Outra carta para a Guiné

Ao fim da tarde, já refrescado pela deliciosa banhoca, escrevi a um camarada tripeiro de Tomar, que teve o azar de ir para a Guiné. Foi uma carta que me ajudou a passar uns momentos agradáveis. Permitiu-me recordar bons momentos na bela e acolhedora cidade do Nabão.

Para não fugir ao prometido, vou passar a transcrever alguns excertos desta carta. Serão apenas aqueles em que não haja repetição de ideias, pois algumas foram também no aerograma anterior que escrevi para outros camaradas que se encontram no mesmo território. Eis alguns fragmentos do que escrevi:

«Alto Zaza, 7 de Dezembro de 1972

Amigo Vasquinho,

Como podes ver, ainda não esqueci o grande conquistador da Rua do Bonjardim, o camarada de Tomar a quem as miúdas do «Estrelas» não resistiam. Só espero que tu também não tenhas esquecido o camarada que te estimava e com quem sempre te entendeste bem, durante os curtos meses que passámos como aspirantes.

Ainda te lembras das nossas passeatas pelos arredores de Tomar e das nossas renhidas partidas de bilhar e de matraquilhos? Sempre eram uns bons tempos, esses passados nas margens do Nabão!

Como vês pela data do aerograma, encontro-me já no nordeste de Angola, muito perto da fronteira...

(...) Na madrugada de ontem, dia 6, pelas duas da manhã, houve uma tentativa de entrada no aquartelamento. Felizmente as sentinelas estavam atentas e deram rapidamente o alarme. Passámos toda a madrugada nos abrigos. (...)

(...) Embora se possa pensar o contrário, esta tentativa de assalto foi benéfica para todos nós. Desde que aqui cheguei, nunca consegui convencer plenamente o pessoal de que estávamos numa zona cem por cento perigosa. Depois disto, não imaginas como os comportamentos se alteraram. Toda a malta ficou mais unida e receptiva aos meus conselhos. A primeira coisa que fizeram, no dia seguinte ao susto, foi pedirem enxadas e pás para irem melhorar os abrigos. Houve mesmo quem chegasse ao exagero de abrir valas com um metro de profundidade, tendo colocado na frente um largo parapeito de terra batida com frestas adequadas para poderem responder a qualquer ataque. Nas zonas mais difíceis, chegaram mesmo a cobrir os abrigos com chapa e uma grande camada de terra com meio metro de altura, para uma maior protecção.

Tal como dizia Confúcio, «quem tem cu tem medo». Ora foi precisamente o que sucedeu a toda a gente. E como todos querem ter essa dita parte do corpo em segurança, os cuidados aumentaram sem necessidade de imposição. (...)»

O aerograma que vos acabo de transcrever apresentava mais alguns parágrafos e as habituais despedidas e desejos de boas festas. Todavia, achei dever seleccionar apenas as partes mais interessantes. Deixemos as transcrições de correspondência e retomemos o relato dos acontecimentos.

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