Avaria na ida para Quimbele

Eram oito e trinta e já estava a entrar no meu gabinete. Dei rapidamente as ordens ao furriel de dia:

— Mande avisar os cozinheiros para preparem um pequeno-almoço reforçado para o pessoal que chegou. Às nove horas arranco para Quimbele. Temos de lá ir levar os milícias que foram connosco à Camuanga.

— Vai o mesmo pessoal que foi com o alferes à Camuanga?

— Querem todos continuar comigo, mas não vai poder ser. Uma viatura vai ter de cá ficar para ir à água e à lenha. Apenas precisamos de comer qualquer coisa e esperar que o condutor reabasteça a viatura. Seguimos imediatamente assim que tenhamos comido. Tenho de lá ir levar os milícias e efectuar um relatório minucioso da operação de socorro. Metade do pessoal fica cá. Vão apenas os que estiverem mais necessitados de ir a Quimbele.

— Alferes, podem ir todos. — diz o Monteiro.

— Como é que podem ir todos numa só viatura?

— Apertados cabem todos. Daqui a Quimbele não tem qualquer perigo. Uns no banco, outros nas bordas do estrado, vai toda a malta.

— É gente a mais, Monteiro. E as viaturas não são de confiança.

— Não há de ser nada, alferes. Chegamos lá todos.

Às nove horas estávamos de novo na picada, a caminho de Quimbele. Se tudo corresse bem, chegaríamos antes da hora do almoço. Ainda teria tempo de tomar um duche na messe e ir saborear um fino ao café, antes da refeição. As minhas intenções ter-me-iam proporcionado uns momentos agradáveis, se continuássemos a ter a sorte do nosso lado. O pior é que, quase no fim da picada, alguns quilómetros antes de entrarmos na estrada alcatroada que liga Sanza Pombo a Quimbele, ficámos empanados. A viatura começou aos soluços, parou; e nunca mais a conseguimos pôr a funcionar.

— O que é que ela tem? — perguntei ao condutor, que iniciou uma inspecção minuciosa ao motor.

— Não vejo nada errado, alferes. Não consigo perceber o que se passa. Tudo parece estar bem.

Depois de uns longos minutos, sem darmos com a avaria:

— O melhor é ficar aqui um grupo. Eu mais os milícias vamos fazer o resto do percurso a pé, até Quimbele. Sem rádio, não temos outra solução. Não nos resta senão utilizarmos os nossos próprios meios de locomoção.

— É muito longe, alferes. Não vai aguentar. — diz o Monteiro, o condutor.

— Qual não aguenta? Em Mafra chegámos a fazer quarenta e mais quilómetros a pé, de uma só vez, e ainda aqui estou.

Andei bem mais de uma hora com o Francisco e os milícias, até atingirmos a estrada alcatroada. A cerca de sete quilómetros de Quimbele, passou uma camioneta civil. O condutor parou assim que nos viu:

— Precisam de ajuda?

— Sim. Ficámos avariados na picada do Alto Zaza, antes de chegarmos à estrada alcatroada. Agradecemos a boleia até Quimbele.

Eram quase duas horas da tarde quando parámos junto à Administração de Quimbele, para aí deixarmos o Francisco com os milícias. Agradeci a boleia e atravessei a avenida principal em direcção à messe de oficiais, para largar as minhas coisas. Saí dali imediatamente para o café, à procura do capitão e alferes, para os pôr ao corrente da situação.

Meia hora depois, saía um unimogue com um grupo de socorro, com dois mecânicos, para procurarem resolver o problema no local. Duas horas depois, entravam os meus soldados no café:

— Alferes, já cá estamos. Os mecânicos também não conseguiram pôr a viatura a trabalhar. Tivemos de vir a reboque.

— Como é? — perguntei ao capitão.

— Ficas cá hoje. Amanhã já deves ter a viatura arranjada. E daí, talvez não. Hoje é sábado. É fim de semana. Passas o fim de semana aqui e vais para cima na segunda de manhã.

— Ouviram o que o nosso capitão disse? — perguntei aos meus soldados. Arrumem as vossas coisas na caserna e aproveitem bem o fim de semana. Bem o merecem.

O fim de semana passou num instante. Na manhã de segunda, à hora que contava partir, aparece-me o condutor desolado:

— Meu alferes, os mecânicos não conseguem reparar a viatura.

— Mas que raio de mecânicos são eles?

— São bons. Só que a avaria é grave e não conseguem arranjá-la. Têm de substituir material e não o têm. E vai levar tempo consegui-lo arranjar.

— Anda daí. Vamos ao edifício do comando falar com o capitão.

— O que é que se passa? — perguntou o capitão assim que nos viu entrar no gabinete dele.

— Continuamos com a viatura avariada.

— Não pode ser.

— Claro que pode ser. Não a conseguem arranjar.

— Não pode ser. Chamem-me os mecânicos.

— Ouviste, Monteiro? Faz-me um favor. Vai dizer aos mecânicos que venham aqui ao gabinete do nosso capitão. Ele quer falar-lhes.

Uns minutos depois, entrava o meu condutor com os mecânicos.

— Então o que é que se passa? — perguntou o capitão.

— Meu capitão, a avaria é mais séria do que pensávamos. Está ali trabalho para uma série de horas, sem contar que estamos sem o material necessário.

— Vejam lá se conseguem reparar a viatura durante a manhã, para despachar daqui o nosso alferes Ulisses.

— Não é possível. Não temos as peças necessárias.

— Então tem de se arranjar outra solução.

A solução só chegou às três da tarde. A viatura continuava impossível de arranjar. Ainda pensaram utilizar peças de outra que estivesse avariada no parque auto. Mas não conseguiram solucionar o problema. A única hipótese foi arranjar outro unimogue em bom estado e entregá-lo ao meu condutor. E eram quinze e trinta quando conseguimos arrancar para o Alto Zaza.

 

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