Escrita acabada pela trovoada

Com tantos quilómetros de escrita, estou neste momento sem saber quais os tópicos já abordados e os que falta ainda tratar. Como as palavras me têm saído de acordo com um certo encadeamento lógico das ideias, quase ao correr da pena, acabei por me esquecer da sequência que indiquei no começo da carta. E, sinceramente, não me está nada a apetecer pegar no monte de aerogramas já escritos.

Acabo de ser sobressaltado por um estrondo prolongado e distante, antecedido por clarões que iluminam o céu. Por enquanto, a trovoada ainda está longe. Mas não tarda que esteja sobre nós e o céu nos despeje em cima as nuvens. Nota-se na própria atmosfera que a chuva está eminente. E é bom que caia em abundância, apesar do barulho incómodo que faz sobre a chaparia de zinco do telhado. Pelo menos, o ar ficará mais fresco, poderei sentir o cheiro agradável da terra dessedentada e encher-nos-á os bidões de duzentos litros com água pura, poupando-nos o trabalho da ida ao rio.

Como a trovoada é um fenómeno que me causa prazer e respeito e pretendo desfrutá-la em toda a sua beleza, vou procurar resumir tudo o que pretendo dizer-vos na próxima meia hora, se é que ela irá levar esse tempo a chegar junto de nós.

Creio que da listagem de tópicos apenas me falta referir a maneira como elaborei o ficheiro do meu pessoal, as relações que tenho tido com eles, a minha primeira ida a Quimbele, no passado fim de semana, e as diversas ocorrências desde segunda feira, dia 20, até hoje. Como tenho tudo assente na minha agenda, vai ser fácil reconstituir os acontecimentos.

Afinal, vou parar por aqui. A trovoada está-se a aproximar com incrível rapidez. Começou agora mesmo a cair uma enorme carga de água, que provoca um barulho ensurdecedor e me não deixa concentrar. Amanhã é sábado e não tenho nada previsto. Espero ter todo o dia livre para estar convosco, ainda que através destes aerogramas.

Um beijo para os dois.

P.S. - Agradeço que me informem se têm recebido os meus aerogramas e que me dêem notícias daí. Não imaginam o prazer que dá receber correspondência e a decepção com que se fica quando são os outros apenas a receberem-na. Quando nada se recebe, no fim da distribuição, fica-nos uma sensação de vazio. O que vale é que lemos a correspondência uns dos outros. Esta prática é corrente entre os soldados e também ocorre entre mim e os furrieis. Desta maneira, partilhamos os momentos de prazer e amenizamos os momentos de tristeza. Ah, é verdade, o pai que não se esqueça do problema que lhe propus. Ainda se lembra qual é?

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