Problema de fita métrica

A refeição decorreu normalmente, condimentada por amena cavaqueira em que se abordaram diversos temas, especialmente os acontecimentos da véspera e a sorte dos que partiam, com um ano já cumprido e o nosso ainda no começo. Ainda não acabáramos completamente o breve convívio do pequeno-almoço e já o furriel Rodrigues me interpelava, preocupado com o trabalho programado:

— Alferes Ulisses, por onde é que vamos começar?

— Pelo princípio, como é lógico. Em primeiro lugar, vamos ter de conhecer muito bem o nosso quartel. Como não há planta minuciosa do local, vamos ter de começar por aí.

— E como é que vamos fazer para isso?

— Como disse há pouco! Vamos começar precisamente pelo princípio, ou seja, vamos percorrer toda a área e tirar-lhe rigorosamente as medidas. O Donato vai fazer-me o favor de ir à arrecadação e requisitar uma fita métrica.

— E se não houver?

— Há! Tem de haver uma fita métrica no quartel. Sei tudo o que existe neste aquartelamento e nada me escapa. Até os pregos e parafusos com que este edifício foi construído estão sob o meu controlo. Mas a sua pergunta é pertinente! Não me lembro de ter visto nenhuma fita métrica durante a conferência do material. Vamos tirar a prova. Vamos consultar os documentos que elaborei durante a transmissão das instalações.

Levantei-me, fui ao gabinete buscar a pasta de documentos e regressei à mesa. Um dos furriéis afastou as canecas e talheres para colocar a pasta. Aproximaram-se de mim e começámos a folhear, um a um, os documentos elaborados.

— Agora percebo a sua frase de há pouco — disse o Teodoro. De facto, só lhe falta anotar o número de pregos, porcas e parafusos com que os edifícios foram feitos.

E fomos folheando o maço de folhas. Logo a primeira, era a das faltas que eu registara, entre as quais se destacava a falta de planos de defesa do quartel. Passámos tudo em revista: mapas e instrumentos de orientação e observação; dotação do equipamento de comunicações; dotação da cozinha e refeitório; material bélico diverso; dotação da messe; dotação das casernas, com camas, colchões e diversos; ferramentas de pedreiro, carpinteiro, etc.; em suma, observámos tudo de uma ponta à outra e... nem uma fita métrica!

— E agora? — perguntaram e olharam os furriéis para mim, talvez com uma certa ponta de ironia, pensando como é que o alferes iria descalçar a bota.

— A solução é das mais fáceis! — disse-lhes eu, sem dar logo a conhecer a solução, para aumentar a expectativa.

Verifiquei que olharam uns para os outros, um tanto intrigados. A expectativa atingira o clímax. Fui ao gabinete buscar uma régua que recebera, juntamente com material de expediente. Peguei na enorme bobina de cordel cinzento, com que fazemos os embrulhos das encomendas para envio pelos correios e no frasco de verniz corrector de stencil. Regressei à mesa e pedi que me tirassem tudo de cima. Depois, com a ajuda da régua e de um lápis, marquei no bordo da mesa a distância rigorosa de um metro, para darmos início à construção da fita métrica.

A partir daqui, viram logo qual era a ideia. Para termos uma fita métrica com precisão e de fácil leitura, demos um nó no fio de metro em metro. E esta operação foi-se desenrolando até termos um total de 50 metros. Para transportarmos o instrumento de medida, utilizámos um rectângulo de cartão, em cujas extremidades cortámos uma secção em U, para aí podermos enrolar o fio. Para uma maior facilidade de leitura durante as medições, pintámos os nós, de cinco em cinco metros, com o verniz vermelho do corrector. E se não tivéssemos o verniz? Tínhamos connosco o lacre com que fechamos a correspondência e os volumes de maior responsabilidade. Todo este trabalho de construção de uma fita métrica acabou por se tornar uma actividade participada por todos e rapidamente realizada.

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