Operação máquina fotográfica

Retomemos os factos no momento em que ficámos. Mais uma noite passou. Desta vez, com grande rapidez! Talvez porque o cansaço das duas longas caminhadas de anteontem pela área circundante do quartel, que me atiraram à cama, ainda não tivesse passado completamente. A verdade é que a noite de 29 para 30 passou repentinamente. Se alguma vez acordei durante a noite, como é frequente aqui nesta zona, a verdade é que não me lembro. Das vivências sonhadas também não ficou o menor vestígio. Tudo o que me lembra é que, antes de adormecer, dei a conhecer aos furriéis que no dia seguinte, 30 de Novembro, iria com uma secção a Quimbele. O objectivo não era apenas dar conta da Acção Espoleta 9, que foi mais um pretexto, mas sim ir buscar a máquina fotográfica e acabar de vez com esta ideia fixa, que me perseguia há já uns tempos. E lembro-me claramente das ordens dadas após o jantar:

— Amanhã, vou com uma secção a Quimbele. Além de ir dar conta da acção que fizemos, pretendo ir buscar uma máquina fotográfica. Foi o Teodoro que me acompanhou no dia em que a descobri. Se estiver interessado, poderá ir comigo em vez do furriel a quem competia ir.

— Se os meus colegas não se importarem, alferes, terei todo o prazer em acompanhá-lo. De mais a mais, quero também ver alguns modelos mais baratuchos. Não posso ir para uma máquina tão cara como a do alferes... até porque não percebo nada de fotografia. Tem que ser uma que seja só apontar e disparar.

Eram precisamente 11.30 de uma esplêndida manhã, último dia de Novembro, quando parámos a berliet diante da messe de oficiais. Antes do pessoal dispersar, dei as necessárias ordens, primeiro ao condutor e cabo do depósito de géneros, depois ao restante pessoal:

— Sousa, vais atestar a berliet e verificar se está tudo em ordem. Depois do almoço, vais com o nosso 1º cabo Ferreira, do Depósito de Géneros, mais alguns soldados, à cantina da Companhia, para ver o que há para levar de reabastecimento. O regresso ao Alto Zaza — disse para todo o pessoal — será às 17.45 em ponto, isto é, às seis horas menos um quarto. Toda a malta tem de se encontrar às cinco e meia junto ao refeitório e cantina da Companhia, onde estará a viatura. Às seis menos um quarto, já com todo o pessoal, a viatura estará aqui neste local. A esta hora, rigorosamente, estarei com o furriel à espera. Até à hora de embarque, aproveitem bem para descansar e dar uma volta por Quimbele. Não voltaremos cá nos próximos tempos.

— E nós, alferes? — perguntou o furriel Teodoro.

— Vamos largar as armas e as cartucheiras e encontramo-nos em frente à igreja dentro de quinze minutos, mais coisa menos coisa. Antes, terei de passar pelo comando. Não vou demorar.

— Muito bom dia. Cá estamos de novo.

— Bom dia, Senhor Alferes e companhia. De novo por cá, em Quimbele?

— É como vê! A necessidade faz-nos andar de um lado para o outro. E não só!

— Quer dizer que o meu alferes veio também com outras ideias... Sempre é desta vez que se vai decidir a levar a máquina...

— É como diz. A vontade de ficar com ela é muita, mas...

— Não me diga que o alferes ainda está com hesitações... É problema de dinheiro?

— Como é que adivinhou?

— Vê-se bem... Mas não tem razões para isso. Se não levou a máquina no primeiro dia que nos conhecemos foi porque não quis...

— Não gosto de andar com nada que não me pertença...

— Não gosta, mas anda. Não diga que as viaturas e as armas com que anda lhe pertencem?

— Isso é outra história! Bem gostava de não ter de andar com elas! Dispensava-as bem. E com gosto ou sem ele, não o posso evitar. Mas isso não me altera os princípios. Habituei-me desde sempre a só andar com aquilo que me pertence. E quando compro alguma coisa, é pagar e andar. Só que, nesta altura, ainda não recebemos qualquer vencimento. Segundo o capitão, só lá para o final deste mês, se não for o próximo. Mas também o que recebo por mês não dá para pagar a máquina de uma só vez!

— O alferes não tem problemas. Paga-me metade quando receber o primeiro vencimento. E o resto depois. E já que está com tantos problemas, o primeiro rolo para experiência da máquina sou eu que lho dou.

— E depois para revelar e fazer as fotografias? Aqui em Quimbele não há fotógrafo.

— Não tem que se preocupar. Entregue-me aqui os rolos, que eu encarrego-me de os mandar revelar. Se forem a preto e branco, vão para Sanza Pombo. Vão num dia e vêm no outro. Se forem a cores é que leva mais de tempo. Terei de os mandar para um laboratório em Luanda. E o furriel, não vai levar nenhuma máquina?

— Eu também estou interessado. Mas das baratinhas e sem complicações.

Pouco depois, saíamos os dois da loja devidamente munidos com as nossas registadoras de imagens. Separámo-nos para irmos almoçar nas messes respectivas.

Apesar da excitação do novo brinquedo, o mais incrível é que não tirei qualquer fotografia neste dia. Às 17:45 em ponto, estávamos a partir em direcção ao Alto Zaza. Às 19:15 passávamos a porta de armas do aquartelamento, após uma viagem rapidíssima e sem qualquer imprevisto. O jantar e o serão com os furriéis, após os serviços da rotina, foram passados na conversa e análise das características das máquinas adquiridas.

Previous Home Next