A caminho do Grafanil |
Carregados os camiões com a ajuda dos miúdos e distribuído todo o pessoal, tomei o meu lugar na cabina, ao lado do condutor. Consultei o relógio. Eram 10 horas da manhã quando iniciámos a viagem em direcção ao Grafanil, no extremo oposto da cidade.
Tenho ainda as imagens do percurso perfeitamente gravadas na retina. Não é que tenha fixado todo o percurso entre o aeroporto e a região ao norte da cidade, onde se situa o aquartelamento em que estacionam as tropas de passagem por Luanda. O que tenho na mente são as imagens diferentes de tudo quanto vi até hoje, que me conferiram uma profunda nota de exotismo. Em primeiro lugar, nas ruas onde os passeios ainda não existem, o chão distingue-se pela sua cor barrenta, de um vermelho vivo, a mesma tonalidade que ferira a minha retina quando espreitei pela vigia do avião. Em segundo lugar, a vegetação totalmente diferente de tudo o que conhecia. As árvores têm uma copa abundante, donde pendem uns frutos compridos e escuros, em forma de vagens. Da primeira vez, tive de me concentrar atentamente naquilo que via, pois dava-me a nítida sensação que das árvores pendiam macacos pendurados pelas caudas. Simples imaginação, pois eram as referidas vagens escuras. Mas, para um olhar continental como o meu que, pela primeira vez, observava uma vegetação e ambiente totalmente novo e carregado de exotismo, tudo me parecia estranho e fantástico. Outro aspecto que me fez reflectir durante o percurso foi o dos miúdos no aeroporto à nossa volta. Pareciam-me todos rigorosamente iguais, tornando-se-me difícil distingui-los uns dos outros. E magicava comigo mesmo: quando forem integrados elementos angolanos no meu grupo de combate, como é que os vou reconhecer? Felizmente, tudo isto só acontece nos primeiros contactos, enquanto os nossos olhos não se habituam ao novo meio que os rodeia. Passados os primeiros momentos da surpresa, começam-se a notar os mesmos pormenores que encontramos entre as pessoas da nossa cor e esta confusão inicial deixa de existir, de tal modo que, ao fim de algum tempo (e falo por mim!), ser branco, preto, amarelo ou vermelho passa a ser tudo a mesma coisa. O que é importante é a educação, simpatia e amizade que se estabelece entre as pessoas.
Começo neste momento a perder a paciência com tanta reflexão e a sentir necessidade de acelerar os relatos. Vou tentar ser sintético e registar em breves linhas o que se passou depois da chegada ao aeroporto.
Desembarcámos por volta das oito horas. Às dez tínhamos saído da aerogare e estávamos a caminho do Grafanil. Aqui chegados, ao fim de uma boa meia hora de viagem, distribuímos todo o pessoal pela camarata. As camaratas aqui são grandes edifícios de secção rectangular, com as camas distribuídas em longas filas, onde cabem todos os soldados de uma companhia. Ao lado e fazendo parte do mesmo bloco, ficam as arrecadações de material e o quarto dos furriéis milicianos. Os outros graduados, alferes e capitão, ficaram num edifício próprio, onde colocámos as nossas coisas e nos refrescámos, enfiando-nos debaixo dos chuveiros de água fria. Falar de água fria será uma força de expressão, porque dos canos o que sai é água tépida. O calor aqui aperta. Obrigou-nos a trocar o fardamento de inverno, que trazíamos da metrópole, por outro mais leve: calções e camisa de manga curta, que em cuecas não se pode circular.
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