Primeiros momentos em Luanda |
Todo o pessoal almoçado e o serviço colocado nos trilhos da rotina
habitual, arranjei boleia e saí do aquartelamento por volta das dezassete horas. À porta de armas, enquanto paramos para nos identificarmos e podermos sair, dois soldados da minha companhia aproximam-se:
— Alferes Ulisses, podia dar-nos uma boleia?
— Não me compete a mim dar-vos a resposta; mas creio que este camarada, que me deu boleia, não se importará de vos levar.
O simpático condutor, militar como eu de permanência forçada em Angola, não se importou. Entraram mais dois passageiros.
— O meu alferes não se importa que andemos consigo em Luanda? Não conhecemos nada nem ninguém e sempre nos sentíamos melhor na sua companhia...
— Por que é que havia de me importar? Estamos todos na mesma situação. Vou agora procurar encontrar um amigo meu de Coimbra, meu vizinho. Já aqui está mobilizado em Luanda há quase dois anos e é locutor na rádio. Tenho aqui a direcção dele e vou ver se o encontro. E não vejo qualquer problema em ter-vos na minha companhia. Até me agrada. Sempre é melhor do que andar por aí sozinho.
Ao fim de algum tempo, pergunta aqui, pergunta acolá, demos com a casa do João Aurélio, aliás, Sansão Coelho. Quando, chegados ao local, perguntei pelo João Aurélio, no prédio ninguém o conhecia. Expliquei que era um amigo meu que estava a prestar serviço militar e que trabalhava como locutor na rádio. Dito isto, veio imediatamente a exclamação: «Ah, o Sansão Coelho! Sim senhor, mora aqui mesmo neste prédio. É no andar ...»
Infelizmente não estava ninguém em casa. Meti um bilhete debaixo da porta e fui com os meus dois companheiros passear pela cidade. Na zona mais frequentada, não muito longe da magnífica baía de Luanda, sentámo-nos numa esplanada. Mandámos vir umas cervejas e, espanto dos espantos: colocaram-nos um prato de camarão. Tremoços, se quiséssemos, também os havia, mas tinham de ser pagos. Os camarões, esses, eram o acompanhamento normal das cervejas!
Poderia agora descrever-vos o movimento à nossa volta, os grupos de vendedores estacionados nos passeios numa determinada zona, onde se vêem quadros, estatuetas e outros objectos em madeira. Mas disse há pouco que ia procurar ser sintético e já estou a faltar ao prometido. Assim, deixo estas descrições para outra ocasião, quando tiver conhecido melhor a cidade. Espero voltar cá um dia mais tarde e começar a descobri-la, passo a passo, recanto a recanto, para me poder encantar com esta maravilhosa cidade, cujo contacto, assim de perto, conseguiu já desfazer a má impressão que colhi quando a vi lá de cima.
Verifico agora que já tenho um bom maço de aerogramas escritos e, por este andar, não vou ter tempo de efectuar o relato de todos os acontecimentos.
Sejamos sintéticos, estilo telegráfico.
O resto da tarde deambulámos pela cidade. Entretanto, encontrámos alguns soldados da nossa Companhia, que também andavam na descoberta destas novas paragens. Os meus dois companheiros andavam um pouco intimidados com um alferes que nem era do pelotão deles, pelo que um deles me perguntou:
— O nosso alferes não se zanga se o deixarmos para irmos com aqueles nossos camaradas?
— Por que haveria de me zangar? respondi-lhes. Amigo não empata amigo.
Os dois soldados seguiram com os amigos, com quem se sentiam mais à vontade. Eu andei ao acaso pela cidade, primeiro pela magnífica avenida ao longo da baía, depois pelo centro, mais frequentado, onde existem cafés e restaurantes com esplanadas. Depois de ter petiscado qualquer coisa numa pastelaria, encontrei o alferes Raul, com quem dei uma volta pela baía de Luanda, agora iluminada e com um aspecto totalmente diferente. E durante as minhas deambulações, quem é que encontrei em pleno centro da cidade? O capitão Alberto, com outros camaradas da nossa e doutras companhias: os alferes Costa, açoriano, e Vieira, de Pombal, e o capitão Pires da Costa. Acabámos por ir passar o resto da noite numa boîte de Luanda, onde estivemos até às três e meia da manhã, num agradável convívio. Assistimos às variedades, que até nem foram más, metemo-nos uns com os outros, contámos anedotas das picantes, beberam-se umas cervejas e a noite passou-se depressa e de maneira agradável.
E eis-nos com o relato completo do primeiro dia da nossa estadia obrigatória em Luanda.
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