Mariscada em Luanda



Agora, antes de falar do local onde me encontro e dos problemas em que me vejo envolvido nesta nova situação, vou procurar dar continuidade aos relatos das duas cartas anteriores. Vou procurar pôr-vos a par de tudo quanto se passou entre oito e vinte e dois de Novembro, recorrendo aos registos mais ou menos minuciosos da minha agenda. É como um diário de bordo, que anda sempre comigo e onde registo tudo quanto se passa.

Como certamente se recordam, no dia 8 de Novembro calhou-me o serviço de Oficial de Dia, pelo que passei a maior parte do tempo no Grafanil. Ocupei os momentos livres a escrever e a fazer umas paciências, até que, pelas dezoito horas, fui substituído por outro oficial.

Fui para o edifício onde estamos instalados. Tomei um duche e vesti-me à civil. Por volta das dezoito e trinta, saí para Luanda, na companhia do Capitão e dos colegas Vieira e Raul. Como éramos quatro, decidimos ir jantar uma mariscada num dos muitos restaurantes situados na ilha de Luanda. Tivemos algumas hesitações. Os restaurantes são muitos e todos eles com excelente aspecto, o que torna difícil a escolha. Quase à sorte, entrámos num. Chama-se Restinga. O seu aspecto é muito agradável. A ementa apresenta uma grande variedade de petiscos, entre os quais se encontram todos os tipos de marisco. Começámos por pedir uns finos, para compensar os líquidos perdidos devido ao calor, e solicitámos ajuda ao empregado.

— Há aqui tanta coisa e todas elas agradáveis, que ficamos sem saber o que escolher. O que é que nos aconselha? — perguntou o capitão Alberto

— O forte da casa são os mariscos, mas também temos outras coisas. Mas como são quatro, é o número ideal para comerem uma açorda de marisco.

— Açorda?! Pão com marisco? Isso comemos nós em Portugal. — respondeu um dos elementos do grupo.

— Comerão açorda de marisco, não digo que não; mas não é como a nossa. A única semelhança é no nome. A nossa é feita só à base de lagosta, e é em doses que só quatro pessoas a conseguem comer. No vosso lugar, era o que escolhia, porque é das melhores coisas. Vão ver que no fim darão-me razão.

Um dos colegas olhou para mim e sorriu. Percebi a razão do sorriso. Pensou certamente que eu iria corrigir o rapaz que nos atendia. Mas não tínhamos que dar importância ao facto. Fiz-me desentendido. Trocámos ideias. Todos pareceram concordar com a sugestão do empregado:

— Parece que estamos todos de acordo. E para beber o que é que têm além da cerveja?

—Temos cá diversos tipos de vinhos e várias marcas de vinhos verdes, que ligam bem com a açorda. Só têm que escolher um da vossa preferência.

O capitão, recordando talvez o tempo de civil em que, como delegado de propaganda médica, estava habituado a situações semelhantes, alvitrou uma conhecida marca de vinho verde branco. Todos concordaram.

— Traga para já uma garrafa bem fresca. — E indicou a marca da sua preferência. Depois, se for preciso, virá outra. Assim, não ficará na mesa a aquecer.

Enquanto aguardámos que a açorda fosse preparada, beberam-se uns finos, acompanhados com camarão, e ocupou-se o tempo com conversas sobre os mais diversos assuntos.

Pouco depois chegava uma açorda fumegante, em que se viam camarões e grandes pedaços de lagosta. E o aroma era de despertar apetites a um morto.

A refeição decorreu num religioso e gostoso silêncio, quebrado aqui e ali por exclamações de prazer e pelo ruído do verde líquido, que fluia frequentemente das garrafas para os copos.

Satisfeitos e para melhor aproveitarmos a permanência em Luanda, na incerteza do amanhã, decidimos ir tomar a bica a outro local. Pedimos a conta e pagámos, duplamente satisfeitos: pela excelente refeição que acabáramos de ter e, sobretudo, pelo preço, que dividimos e achámos barato. Não passara dos oitenta escudos por pessoa, mesmo com a gorjeta dada ao empregado.



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