A MASSA
Vimos já que para se extrair o óleo das
azeitonas estas têm de ser previamente reduzidas, mediante trituração no
moinho, a uma pasta mais ou menos homogénea. Só depois de
convenientemente moída e, no caso dos lagares mais modernos, aquecida e
batida numa termo-batedeira, ela está em condições de ser espremida nas
prensas ou, em sistemas mais modernos, centrifugada.
A termo-batedeira ou simplesmente
batedeira, como é mais conhecida a
máquina para bater e homogeneizar a massa, facilitando a extracção do
óleo, é conhecida praticamente apenas nos lagares mais modernos. Os
lagares antigos – os chamados lagares de vara – e os semi-modernos
desconhecem-na, sendo a massa da azeitona levada directamente do moinho
para o enseiradouro, onde é distribuída pelas seiras.
Por massa,
termo que empregámos algumas linhas atrás quando falámos das
termo-batedeiras, entende-se a 'azeitona depois de reduzida a uma pasta
mais ou menos homogénea'. Ao contrário de Espanha e de Itália, que usam
o vocábulo pasta, também conhecido entre nós, o termo mais
difundido e normalmente usado no nosso País é massa, cujo
predomínio sobre o anterior é bastante elevado. Correntíssimo, hoje em
dia, surge-nos também ao longo de outras épocas em trabalhos de carácter
olivícola.
O ENSEIRAMENTO
Depois da operação de moagem segue-se outra não menos
importante, a que se dá vulgarmente o nome de
enseiramento e que consiste em
distribuir a massa pelas seiras ou capachos, a fim de poder ser extraído
o azeite mediante aperto.
Em Espanha, segundo informação de Tomás Buesa Oliver(1),
para designar a actividade que consiste em meter a massa nas seiras
empregam o vocábulo encapachar. Ao conjunto de seiras sobrepostas
com massa dão o nome de encapachadura.
Em Itália, diz-nos Scheuermeier(2)
que as seiras cheias são acamadas na prensa, formando o conjunto de seis
a doze seiras sobrepostas o chamado, na Toscânia, castello, P.
542, castella, P. 564, fascio, P. 633, 643 'composta',
P. 750 'concio'.
Em Portugal, a operação que consiste em distribuir a
massa pelas seiras ou pelos capachos é conhecida por
enseiramento, enseramento,
inseiramento e encapachamento.
O vocábulo enseiramento,
com as variantes fonéticas enseramento (Coimbra, P. 249; Leiria,
P. 338; Santarém, P. 334) e inseiramento (Braga, P. 28, 31, 34;
Castelo Branco, P. 305; Coimbra, P. 284), apresenta fundamentalmente
três sentidos.
Em Portugal, a operação que consiste em
distribuir a massa pelas seiras ou pelos capachos é conhecida por
enseiramento, enseramento, inseiramento e
encapachamento.
O vocábulo
enseiramento, com as variantes fonéticas enseramento
(Coimbra, P. 249; Leiria, P. 338; Santarém, P. 334) e inseiramento
(Braga, P. 28, 31, 34; Castelo Branco, P. 305; Coimbra, P. 284),
apresenta fundamentalmente três sentidos.
O povo emprega-o para designar a actividade que consiste
em enseirar a massa,
isto é, colocá-la nas seiras sobre o chamado enseiradouro – no
caso dos lagares antigos – ou sobre o prato ou carro das
prensas – no caso dos lagares semi-modernos e modernos(3).
Neste sentido, registámos o termo nos distritos de Braga (P. 28),
Coimbra (P. 245b, 257, 284, 285b, 288, 298, 300) e Guarda (P. 206).
O segundo sentido de
enseiramento, observado nos distritos
de Braga (P. 31, 34), Coimbra (P. 249, 256, 257, 258, 261, 262, 285b,
286, 288, 298), Leiria (P. 338, 344) e Santarém (P. 334) é o de
'conjunto de seiras umas sobre as outras, firmando uma pilha'.
Com o terceiro e último sentido por nós registado,
verificamos ter havido um alargamento do campo semântico da palavra em
questão, uma vez que passou a ser inexactamente aplicada quer à
actividade que consiste em pôr a massa nos capachos, quer ao conjunto
destes, desempenhando portanto o papel inerente a
encapachar e encapachamento.
