Um ataque no regresso ao Alto Zaza

Quando fui tomar a bica ao Briosa Bar, já lá estava o furriel Teodoro. Desta vez não tinha nem o capitão nem os outros alferes para a costumada partida de póquer. De modo que me limitei a conversar com o furriel, com o dono do café e com os civis que também lá estavam. Não pudemos ir para a esplanada, porque chovia copiosamente. Avisei os soldados que andavam por perto que arrancaríamos para o Alto Zaza logo que as nuvens passassem e voltássemos a ter sol e azul.

— Alferes, está na hora de arrancarmos — disseram-me alguns soldados que apareceram na esplanada. Já passou a chuva e temos bom tempo para o regresso.

— Furriel, disse eu, está na hora de zarparmos. Mande avisar o condutor e o mecânico, que vai connosco para o Alto Zaza, que arrancamos dentro de meia hora. São agora quase duas horas e temos o tempo necessário para fazermos toda a viagem de dia até ao destacamento.

A viagem de regresso faz-se com certa prudência. A estrada brilha ao sol e uma ligeira névoa eleva-se do alcatrão, aconselhando-nos prudência, para evitar qualquer derrapagem.

Entrados na zona de picada, não encontramos poeira, como prevíramos. Mas antes a tivéssemos encontrado, que andaríamos com mais facilidade. Em algumas zonas, a terra está encharcadíssima e somos obrigados a andar devagar, com muita prudência. Se o não fizermos, arriscamo-nos a escorregar para a zona da mata. Todavia, lá vamos andando sem grandes problemas, com toda a cautela, sob um sol que teima em secar rapidamente a chuva que momentos antes caiu.

Passamos o primeiro entroncamento, onde se corta para as sanzalas de Quissassumuna, Quimambuenha e Quissala, que não conheço. Sei-lhes o nome, porque tenho na minha frente, sobre os joelhos, a carta topográfica, que costumo trazer sempre comigo, dobrada várias vezes até obter um rectângulo que me permite metê-la no bolso largo das calças do camuflado, colocado ao longo da coxa direita.

Não sei se já vos disse, mas andamos sempre de camuflado e devidamente armados, quando temos que nos deslocar. Temos até um lenço especial de seda, que imita a pele de um tigre, que nunca usamos, apesar de nos ter sido distribuído. Isto seria uma maneira cómoda para os terroristas, em qualquer lado, identificarem os Tigres de Sanza, nome por que é conhecido o batalhão. Ninguém é suficientemente tolo para ir nestas ideias mirabolantes do comandante de batalhão. Isto é bom para ele, que raramente se desloca sem ser de avião ou de helicóptero ou, se o faz por picada, sempre acompanhado de uma grande força de segurança. Em regra, quem se lixa aqui em Angola e nas outras províncias não são os profissionais da guerra, mas os milicianos como nós. E como os oficiais milicianos não são estúpidos, não alinham em ideias teoricamente muito lindas, mas que na prática lhes podem ser fatais.

Aqui estou eu outra vez a entrar em digressões! Por momentos esqueci-me da viagem e entrei no mundo das reflexões. Entretanto, a viagem vai prosseguindo lentamente. Estamos neste momento a descer com muita prudência até um pontão, que atravessa uma linha de água situada no fundo de um vale. A estrada é argilosa e o condutor redobrou de cuidados, pois tem dificuldade em manter uma linha recta. O piso está escorregadio.

Passamos agora o pontão, situado mesmo no centro de uma curva para a esquerda, a que se segue uma subida bastante íngreme em linha recta. No bordo da picada, de um e outro lado, há uma mata cerrada com árvores altíssimas e verdejantes, com folhas de um verde vidrado e luminoso do esmalte escorregadio e puro que caiu das nuvens. As folhas, lá no alto, brilham sob os raios do sol, recortando-se no azul forte e luminoso do céu.

Conseguimos já chegar até meio da subida, mas não passamos daqui. A subida tornou-se ligeiramente mais íngreme na zona onde a mata é mais densa. A berliet não avança, apesar do condutor lhe carregar no acelerador. As rodas giram sobre a camada argilosa e não saem do mesmo sítio. O condutor tira o pé do acelerador e mete o travão de mão. Procura jogar com a embraiagem e o acelerador. Levanta o pé de um e carrega simultaneamente no outro, ao mesmo tempo que roda a pequena alavanca do travão de mão. Em vão! As rodas voltam a girar em falso e a viatura não sai do mesmo lugar. Do tubo de escape, que se eleva na vertical, sai uma grande quantidade de fumo negro de cada vez que o condutor tenta em vão vencer a resistência da inércia. Tudo é inútil! As rodas teimam sempre em girar sem avançar um milímetro.

Subitamente, passa um soldado a deslizar descontroladamente sobre a argila da picada. Passa outro e mais outro, completamente estatelados no chão e em rodopio. Os soldados estão a atirar-se de qualquer maneira da caixa da berliet e deslizam descontroladamente, só parando no fundo da descida, uns em cima dos outros, junto ao pontão.

De repente, um dos soldados grita-me:

— Alferes, fuja depressa, que estamos a ser atacados!

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