Distribuição das rações de combate

Vamos então ao relato dos acontecimentos. Neste momento já não estou no dia vinte e cinco de Novembro de 1972. Acabo de dar um pequeno salto na máquina do tempo, um salto de apenas vinte e quatro horas.

São neste momento oito da manhã. Aqui dentro do quartel reina uma grande azáfama. Tenho os vinte GEs, comandados pelo chefe Simão, formados mesmo em frente à porta do comando, isto é, do edifício pré-fabricado onde tenho o quarto e o gabinete de trabalho.

O soldado cantineiro anda, neste preciso instante, a efectuar a distribuição das caixas de ração de combate aos GEs, três caixas para cada um. No chão só se vêem caixas de cartão vazias e embalagens de plástico. Como cada caixa de ração de combate, com as dimensões aproximadas de uma caixa de sapatos, ocupa muito espaço, a prática corrente consiste em retirar as latas circulares ou rectangulares de comida e metê-las nas mochilas. Não estou a ser exacto. Sejamos um pouco mais precisos. Cada caixa de ração de combate contém o suficiente para a alimentação de um dia e, se controlarmos bem a dieta, ainda sobra qualquer coisa para as horas seguintes. O conteúdo, embora idêntico, é variável de caixa para caixa. Nunca sabemos rigorosamente o que é que lá vem dentro. A dotação de cada caixa é constituída por sumos concentrados, uma bisnaga idêntica à da pasta dos dentes, mas cheia de leite condensado, bastante nutritivo e açucarado, que dá para fazer à vontade, se diluído em água, um litro de leite. Traz também uma tablete de chocolate, uma embalagem de sobremesa, geralmente uma espécie de cubos de geleia compacta com gostos de frutos variados, e as latas com carne ou conservas de peixe, que são variáveis de caixa para caixa nos seus conteúdos. Pode calhar-nos dobrada enlatada, sardinhas macho ou fêmea ou atum de conserva, feijão branco com chispe, em suma, uma grande variedade de ementas diferentes.

Calma, já sei o que sucedeu ao lerem o parágrafo anterior. Estão aí a interrogar-se como é que nós sabemos se as sardinhas das latas são macho ou fêmea. Claro está que isso é impossível distinguir. Nós é que costumamos brincar, dizendo que as que vêm com molho de tomate são machos; as que trazem molho de piripiri e são picantes são fêmeas.

De modo que, como vos dizia, antes de se guardarem os mantimentos nas mochilas, há sempre uma fase de grande agitação e curiosidade, em que se abrem as caixas e se vê o que nos calha de cada vez e em que se trocam os conteúdos, em função dos gostos e apetites de cada um. No final, quem sofre as consequências de todo este frenesim é o pessoal que cá fica. Quando sai a coluna para a operação, é necessário proceder à limpeza de todo o lixo que fica em frente ao edifício do comando. Não distribuímos as rações na parada, mas aqui mesmo em frente ao meu gabinete, porque temos ao lado a arrecadação de géneros e torna-se mais rápida a distribuição.

Com todo o pessoal da operação fora do aquartelamento, é a vez dos miúdos da sanzala procederem ao trabalho de limpeza, pois já foram antecipadamente pagos com diversas gulodices pelo trabalho que agora têm de executar. Há sempre uma tablete de chocolate ou um tubo de leite condensado, uma lata de carne com feijões ou de conserva de peixe que não se quer levar para aliviar o peso das mochilas e que eles guardam gulosamente. Assim, não fazem nada de especial em limparem o chão. E bem gostariam de ter de o fazer muitas vezes, pois seria para eles um bom evento!

As rações de combate foram apenas distribuídas aos GEs. Nós que os vamos levar a Quimbele não precisamos delas para nada, pois a nossa missão desta vez é apenas de transporte. Neste momento, já tenho o meu pessoal e os GEs distribuídos no banco central da caixa da berliet. Na cabina, além do condutor e de mim, vai também o furriel açoriano, o Donato, que eu destaquei para me ajudar e comandar a secção. Embora seja eu o comandante, levo sempre comigo um ou dois furrieis, responsáveis pelas secções respectivas. No caso da minha ausência, como já aconteceu com a ida ao Canduto, o comando do grupo passa para o furriel, responsável pela segurança dos homens que lhe estão subordinados. E, na sua ausência, o comando passaria para o elemento mais graduado, sempre por ordem decrescente das patentes. A minha função, desta vez, é levar os homens a Quimbele e regressar o mais cedo possível ao Alto Zaza, para poder ficar na companhia do pessoal que está comigo e também na vossa, quando me sento para relatar-vos os acontecimentos de maior interesse.

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