Os dicionários da língua portuguesa, em relação a
enseiramento, registam, em
regra, dois sentidos: 'acção ou efeito de enseirar'; 'conjunto das
seiras de um lagar de azeite'. Quanto ao primeiro sentido, nada mais
temos a acrescentar; quanto ao segundo, verificamos ser totalmente
divergente de tudo aquilo que encontrámos, uma vez que a noção
apresentada pelo povo não é a de 'conjunto de todas as seiras existentes
em um lagar de azeite', como dão a entender os dicionários, numa grande
maioria, mas sim a de 'conjunto de seiras sobrepostas umas sobre as
outras', equivalendo ao vocábulo castelo.
Fenómeno idêntico ao que ocorreu com o terceiro sentido
de enseiramento
verifica-se também com o verbo enseirar, cujo emprego passou a
fazer-se em relação aos capachos. No sentido de 'actividade que consiste
em distribuir a massa pelas seiras', encontrámo-lo nos distritos de
Bragança (P. 90), Coimbra (P. 246, 256, 261), Guarda (P. 206, 207, 211,
226, 234) e Porto (P. 51, 54c). No sentido de 'colocar a massa nos
capachos' registámo-lo em Coimbra (P. 236, 280b) e Guarda (P. 209, 229).
Esquematicamente, os sentidos de
enseiramento e enseirar são os
seguintes:
ENSEIRAMENTO:
1º - 'Actividade que consiste em
distribuir a massa pelas seiras';
2º - 'Conjunto de seiras sobrepostas,
formando uma pilha';
3º -a) - 'Distribuição da massa pelos
capachos';
b) - 'Conjunto de capachos
sobrepostos em pilha'.
ENSEIRAR:
1º - 'Actividade que consiste em
distribuir a massa pelas seiras';
2º - 'Actividade que consiste em
distribuir a massa pelos capachos'.
De sentido paralelo a enseiramento é a palavra
encapachamento, que designa a
'actividade que consiste em distribuir a massa pelos capachos', à qual
corresponde o verbo encapachar, e o 'conjunto dos capachos em
pilha para serem apertados pela prensa'. Termo ainda com pouca
vitalidade, foi por nós registado no distrito de Bragança, P. 98.
Da mesma família de
seira e enseiramento são os
vocábulos enseirador, enseiradouro, enseradouro,
inseiradouro e seirada.
Enseirador
é usado para indicar o homem que faz o enseiramento, isto é, que
distribui a massa pelas seiras, sentido que registámos no distrito de
Coimbra, P. 238, 245b, 257, 298. Num número considerável de casos,
verificado nos distritos de Coimbra, P. 236, 277, Guarda, P. 212, e
Porto, P. 53, o termo foi aplicado ao homem que distribui a massa pelos
capachos, substituindo deste modo a palavra
encapachador.
Enseiradouro
(Bragança, P. 92, Coimbra, P. 302, 304), também pronunciado
inseiradouro (Vila Real, P.
76a, 78) e enseradouro (Coimbra, P. 304; Santarém, P. 334),
aplica-se quer a toda a zona onde é feito o enseiramento, quer à zona
circular existente sob a prensa de vara, onde são empilhadas as seiras
para serem espremidas.
A "Revista Lusitana", vol. XXVIII, pág. 106, apresenta a
palavra enseiradoiro
com o sentido de 'bagaço proveniente de uma moedura de azeite'.
António Cardoso Menezes(4)
dá-nos uma noção diferente do vocábulo. Segundo este autor, o «enseiradouro
é a vasilha onde se deposita a pasta moída e se procede a introduzi-la
nas seiras» – o que suscita em nós certas dúvidas, visto nunca
termos encontrado vasilha com esse nome – e que pode ser uma pia de
pedra colocada perto do moinho ou o próprio «alvergue da prensa».
Isto no que respeita ao velho lagar português. Relativamente aos lagares
modernos, refere-se a um «tabuleiro de madeira assente sobre quatro
pernas, forrado de lata para evitar a absorção e rancificação do óleo e
facilitar as lavagens», apresentando as dimensões necessárias «para
conter toda a massa dum moinho e permitir simultaneamente o enchimento
das seiras».
Provavelmente, António Cardoso de Menezes, ao falar do
enseiradoiro no lagar moderno, quererá referir-se ao chamado
gamelão, caixão ou
caixa da massa, recipiente metálico de formato rectangular e de
grandes dimensões(5), para onde cai a massa do pio, expulsa
pelas raspadeiras metálicas através de uma abertura existente nas
paredes da vasa. Veja-se, por exemplo, a figura
◄65, que nos mostra o
moinho do lagar de Assafarge, no qual está visível a zona por onde sai a
massa e o gamelão onde ela cai. A massa é retirada do gamelão com
pás para dentro de gamelas ou directamente para cima dos
capachos.
