Recuperação da viatura acidentada

São agora sete horas e trinta do dia 26 de Novembro. Apesar de ser Domingo, há grande actividade no quartel. Na hora do pequeno-almoço, aproveito a presença dos furriéis para transmitir as minhas ordens:

— Ramalho, depois do pequeno-almoço, reúna uma secção para ir buscar a viatura que ficou na picada, próximo de Camutebe. Não se esqueça de levar o mecânico, que veio anteontem comigo de Quimbele.

— Que viaturas é que devo levar, alferes Ulisses?

— Vai ter de levar a berliet. Verifique se o guincho está devidamente montado e operacional. A viatura acidentada está voltada junto à picada e vão precisar dele para a porem direita. Pode ser que esteja em condições de vir pelos próprios meios. Mas para isso lá estará o mecânico. Mesmo que tenha de vir devagar, sempre será mais rápido do que trazê-la a reboque.

— O alferes escolheu um mau dia para isto! Hoje é Domingo, é dia de descanso diz o Donato.

— E que importa que seja Domingo? Aqui no meio do mato todos os dias são iguais. É um dia como outro qualquer. Para descanso já chegou ontem, em que não se fez praticamente nada. O melhor descanso é ter o pessoal ocupado. É muito melhor do que andarem por aí a vaguear, sem saberem como gastar o tempo. O trabalho é a maneira mais fácil de afastar o tédio.

— O alferes é tramado! Tem sempre resposta para tudo!

— Mas não será verdade o que acabo de dizer, Donato? Acha melhor ter o pessoal aborrecido, sem nada com que ocupar o tempo, a pegarem-se uns com os outros?

— Tem toda a razão, alferes! —diz o Rodrigues. É melhor do que gastarem o tempo a jogar às cartas e a encharcarem-se em cerveja. Com o álcool a toldar-lhes a cornadura, acabam os jogos na discussão e às vezes à pancada. Ocupados, não têm tempo para aborrecimentos e disparates.

— Chega de conversa. É preciso que o Ramalho se despache, se quiser estar cá cedo e ainda de dia.

— E o almoço? De certeza que antes da noite não estamos no quartel.

— Rações de combate para toda a gente — acrescenta o Teodoro, metendo a sua colherada na conversa.

— Claro, bem metida essa! As rações de combate não são só para quando se anda no meio do mato. São também para todas as situações que as justifiquem. E como ninguém pode trabalhar de barriga vazia, são muito boas para estas situações imprevistas.

— Eu podia ir com o Ramalho — disse o Teodoro. Sempre somos dois graduados... e além disso sempre é melhor do que estar aqui o dia inteiro sem nada para fazer. Se o alferes não se importar?

— Claro que não. Se quer ir com o Ramalho, estou plenamente de acordo. Não tenho nada contra.

— O alferes disse que era para a zona do Camutebe, mas a viatura está é perto da Camuanga. observou o furriel Rodrigues.

— Eu disse Camutebe? Se o disse foi por engano... Aliás, disse, e muito bem! Não me enganei. É Camutebe. Não se lembra que foi lá que pernoitámos? Ah!... Agora me lembro, quem lá pernoitou fui eu e os soldados. O Rodrigues regressou ao Alto Zaza para vir cá buscar ajuda. Mas entrou na povoação a pé. Não se lembra que teve o acidente?

— Tem toda a razão. Não sei onde fui buscar a Camuanga...

— É fácil a confusão. Os nomes são parecidos. E a Camuanga é uma sanzala importante da nossa zona. É lá que temos um destacamento de outra companhia, que veio dar-nos apoio, dada a vastidão da área que nos foi atribuída. Está dependente de nós e iremos ter de lá ir em breve, pois somos nós que lhes fornecemos o abastecimento.

Desfeita a confusão de nomes, em breve o pessoal deixava o destacamento para ir resgatar a viatura acidentada. O resto do dia decorreu dentro da rotina habitual.

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