Futebol e Quitari |
Durante o almoço, não falámos da operação. O tema foi completamente diferente. Em Quimbele, está a ser treinada uma equipa de futebol de salão, constituída por elementos civis e militares. Brevemente, realizar-se-á um torneio em Carmona. Quimbele vai estar presente e quer marcar pontos. Se não sair vencedora, a nossa equipa tem, pelo menos, de ficar nos primeiros lugares. — Isto é importante para nós. — disse o capitão. — Nós temos de ser bons em tudo. Os Tigres de Quimbele não podem ficar mal. Vão lá estar, com toda a certeza, camaradas nossos da CCS, camaradas de Sanza Pombo. A partir da próxima semana, temos de ter seleccionado o nosso melhor pessoal e iniciar os treinos. — E onde é, Capitão? — perguntei eu. — Onde é o quê? — Onde é que vão ser feitos os treinos? — Em Quimbele, no campo de jogos. — No de futebol? — No ringue cimentado. É futebol de salão, não é o futebol que estás a pensar. — Não estou a ver onde, Capitão. — Não estás a ver onde? — Ó capitão, é normal que o Ulisses não saiba onde é. — disse o Vieira. Está a esquecer-se que o Ulisses tem estado sempre fora da sede, Capitão. — Como é que isso pode ser, carago? Não conheces Quimbele? O que tens andado a fazer? Não sabes onde fica a casa do gerador? — Sei, Capitão. — Então, e antes disso? Entre a zona do cinema e o edifício onde está o gerador? Nunca viste o campo cimentado, que funciona como ringue polivalente? Serve para patinagem, andebol, voleibol e também para futebol de salão. É para aquilo que se quiser. — Ah! É esse o campo? — Claro! Onde querias que fosse? Se é futebol de salão não pode ser num campo normal de futebol. Entre o nosso pessoal, conhecem malta que jogue bem? — Estou a lembrar-me de um elemento que joga muitíssimo bem. — acrescentei eu. Tem é o inconveniente de não pertencer à tropa, Capitão. — Quem é ele? — É o Joaquim. É o moço que andou sempre comigo, enquanto estive na Quimabaca. É o filho de um soba daqui da região. Nos nossos jogos com os civis, a malta nunca o dispensava do nosso lado. É um craque para a bola. — Se é assim tão bom, tens de o levar para Quimbele. Joga connosco. — Vamos a ver. É preciso que ele queira ir para Quimbele. Se for, onde o instalamos? — Isso não é problema, queira ele jogar. Fica instalado na caserna, com o nosso pessoal. Até já está habituado. Não andou sempre contigo? Como é que o tratavas? — Como amigo. Como se fosse um dos nossos. — Aí está. Quando viermos da operação, ficas cá no Alto Zaza e procuras convencê-lo a ir contigo para Quimbele. A seguir ao almoço, formou o pessoal da operação em frente ao edifício do comando, tal como havia sido combinado. Foram distribuídas a rações de combate e os petiscos confeccionados para o primeiro dia. Só para ficarem com uma ideia, vou enumerar-vos aquilo que meti na mochila: um frasco com açúcar, uma lata de leite em pó, uma lata de Milo, uma embalagem de álcool desnaturado, uma embalagem de café moído, a máquina pequena de café e a lamparina a álcool, a mesma que tão boas provas deu em Mafra, durante as semanas de campo, e durante os recenseamentos na região da Quimabaca. E não refiro aqui as latas que separámos das caixas onde vêm as rações de combate, os concretos de fruta, as tabletes de chocolate, as bisnagas de leite condensado, e muitas outras coisas, como o bornal, por exemplo, o cobertor, as mudas de roupa e o papel higiénico, sem esquecer as pilhas que o capitão me recomendou para os focos. Ao contrário do que pensava, prescindi do colchão pneumático, devido ao elevado espaço que ocupa numa mochila. Procurámos repartir a carga entre as quatro mochilas: as duas dos oficiais, a do furriel e a do enquadrante Francisco. Numa só foi a nossa dotação de bolos de bacalhau e de iscas, bem como pão para três dias. Noutra foram os cobertores enrolados. Tudo bem distribuído e de modo a que as mochilas não ficassem demasiado pesadas. Embora tenham sido transportadas por carregadores, não nos podemos esquecer que quatro dias a andar no meio da selva não é tarefa fácil e os nativos não são de ferro. Chegámos ao destacamento do Quitari a meio da tarde. Chegámos na hora certa, porque muito a tempo de montarmos as nossas tendas, de arranjarmos os carregadores entre a população nativa e de as viaturas regressarem ainda de dia e em segurança ao Alto Zaza. |