Antes da partida

 

Na esplanada, já se encontravam vários elementos da equipa e alguns civis. Ainda o doutor não tinha desligado o motor da viatura e já um dos presentes se afastava e puxava duas cadeiras:

— Têm aqui um lugarzinho à vossa espera.

— Agradeço a vossa gentileza — disse eu, escusando-me — mas não vai poder ser. Pelo menos por enquanto! Gosto muito da vossa companhia, mas... — e apontei para dentro do café — estão ali dois furriéis com quem preciso de conversar antes de partirmos.

— Não queres mesmo ficar aqui fora, Ulisses? O calor não aperta. Para mais com este sol amareliço, Ulisses.

— Por enquanto não pode ser, Graça Marques. Está ali o Rodrigues com outro furriel. Tenho de lhes dar umas palavritas. Vão cá ficar todo o fim-de-semana sem mim e aproveito agora a presença para lhes falar.

Entrámos os dois no café e sentámo-nos numa mesa ao lado.

— Então o alferes vai-nos deixar durante o fim-de-semana? — perguntou o Rodrigues.

— É como diz. Não era agora, depois de ter acompanhado diariamente os treinos, Rodrigues, que ia deixar de apoiar a equipa. Não lhe parece? E o Rodrigues? Por que razão não aproveita para ir também connosco? Há lugares. Fazia companhia ao Galvão. Ou será que está com falta de dinheiro para o hotel? Se for por isso, estou aqui eu.

— Não é isso, alferes. Já vai consigo um furriel. Nós preferimos ficar aqui, sossegados. Não é verdade? — perguntou o Rodrigues, voltando-se para o camarada que estava com ele.

— Estou a entender-vos! Têm aqui algum encontro marcado para o fim-de-semana. Não é? É pena é o Rodrigues não ter cá o seu mini. Fazia-lhe agora um jeitão!

— Ouve lá, Ulisses, não tinhas coisas importantes para tratar com os furriéis? — perguntou o médico, cortando-nos a conversa.

— Não! O que é que querias que lhes dissesse?

— Não te estou a perceber. Então por que razão recusaste o convite e não ficámos ali fora, na conversa com os civis?

— Por duas ou três razões, Graça Marques. Em primeiro lugar, vou andar durante todo o fim-de-semana com alguns dos que ali estão. Depois, não podia deixar de me sentar durante uns minutos com o meu pessoal. Aqui o Rodrigues, — e voltei-me para ele — queixa-se frequentemente de que, nestes últimos tempos, não lhe tenho dado a devida atenção. E não deixa de ter uma certa razão! Tirando os momentos ao fim da tarde, em que costumamos encontrar-nos para assistir aos treinos, quase não temos conversado. Logo, não podia desperdiçar esta oportunidade para estar um pouco com eles. Finalmente, e eis a terceira e última razão, não queres aproveitar a presença dos dois furriéis para discutirmos quem vai pagar as bicas? Somos nós contra eles. Para que servem os dados?

— Tu não tomas bica.

Apesar de não tomar a bica, pelos motivos que já sabeis, estivemos mais de meia hora entretidos a jogar ao póquer. E, minutos depois de termos iniciado a partida, não estávamos sós. Outros elementos foram chegando e sentando-se à nossa volta. Eram umas quatro da tarde quando a animada conversa entre todos foi interrompida.

— Alferes Ulisses e companhia, era bom começarmos a pensar em nos organizarmos. São quatro horas. Arrancar e não arrancar, chega o tempo de nos pormos a caminho de Carmona.

— Sempre é precisa alguma viatura militar? — perguntei por descargo de consciência, sabendo de antemão qual iria ser a resposta.

— Não é necessário, alferes. O seu pessoal está todo à civil. Se fossem em viatura militar, teriam de ir fardados e equipados. Não vamos para nenhuma operação. Vamos passear e competir desportivamente. E fazer por trazer a taça cá para Quimbele. Todos temos carro. Há lugares de sobra para toda a gente e mais alguém que também querer vir. Com quem é que o alferes quer ir?

— Penso que já não há mais ninguém que queira vir. Quanto a mim, vou com qualquer um. Não tenho preferências. Vou com quem quiser a minha companhia e estiver disposto a aturar-me.

— Então vai ali com o Torres. Tem uma máquina nova e precisa de companhia.

— Arrancamos já? Por mim, nem é preciso perder tempo. Já vim prevenido.

— Arrancamos daqui a pouco, alferes. É só distribuir os elementos da equipa pelas diferentes viaturas. Ou será que o alferes prefere ir na companhia do Mário e da mulher?

— Não, não! Por mim está tudo bem! Vou com o Torres. Está sozinho. Com alguém ao lado, faz melhor a viagem.

— Vá então com ele, alferes. Daqui a Carmona, mesmo seguindo toda a gente em coluna, não são mais do que três horas de viagem. Se sairmos daqui às quatro e meia, pelas oito estamos lá! De noite, com faróis potentes e uma boa estrada alcatroada, faz-se bem a viagem.

Página anterior Home Página seguinte