Novos aposentos


Messe de Oficiais da 3ª Companhia do B. Caç. 4511 em Quimbele, sector de 
Uíje - Angola, 16/5/1973.

Aqui me têm novamente. Mais fresco que uma alface acabada de regar. Agora a música é outra. Bem abastecido e com um copo cheio de «Seven Up» com uísque e dois cubos de gelo, tenho combustível para mais uma ou duas horas de escrita. Pelo menos, até à hora de jantar, vou ficar por aqui, sossegado, acompanhado pelas minhas lembranças, sem o perigo de ser interrompido pelos meus camaradas. A esta hora, a meio da tarde, devem estar no Briosa Bar a beber uns finos ou a passear por Quimbele.

A propósito, ainda não vos disse como são os meus novos aposentos. Isto agora é outra coisa! Coisa muito mais fina, muito mais chique! Se aqui estivesse um Dâmaso Salcede, diria antes «chique a valer!» Mas como o nosso Eça e as suas personagens não são para aqui chamados, deixemo-los de fora, não vão eles saltarem-me das páginas de algum livro e estragar-me os relatos. Ainda o Eça, vá que não vá! Ou até mesmo o seu grande amigo e mestre, o grande Machado de Assis. Estes dois, sim! Se eles para aqui viessem, se agora me entrassem no quarto, me dessem um pouco de inspiração ou me emprestassem um pouco da sua habilidade, aí o caso mudaria completamente de figura. Não seria eu a recusar tal ajuda! Seria uma ajuda bem vinda, uma ajuda de alto gabarito! Voltava lá dentro à sala de jantar, trazia umas bebidas, pão e até o resto do queijo e convidava-os para me fazerem companhia e darem uma ajuda. Infelizmente, nada disto é possível! Como tal, voltemos à solidão confortável do meu quarto e deixemo-nos de sonhos.

Como ia dizendo, isto agora é outra coisa. Já não é a tenda da Quimabaca, nem o pré-fabricado do Alto Zaza. Isto agora é coisa fina. Uma moradia moderna de Quimbele é a messe de oficiais. E o meu quarto é coisa de luxo. É um quarto amplo, com duas camas e magnificamente iluminado, graças a duas largas janelas que dão, uma, para o edifício do comando da companhia, a outra, para a grande e única avenida de Quimbele.

E agora vou retomar o relato. À cautela, vou deixar lá fora os meus camaradas e os civis que me escutaram durante o resto do dia. Até durante a jantarada me fizeram falar. Não é que eu me tivesse importado. Assunto nunca me faltou. Espremeram-me todas as peripécias dos últimos dias passados na Quimabaca. Mas, agora, vou deixá-los de fora. Estavam sempre a interromper-me e a fazer-me perguntas. Se os deixo aqui entrar, chego ao fim da tarde com a escrita por terminar. É certo que não será tão agradável ouvirem-me, mas será certamente muito mais rápido. Vou socorrer-me da agenda e levar o relato todo seguido, todo cronologicamente arrumado.

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