Esporadicamente, registámos no distrito de Vila Real, P.
78, o substantivo seirada,
para indicar o conjunto de seiras espremidas num dia de trabalho, ou
seja, quatro moinhos:
«Pergunta –
Quantas vezes espremiam o azeite?
Resposta – O
azeite... fazíamos quatro por dia, quer dizer, duas aqui, duas acolá,
quatro seiradas por dia.»
A PRENSAGEM
Por
prensagem entendemos a operação que consiste em comprimir
fortemente, por meio de prensa, a massa da azeitona, colocada em seiras
ou capachos, a fim de poder ser extraído o azeite.
Não iremos agora procurar saber como decorre esta fase do
fabrico do azeite – dela nos
ocuparemos na devida altura –, mas sim apontar os nomes por que é
vulgarmente conhecida.
Além do vocábulo
prensagem, mais do domínio técnico do
que da linguagem popular, são correntes outras palavras e expressões com
sentido idêntico, tais como: apertar e aperto;
espremer, espremedela, espremedura, espremimento e esprimento;
fazer gemer o azeite.
Sobre apertar e
aperto pouco há para dizer. Pertencentes à mesma família semântica,
estes vocábulos foram por nós registados nos distritos de Coimbra, P.
258, 261, 300, e Santarém, P. 334.
A curiosa expressão
fazer gemer o azeite, intimamente relacionada com a prensa de vara,
devido certamente ao ranger da madeira durante o aperto das seiras, foi
registada num inquérito do I.L.B. efectuado no distrito de Castelo
Branco, concelho da Covilhã.
Da mesma família semântica e provenientes de
espremer (Coimbra, P. 297,
303; Porto, P. 54a; Vila Real, P. 78), por sua vez do latim EXPRIMERE,
são as formas espremedela (Coimbra, P. 262), espremedura
(Bragança, P. 92, 99; Coimbra, P. 257, 301), espremimento
(Coimbra, P. 303) e esprimento (Coimbra, P. 303), registadas por
nós em inquéritos directos e também nos pertencentes ao I.L.B. Ainda
relacionado com estes termos está o vocábulo espremedeira,
registado apenas como caso isolado no distrito de Vila Real, P. 70, e
aplicado ao 'aparelho que espreme', isto é, à prensa.
De todas as formas apresentadas, a usada com mais
frequência é, sem dúvida,
espremedura. Dalla Bella, nas suas Memórias e observações sobre o
modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de oliveira em Portugal(6),
emprega-a também:
«2. Feita a
primeira espremedura, que gasta pouco tempo, se levanta a vara, e
sobre as azeitonas meio espremidas se lança por toda a seira água
fervendo, com a qual se mistura muito bem aquela massa (...)».
Em obras posteriores, como, por exemplo, no
Dicionário universal da vida
prática na cidade e no campo(7), volta-nos a surgir a
palavra espremedura, onde é usada para indicar os tipos de azeite
obtidos conforme o número de apertos ou prensagens, como podemos
verificar no excerto que iremos transcrever; além de documentar a nossa
afirmação, descreve-nos o que se passa na maioria dos lagares de vara:
«Espremido o
azeite virgem [conhecido também, segundo este dicionário, por azeite
da primeira espremedura (pág. 234, 1ª col.)] nas nossas prensas
comuns, é de uso desarmar a pilha das seiras, tirar as pastas,
remexê-las, e torná-las a enseirar, escaldando-as para fluidificar o
óleo; sujeitas a nova espremedura, dão o azeite de segunda
espremedura; repetindo esta operação uma outra vez obtém-se o azeite
de terceira espremedura. Estes azeites vão sendo sucessivamente
mais impuros e margarinosos (...).»
Relacionada com a prensa está a palavra
prensada. Registada nos distritos de
Aveiro, P. 118, Coimbra, P. 236, 256, e Guarda, P. 212, apresenta
pequenas cambiantes de sentido. No ponto 118, a palavra foi
frequentemente ouvida com o sentido de 'aperto'; nos distritos de
Coimbra e Guarda, o seu sentido está muito próximo do de enseiramento
e de moinho, pois aplica-se ao 'conjunto de seiras ou de capachos
em pilha para serem apertados de cada vez pela prensa'.
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