Planificação bruscamente alterada

Ontem, dia 8 de Dezembro, foi mais um feriado aí na Metrópole e um fim de semana prolongado. Para nós, um dia igual aos outros! E comecei bem este dia! Para não me aborrecer com a monotonia diária, logo pela manhã zanguei-me seriamente com o pessoal. No dia anterior, ao fim do dia, tinha indicado a secção que deveria ir, logo pela manhã, buscar o reabastecimento a Quimbele. E à hora a que deveriam sair, para poderem fazer as viagens de dia e com segurança, ainda não estava ninguém preparado.

Claro que quem teve de me ouvir não foram os soldados, mas o furriel responsável pela secção. Considerei isto como uma enorme irresponsabilidade e falta de cuidado, diria mesmo, desprezo, pela segurança própria e a alheia. O furriel esqueceu-se que mais importante que a própria vida é a vida dos homens que estão sob o seu comando. O furriel esqueceu que, se alguma coisa de grave acontecer, terá de prestar contas aos superiores e aos familiares...

Em resumo, alterei no momento tudo o que tinha planeado na véspera. Para não ter de ser mais rigoroso com o furriel, substituí-o pelo Donato, o furriel açoriano, e decidi ir também na coluna, alterando ligeiramente a missão que lhe tinha destinado.

— Em vez de irmos a Quimbele buscar o reabastecimento, a missão vai sofrer uma ligeira alteração. — disse em tom um tanto áspero aos furriéis e a quem me quis ouvir. Já não é possível ir a Quimbele e regressar no mesmo dia, sem termos de entrar pela noite dentro. A operação fica dividida em dois momentos: agora, de manhã, vamos à Cabaca passar uma revista às tropas GEs, e conhecer algumas povoações indígenas; a seguir ao almoço, seguimos para Quimbele, donde regressaremos no dia seguinte. O furriel Donato vai rapidamente reunir toda a secção, enquanto eu vou enfiar o camuflado e buscar a arma.

Enfiei rapidamente a roupa e coloquei as cartucheiras. Mas, pela primeira vez, tive o cuidado de colocar a tiracolo a máquina fotográfica, para registar os locais por onde andar.

Antes de sair do edifício do comando, chamei o furriel Rodrigues:

— A planificação de ontem foi toda alterada. Vou de manhã à Cabaca e, da parte da tarde, a Quimbele, buscar o reab. Mas não é para lhe dizer isto que o chamei. Tenho um pedido a fazer-lhe, apesar de não estar hoje de serviço. Tenho mais confiança em si.

— Diga, alferes, já sabe que pode contar sempre comigo.

— Há quase um mês que estamos aqui sozinhos e temo-nos esquecido de um pormenor...

— Temos esquecido um pormenor? Qual?

— Já reparou que as tendas de campanha onde o nosso pessoal dormiu, durante o período da sobreposição, se encontram ainda montadas e sem qualquer serventia? Além de serem um obstáculo nocturno, estão-se a deteriorar desnecessariamente.

— Ó alferes, é material da tropa! Não é nosso! O Estado é rico!

— Não é bem assim! Rico ou não, temos a obrigação de zelar pelas coisas que nos são confiadas. Além do mais, nunca sabemos quando poderão vir a prestar-nos serviço. Se se estragam, estamos séculos à espera que as substituam. E depois quem se lixa...

— É o mexilhão!

— Engana-se: não é o mexilhão, somos nós!

— Mas o que é que o alferes quer fazer?

— Muito simplesmente que o Rodrigues arranje um grupo de homens, que as desmonte e arrume convenientemente na arrecadação. Peço-lhe que tenha o cuidado de as mandar limpar antes de dobrar cuidadosamente. Se faltar alguma espia ou peça indispensável, agradeço-lhe que tome nota, para a mandarmos substituir. Posso contar consigo?

— Está certo, alferes. Quando regressar amanhã de Quimbele, vai encontrar tudo desmontado e arrumado.

— Acho bem, até porque daqui por um ano, pelo menos, voltarão a servir, quando for a nossa vez de sermos rendidos.

— São quatro tendas enormes! Vai dar para entreter o pessoal durante todo o dia! concluiu o furriel, antes de ir fazer o que lhe tinha pedido.

Já a manhã ia avançada quando fui para a viatura. O que nos vale é que a Cabaca é já ali. Ao subir para a viatura com a máquina fotográfica a tiracolo, um soldado manda uma boca:

— Ena, o meu alferes vai bem artilhado. Com máquina fotográfica nunca mais vai usar a arma. Vai ser um tal caçar imagens.

— E é mau? — perguntei, ao mesmo tempo que sorria com a observação do soldado. É melhor caçar imagens do que andar aos tiros sem ser à caça! Vocês gozam, gozam, mas quando virem as fotografias, vão começar a bater-se a elas, para ficarem no retrato.

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