Acerca do tempo e Garrett

Chega! Basta de discurso! Por momentos, até pensei que estava outra vez com o pessoal formado na minha frente. Se não foram rigorosamente estas as palavras que lhes disse, porque não tenho gravador nem as costumo gravar, foi praticamente o mesmo. Foi esta a prelecção que lhes fiz, para começar bem a manhã.

Neste momento, anda o pessoal na azáfama habitual. Também eu já cumpri as funções rotineiras e estou agora a aproveitar para sair daqui, durante uns momentos, enquanto permanecer nesta agradável conversa convosco. Estaria melhor aí, mas não gastaria tantas palavras. Como não posso transmigrar daqui para aí, fiquemo-nos pelas palavras escritas. Fiquemos por aqui, bem instalados à sombra da cubata, tendo a sanzala com várias cubatas ainda em construção por panorama.

Por falar em sombra das cubatas, devo dizer que a sombra já não é bem a mesma do costume. Lembram-se de eu vos ter dito, há já uns tempos, que tinha a sensação do tempo estar a mudar? E é que está mesmo! Já não existem aquelas chuvas abundantes e repentinas, que nos enchiam os bidões em menos de cinco minutos. O céu já não é o que era. O céu já não tem aquela cor azul que tanto prazer me dava e contra o qual se destacavam os algodões fofos e brancos das nuvens. O azul já não é o que era! Adquiriu uma tonalidade acinzentada. Parece até que o sol está doente, mais pálido, mais amarelo. E esta mudança invulgar na abóbada que nos cobre parece exercer sobre nós uma sensação esquisita, uma sensação nova, como nunca tinha sentido até hoje. É uma sensação desagradável, cuja causa não sei bem explicar. Será isto o começo do cacimbo? Se é isto o cacimbo, se ainda agora vai no começo e já produz esta sensação estranha, o que será quando estivermos em plena época? Creio que começo a perceber o porquê da expressão «estar cacimbado».

Garrett queixava-se do azul e preferia o verde, especialmente os olhos verdes, porque lhe lembravam o verde dos campos e do mar. Sem dúvida que o verde também me agrada como a ele. Mas não haja dúvida que o azul é também uma cor fundamental, uma cor tão importante como o verde, para o nosso equilíbrio emocional. O que seria do verde dos campos se não tivesse por cima o azul contrastante dos céus? Vê-se bem que o nosso Garrett nunca andou por estas paragens. Andasse ele por aqui, estivesse ele em terras africanas, e talvez não elogiasse tanto o verde como fez por causa de uns olhos verdes. Talvez que mudasse de ideias e começasse a valorizar mais os olhos azuis. Que seria do verde dos campos se não existisse, por cima deles, um céu de azul diáfano, salpicado, aqui e além, de umas belas nuvens brancas a lembrarem-nos um montão de coisas?

Onde é que eu já vou! Comecei por fazer uma prelecção aos meus homens e estou agora para aqui a divagar por causa do azul. Se não me acautelo, daqui a nada ponho-me a fazer um tratado sobre a importância das cores para o nosso equilíbrio emocional. E lá se vai a explicação da maneira como vim aqui parar a Cabula Calonge! Arrepiemos caminho, que por aqui não chego onde quero.

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