Fuga desesperada

O condutor, bastante atrapalhado, acciona bruscamente a pequena alavanca do travão de mão, abre a porta e atira-se de qualquer maneira da cabina da viatura, caindo desastradamente na picada. Desliza também sem controlo. Vai parar junto do grupo de soldados acumulados perto do pontão e que começam a levantar-se, cambaleantes, para logo atravessarem o pontão para o outro lado. Quando reajo e me preparo para fugir, já é tarde demais. Começo a sentir-me atingido na cara e no queixo. Luto desesperadamente. Procuro com as unhas, como se fossem ancinhos, impedir a penetração na barba daqueles pequenos projécteis pretos e velozes. Enfiam-se pela barba já espessa e cravam-me os dardos na carne. É um enxame de umas malvadas vespas pretas, pequeninas e brilhantes, de um tipo que nunca vi na vida. Estão furiosas. Penetram rapidamente em todos os sítios, injectando-nos agulhas que nos provocam uma dor aguda e súbita. Lanço-me desesperadamente da viatura. Como os outros, mal toco o solo escorregadio, deslizo estatelado e sem controlo sobre aquela película viscosa de argila, de um vermelho vivo.

Quando chego ao fundo, o pessoal que saltara pouco tempo antes procura levantar-se rapidamente, para não ser atingido pelos que lhes seguem o rasto, e atravessam o pontão. Olhamos uns para os outros e, meio doridos, meio estonteados, procuramos avaliar os estragos sofridos. Caras e mãos foram as zonas mais atingidas.

De repente, um grito dá o alarme:

— Fujam depressa! Parece que a viatura começa a escorregar pela ladeira. Vai-nos esmagar.

Mas não. A viatura descai ligeiramente mas fica lá em cima, mesmo no meio da subida, imóvel sob uma nuvem escura de vespas pretas, que giram em todos os sentidos fazendo um ligeiro zumbido, que se consegue ouvir distintamente, apesar de nos mantermos afastados.

Não nos resta fazer outra coisa senão esperar que elas acalmem. Entretanto, vamo-nos apalpando e olhando uns para os outros. O nosso aspecto é simultaneamente deplorável e ridículo. Os camuflados mudaram completamente de equipa. De verdes passaram para vermelho. Estão empapados com uma argila escorregadia que os torna de um vermelho brilhante. Felizmente ninguém tem nada partido. Apenas nos ficou o susto e uma quantidade de pequenos vulcões, espalhados pelas zonas não cobertas pelo camuflado. E até mesmo a dor, inicialmente aguda, ficou em breve reduzida a uma ténue impressão. Tudo o que resta é apenas uma sensação incómoda, motivada pelos pequenos montículos que nos esticam a pele e a tornam brilhante.

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