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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VI

PRENSAS DE AZEITE

 

PRENSA DE VARA

É este o tipo de prensa que maior atenção merece da nossa parte, dado o seu elevado interesse linguístico e etnográfico. A sua acelerada tendência para desaparecer(4) impõe-se ao nosso espírito como motivo importante para lhe dedicarmos o máximo de atenção. Eis a grande razão pela qual iremos procurar estudá-lo o mais minuciosamente possível nas páginas seguintes, ainda que com prejuízo dos restantes tipos, que terão de ser relegados para segundo plano.

A importância da vara é de tal ordem e está tão vincada no subconsciente dos sujeitos falantes, que o seu nome se estendeu a todo o edifício, passando este a ser conhecido pela expressão lagar de vara. Este tipo de prensa assumiu, portanto, um papel marcadamente individualizador, permitindo distinguir o lagar onde existe de todos os restantes.

Intimamente ligada com a expressão lagar de vara está a noção de antiguidade, de tal modo que, quando se afirma que este ou aquele lagar é de vara, automaticamente se pressupõe a ideia de antiquado e ultrapassado. Só assim se compreende ouvirmos tantas vezes da boca dos informadores afirmações como esta: «Esse lagar não tem interesse, ainda é de vara. O senhor tem um mais moderno em tal parte. Esse já é muito velho. Já nem trabalha.»

Antes de entrarmos na descrição deste tipo de prensa, sem dúvida do que de mais antigo se conhece(5), convirá saber os nomes por que é conhecido, não apenas em Portugal, mas ainda no país vizinho e em Itália.

Em Espanha, esta prensa é conhecida pelas expressões prensa de libra e prensa de romana e ainda pelos termos prensa, trujal e viga(6); em Itália, é conhecida por turcio, trabocco e trappito(7), termos que variam de região para região.

Em Portugal, além da expressão prensa de vara ou simplesmente vara, designações muito difundidas por todo o País, é conhecida ainda por feixe, termo pouco representado, e por trabe, este último com larga área e bastante documentado. O vocábulo feixe foi por nós registado apenas no distrito do Porto, P. 51, 52 e 54a; trabe, que não é mais do que uma variante fonética de trave, surge-nos com frequência nos distritos de Braga, P. 29, 31, Porto, 57, 60, e Vila Real, P. 73, 76a, 78.

Por vara entendemos um tipo de prensa que se compõe essencialmente de duas partes: um enorme tronco de madeira, cujo comprimento oscila entre seis e catorze metros e com uma função de alavanca de tipo inter-resistente ou de segunda espécie; um sistema de accionamento, formado por um grosso parafuso ou fuso de madeira – muito raramente de ferro – e uma espécie de porca que atravessa a vara. Na extremidade inferior do parafuso, um bloco cilíndrico, tronco-cónico ou esférico, feito de pedra ou cimento, serve de peso, aumentando a pressão exercida pela prensa.

A análise dos elementos de que dispomos(8), a que se juntam os excelentes trabalhos, há pouco citados, de Tomás Buesa e Albert Klemm, relativamente a Espanha, e de Scheuermeier e Domenico Priori(9), em relação à Itália, permitem-nos distinguir dois tipos diferentes de vara: a peninsular, idêntica nos dois países vizinhos; a italiana, com substanciais diferenças em relação à primeira.

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(4) – Alguns lagares visitados, durante o ano de 1969, deram lugar, pouco tempo depois, a modernos edifícios com a mais recente maquinaria; outros extinguiram-se definitivamente. Dos que se conservavam nos começos da década de 1970, grande número tinha já os seus dias praticamente contados. Actualmente, a grande maioria desapareceu definitivamente, não tendo deixado sequer vestígios para as gerações futuras poderem saber como se fabricava outrora o azeite pelos sistemas tradicionais.

(5)A prensa de vara era já usada na Antiguidade, como o atesta a imagem gravada num sarcófago romano de época muito remota, possuindo uma constituição semelhante à actual. Sobre o fabrico do azeite na Antiguidade, veja-se o que nos diz a Enciclopedia universal ilustrada europeo-americana, Barcelona, tomo II, págs. 34-36. Desta obra, que reproduz a imagem do sarcófago na página 36, transcrevemos o seguinte excerto: «(...) um sarcófago de remota época presenta en el centro del cuadro un genio alado, reunindo en un cesto las olivas caídas del árbol; á la diestra, otro genio hace rodar un molino; á la izquierda está la prensa; un cofre admite las olivas ya pasadas por el trapetum; un geniecito las pisa con los pies para mejor acondicionarlas; en la parte posterior, el praelum ('nome latino da prensa de vara'), que debe deshacerlas; cuatro vasos con los bordes á flor de tierra están á punto de recibir el líquido así que salga de la prensa. (...)» (página 35, 2ª col., linhas 7 a 25).

(6)Dados recolhidos em TOMÁS BUESA OLIVER, Terminología del olivo y del aceite en el alto aragones de Ayerbe, in: "Miscelánea Filológica dedicada a Mons. A. Griera", Barcelona, 1955, tomo I, pág. 91.

(7)Veja-se PAUL SCHEUERMEIER, Bauernwerk in Italien der italienischen und rätoromanischen Schweiz, 1943, pág. 188.

(8) – Efectuámos durante todo o processo de investigação 35 inquéritos em lagares de vara, dos quais os quatro últimos não figuram no mapa 1, por terem sido visitados posteriormente à sua elaboração. Situados no distrito de Coimbra, esses lagares visitados e dos quais possuímos documentação em registos magnéticos (gravações efectuadas mediante utilização de um gravador de cassetes) e fotografias, são, respectivamente: o da Quinta do Rol (4 varas), freg. de Ançã, conc. de Cantanhede; o da Ponte da Mata (4 varas), freg. de Sazes, conc. de Penacova; o lagar da Ribeira (3 vares), freg. de S. Paio, conc. de Penacova; e o de Varrelas (2 varas), freg. de Carvalho, conc. de Penacova.

(9)DOMENICO PRIORI, Coglitura e molitura delle olive in Torino di Sangro, in: "Folklore", Outubro 1947-Março 1948, ano II, fasc. III-IV, págs. 79-82.

 

 

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