Convívio no Futa

Para entrarem melhor no espírito das minhas histórias, que diferem das demais por serem o fruto das minhas vivências por estas exóticas paragens, vou procurar trazer-vos para a minha companhia. Vou procurar que se juntem aos amigos que me escutaram atentamente. Na falta de fotografias, que ainda não as tenho, utilizem a imaginação. E digo bem! Digo que ainda não as tenho, porque o médico, o Dr. Graça Marques, levou a máquina fotográfica. Mas como as imagens reveladas levam o seu tempo a chegar-nos às mãos, vou agora procurar dar-vos uma ideia, através das palavras, do agradável local onde passei a tarde de domingo.

O Futa é uma abundante linha de água, que corre junto à estrada alcatroada, que liga Quimbele a Sanza Pombo, e lhe passa por baixo. O sítio onde tomamos banho constitui como que uma piscina natural, no meio de uma mata com árvores altas, que nos brindam com uma sombra acolhedora nas tardes de calor africano. A ligação da estrada ao local faz-se por meio de uma picada aberta na densa vegetação. Uma clareira permite estacionar as viaturas e inverter o sentido da marcha. A água é límpida. Parece de cor acastanhada. Mas não passa de uma ilusão! Esta primeira e desagradável impressão é provocada pelo facto da ampla e funda banheira natural, onde podemos mergulhar e nadar, ser de barro vermelho, tal como é uma grande parte do solo que pisamos.

Viemos para o banho após uma renhida disputa de póquer no Briosa Bar. Antes de nos despirmos, de enfiarmos os fatos de banho e de mergulharmos na água, o doutor fez uns disparos. Fui um dos alvejados.

— Ulisses, salta para o jipe do capitão.

— Para quê, Graça Marques?

— Anda. Faz o que te digo, Já vais ver para que é. Senta-te ao volante.

— Sento-me ao volante para quê? O que é que queres que eu faça? A viatura não está bem onde está?

— Não é isso. Senta-te ao volante e finge que estás a fazer uma manobra. Não vês que pretendo fotografar-te? Quero ficar com uma recordação de ti e deste dia.

— Está bem. Não digas mais. Já percebi. Mas depois quero uma cópia, para mandar aos velhotes. E já agora, vê lá bem o que vais fazer. Vê lá se enquadras bem a imagem e não me cortas a cabeça.

— Está bem. Senta-te e cala-te. Estás a querer fazer de mim algum maçarico?

— Calo-me para quê? A fotografia é sonora?

Fiz a vontade ao médico. Depois de uns segundos, em que tive de lhe tirar algumas dúvidas, disparou a máquina. Fiquei agarrado com uma mão no volante e a outra na alavanca das velocidades, tal como se estivesse a efectuar uma manobra. E desde já fica a promessa: quando ele me fornecer uma cópia, recebê-la-ão aí na metrópole. Poderão verificar com os próprios olhos que o vosso filho se encontra bem disposto e de perfeita saúde. Claro está que não é bem a mesma coisa que terem-me aí, junto de vós... Mas sempre é melhor do que nada!

— E então o relato? Não estamos interessados no Futa. Continuamos à espera que fales dos teus últimos dias na sanzala.

Como sempre, o pai tem toda a razão. Mas terá que ter um pouco de calma. Preciso de recuperar estas vivências, para ser mais fiel aos acontecimentos. Até porque o relato aos meus camaradas foi animado. Não estive a falar para ouvintes mudos! Foi um relato interrompido por diversos comentários, próprios de quem escuta, e por questões, suscitadas pela curiosidade. E isto até foi para mim uma certa vantagem! Os comentários e as perguntas ajudaram-me a avivar pormenores e a tornar o relato muito mais vivo, muito mais natural e interessante.

A nossa banhoca no Futa terminou em parte graças ao Graça Marques. Foi ele a lembrar-nos que não podíamos estar todo o dia dentro de água. Desta vez não se saiu com a treta de querer ouvir as minhas aventuras amorosas. Tirou-nos do banho e foi directo ao assunto.

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