Passagem do quartel para o papel |
Debaixo de um sol escaldante, passei a manhã a efectuar as medições com a ajuda dos dois furrieis. Enquanto iam esticando a improvisada fita métrica, eu tomava nota rigorosa de todas as medidas. Ao fim de algum tempo, deixámos mesmo de estar sós. A pouco e pouco, foram-se juntando alguns mirones. No campo em frente ao edifício de comando, estavam vários soldados entretidos num desafio de futebol. Em breve, a curiosidade foi mais forte que a vontade de jogar. E começaram a aproximar-se de nós, para saberem o que estávamos a fazer. Por um lado, satisfaziam a curiosidade; por outro, encontravam na nossa actividade uma forma diferente e pouco habitual de ocuparem o tempo.
No fim da manhã, tínhamos todos os dados para a elaboração de um plano de defesa. Com todas as medidas, fiquei a saber que o destacamento apresenta uma área muito considerável, com a forma de um trapézio rectângulo. A base maior, em frente ao comando e na zona do campo de futebol, tem 175 metros; a menor, 121 metros; o lado perpendicular às bases, situado do lado da pista de aviação, tem 96 metros; o lado oposto, oblíquo, situado na zona da cozinha e ao lado de uma picada, tem 107,5 metros.
O pai, que é professor primário, a partir dos dados que lhe envio, poderá fazer as contas e avaliar a
área desta superfície. Aproveite o problema e resolva-o com os seus alunos e diga-me depois os resultados. Cá aguardo a sua carta com a solução.
A parte da tarde é ocupada, durante um bom pedaço de tempo, a desenhar a planta do quartel em papel quadriculado, utilizando os valores obtidos durante as medições. E não estou sozinho. O furriel Rodrigues faz-me companhia durante todo este tempo. E como estou a fazer a planta na escala de 1:500, estou permanentemente a fazer contas para conversão em centímetros, de modo a poder situar com precisão todos os edifícios e abrigos do quartel. O furriel faz as mesmas operações que eu; e deste modo controlamos os resultados.
Estou agora a observar a planta elaborada. Pondo de lado a modéstia, tenho de lhes dizer que a planta está bem feita e com bastante rigor. Para ser uma cópia perfeita da realidade, só lhe falta marcar a localização das muitas árvores disseminadas pela área do quartel, que nos dão uma sombra benfazeja, sem a qual as temperaturas atingiriam valores mais elevados e difíceis de suportar. E mesmo sem a ajuda das árvores, temos muita sorte com o clima da região. Como estamos num planalto, a uma altitude muito razoável, onde não faltam brisas suaves que me fazem lembrar por vezes as nortadas, as temperaturas aqui não são muito maiores que as do Verão em Portugal numa região à beira-mar.
Esta planta, quando sair daqui, não há-de ficar cá. Hei-de a levar com toda a papelada que for arquivando. Dentro de alguns anos, se lá chegar, há-de ser interessante olhar para ela e recordar como era o local onde vou ter de passar, pelo menos, um longo ano da minha existência.
Já repararam que ainda não disse nada de relevante e de comprometedor acerca do plano de defesa elaborado? Mesmo que tenha o azar da correspondência se extraviar ou de ser lida por alguns olhos pidescos, não encontrarão aqui nada de censurável. E como sei que as pessoas que vão receber estas cartas são precisamente aquelas que mais interesse têm na minha segurança, estou perfeitamente descansado. E este descanso é reforçado pelo facto de saber que, ao lerem tudo isto, ficarão também descansados por saberem que estou de perfeita saúde e que, em matéria de segurança, não a deixo andar por mãos alheias. |
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