que não tomei, pelas razões que já sabeis, o capelão desafiou-me para uma volta por Quimbele e sanzalas dos arredores. Levei o médico ao hospital, para trazer o jipe, e regressei para apanhar o capelão, que ficou à minha espera no Briosa Bar. A meio da visita a uma sanzala:

— Já fiz asneira, capelão.

— Porquê, Ulisses?

— Devíamos ter passado pela messe, antes de termos vindo para aqui.

— Mas porquê?

— Vim totalmente desarmado.

— Era preciso trazer armas, Ulisses?

— Não é dessas que está a pensar. A arma é outra. Esqueci-me da máquina fotográfica. É esta a minha arma. Mas talvez tenha sido bom ter-me esquecido.

— Bom? Teres esquecido a máquina?

— Sim, capelão. Já tenho muitas imagens de Quimbele e arredores. Os rolos são caros e difíceis de arranjar. Estou a gastá-los com demasiada rapidez. Não viu o que estive a fazer, enquanto tomou a bica com o médico e estiveram a jogar aos dados?

— Vi. Estiveste a meter dois rolos em saquetas. Para quê?

— Depois de tirados, é preciso mandar revelá-los. Em Angola, e também em Portugal, não há laboratórios para revelação de diapositivos. É preciso mandá-los para a fábrica.

— E depois como é que pagas? Vêm à cobrança?

— Não, capelão. Quando compramos rolos para diapositivos, a revelação e montagem em caixilhos já estão incluídas no preço. Até os portes do correio. Nem é preciso selos. Já está tudo incluído. Dentro das caixas vêm as saquetas para envio dos rolos e as direcções dos vários países onde existem laboratórios. Temos de preencher todos os dados com o nosso endereço completo e escolher o país onde queremos que a revelação seja feita. Eu escolhi a África do Sul.

— Ouve lá, aquela conversa que tiveste com um civil, quando estava a preparar as embalagens, é mesmo verdade?

— Que conversa, capelão? Enquanto jogou ao póquer com o médico, falei de muitas coisas com os civis que estavam no café.

— Aquilo que um civil te disse, quando estavas a preencher os dados para enviares os rolos.

— Não estou a ver o quê.

— Aquilo da fábrica ficar com as melhores imagens dos rolos.

— Ah, isso? O capelão acreditou no que o civil disse? Acha que uma empresa como a Agfa iria subtrair as melhores imagens dos rolos dos clientes? Sinceramente, não acredito nisso. E sabe porquê? Em primeiro lugar, devem receber centenas de rolos por dia, provenientes dos mais diversos lugares. Não teriam sequer hipóteses de visionar todas as imagens. Em segundo lugar, nunca fariam uma coisa dessas. Se o fizessem, seria a descredibilização da empresa. Nunca correriam tamanho risco!

— Achas mesmo?

— Acho, capelão. Já chegaram alguns rolos a minha casa, na metrópole. Com receio de que não me chegassem às mãos, indiquei a minha morada de Coimbra. De acordo com o que os meus pais me disseram, num dos últimos aerogramas recebidos, tenho chegado a tirar trinta e oito imagens em rolos de trinta e seis. Por isso, na remessa que preparei há bocado, um dos rolos vai com a indicação do meu SPM. Vai um directamente para os meus pais; o outro vem para aqui.

— Porquê duas direcções diferentes? Não era mais lógico indicares a mesma morada para os dois rolos?

— É uma espécie de controlo, capelão. Se o que mandei com o meu SPM me chegar às mãos, significa que não houve extravios. E começo a mandá-los sempre com o número do Serviço Postal Militar da Terceira Companhia, o SPM 6666, para os poder receber aqui mesmo, em Quimbele, ou onde quer que me encontre. Poderei vê-los em primeira mão e, quem sabe, dar, mais tarde, uma sessão de slides para o meu pessoal...

— Disseste que tiras trinta e oito imagens num rolo de trinta e seis. Como é que consegues fazer isso? Esticas o rolo?

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