Visita a três sanzalas




Como dizia lá mais para trás, a primeira povoação visitada foi a Cabaca, onde me foram apresentados os GEs. A Cabaca é uma povoação dupla, situada ao longo da picada e numa zona elevada, tendo na orla a mata e, nas zonas mais baixas, junto das linhas de água, as lavras. Como todas as povoações indígenas, é constituída por cubatas rectangulares feitas com troncos finos e compridos, que constituem o esqueleto principal da casa, e de ramos mais finos entrelaçados em ziguezague entre as estacas verticais. O tecto inclinado é feito com diversas camadas de folhas ou de colmo e constitui uma protecção eficiente mesmo com as fortes chuvadas que aqui são frequentes. A grande maioria não possui janelas, sendo a porta, também feita com troncos, a única abertura por onde entram a luz e as pessoas. É uma povoação dupla, uma vez que existem duas zonas de cubatas separadas, uma das quais ocupada pelo Grupo Especial 201.

Além da Cabaca, visitei ainda, na companhia do alferes Manata, três senzalas: Massema, Cazôa e Camutebe.

Massema é uma povoação localizada numa bifurcação da picada. Cortando-se para a direita, vai-se ter a povoações bastante afastadas do Alto Zaza, onde se encontram grupos militares sob omeu comando directo, a quem tenho de dar apoio e fornecer os reabastecimentos. Como para os visitar seria necessário o dia inteiro e, da parte da tarde, era a despedida do pessoal que viemos render, tomámos o caminho da esquerda. Passámos pela povoação de Cazôa, onde conheci o soba, e prosseguimos até ao fim da picada, que termina na povoação de Camutebe. De acordo com a carta topográfica que tenho aqui na minha frente e que estou a consultar neste momento, para rever a localização das povoações, próximo desta última povoação fica a lagoa de Macossi, à qual só é possível chegar a pé e abrindo caminho à catanada pelo meio da selva. Tenho pena de não ter tomado nota da quilometragem quando lá me desloquei. E pela carta topográfica também não consigo avaliar rigorosamente a distância. O mapa que possuo está já bastante usado e, para azar meu, falta-lhe parte do canto onde deveria estar a escala.

Estão neste momento a perguntarem o que quero dizer com «abrir o caminho à catanada». De facto, esta expressão é desconhecida aí na metrópole. Só descobri o que é uma catana quando cheguei ao destacamento do Alto Zaza. A catana é uma faca comprida, melhor dizendo, um facalhão, com uns cinquenta centímetros ou mais de comprimento, uma lâmina com a largura de uma mão e um cabo de madeira. É um objecto importante no meio da selva, podendo servir como arma e como utensílio para diversos fins: cortar e arranjar os troncos de árvores para as cubatas, cortar a lenha para o lume, como se fosse um machado, cortar o capim, que chega a alcançar duas vezes a altura de um homem, e abrir caminho pelo meio da mata, em zonas onde a vegetação é tão cerrada que nem um braço se conseguiria fazer passar sem o desbaste de troncos e ramos. E se algum perigo imprevisto saltar do meio do mato, poderá servir como arma de defesa, pois a sua lâmina de aço, sempre bem afiada, sob o impulso do braço constitui uma guilhotina de grande penetração.

Com a existência de várias povoações, algumas protegidas por grupos militares, a toda a volta do planalto do Alto Zaza, as probabilidades de sermos atacados por terroristas devem ser reduzidas. No entanto, como a mata cerrada à nossa volta constitui uma boa cobertura para infiltração de grupos, somos obrigados a ter sempre pessoal de sentinela. Durante o dia, basta uma só à entrada do aquartelamento e mais duas em locais que permitam uma boa cobertura de toda a área. De noite, o número de sentinelas aumenta significativamente. Bastará dizer-lhes que o seu número é elevado, estando os homens colocados em locais protegidos e estrategicamente eficazes. E sobre isto prefiro não dizer mais nada, não vá o Diabo tecê-las.



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