De fugida ao Negage

 

De Carmona ao Negage a viagem foi breve. Com a estrada alcatroada e longas rectas, em breve entrávamos nesta cidade, uma cidade moderna, com edifícios baixos e recentes e ruas rectilíneas alcatroadas e bem arranjadas.

— Enquanto vou ao colégio, o alferes pode dar uma volta por aqui. — disse o senhor Sílvio.

— Posso dar uma pequena volta, mas já não vai ser possível tirar fotografias.

— Não tira? Porquê?

— Além de ter já pouca luz, tenho de poupar o rolo para amanhã. Pensando melhor, senhor Sílvio, fico mesmo por aqui. Vá visitar os seus filhos que eu espero no carro. É melhor assim.

— Mas porquê, alferes? Pode dar uma volta na mesma. Tem ainda uns minutos.

— É melhor não. O senhor Sílvio não sabe ao certo o tempo que vai demorar. Pode ser muito ou pouco. Estando eu aqui, não terá de ficar à minha espera.

— O alferes é que sabe. Está à sua vontade. Para ajudar a passar o tempo, ligue o rádio. Utilize as ondas curtas. Aqui não lhe vale a pena procurar noutro comprimento de onda. O FM e as ondas médias não devem dar nada. Procure uma boa estação de ondas curtas que esteja a dar música.

— Vá tranquilo, que eu tenho com que me entreter. Aproveito a pausa para registar todas as fotografias no meu mini-livro que fiz com folhas A4.

Meia hora depois, mais minuto, menos minuto, regressava o senhor Sílvio.

— Então, alferes, já fez todos os registos? Ouviu muita música?

— Não liguei o rádio. Estive entretido a escrever. Já está tudo registado.

Tirei o minúsculo livro do bolso da camisa e mostrei-o ao senhor Sílvio e acrescentei:

— Está aqui tudo. Todas as fotografias numeradas, com a indicação dos elementos fotografados.

— Tudo nesse livrinho?

— Sim, senhor Sílvio. Um livrinho precioso feito com folhas A4 dobradas várias vezes, pouco maior que uma caixa de fósforos. E o seu nome já cá está, para não haver esquecimentos.

— O alferes, deixe-me que lhe diga, deve ser uma pessoa muito metódica.

— Tem de ser. Gosto de registar tudo o que faço. Se não o fizer, daqui por uns tempos está tudo esquecido. Tudo, não. Mas os pormenores varrem-se todos ou quase todos da memória, se não tivermos este cuidado.

— Posso ver esse seu pequeno livro?

— À vontade, senhor Sílvio.

Passei o minúsculo caderno de folhas A4 dobradas várias vezes e agrafadas no centro, de modo a permitir folheá-las como um livro. Além dos números das imagens, de acordo com o contador da máquina, está a descrição dos elementos fotografados, a data e, por vezes, a abertura e velocidade de obturação.

— Como pode verificar, está aí tudo, senhor Sílvio. Veja o registo das últimas fotografias tiradas na piscina. Está a ver que também lá está, juntamente com o nome do senhor Amândio? Está aí tudo. Leia o que escrevi.

Em voz alta, o senhor Sílvio leu a legenda relativa à última imagem obtida na piscina: «Fotografia tirada na piscina de Carmona, cerca das 16 horas, vendo-se, no escorrega, da esquerda para a direita, o senhor Amândio, eu e o senhor Sílvio.»

— É mesmo, está aqui o meu nome. Não haja dúvida que o alferes é surpreendente. Nunca encontrei uma pessoa tão metódica e meticulosa como o alferes. É extraordinário! O Amândio vai ficar espantado quando lhe contar.

— Tem de ser assim, senhor Sílvio. A memória é curta e eu não gosto de esquecer os factos.

— Sabe o que é que estou agora a pensar, alferes?

— Não! O que é?

— Daqui a pouco são horas de jantar. O alferes quer ir comigo? Convido-o para jantar comigo. Aceita?

— Porque não? Se eu até gosto da sua companhia, como é que lhe havia de dizer que não?

— Estou com ela fisgada, alferes. Não almoçámos no aeroporto, mas vamos lá jantar. Está de acordo?

— Inteiramente. Vamos lá.

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