MOINHOS DE RODA
Antes de iniciarmos o estudo deste tipo, importa ver o que se entende
por moinho de roda.
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Figura 20: Roda da água feita de madeira (Ameoso do Senhor,
P. 300, Alvares, Góis, dist. de Coimbra. |
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Quando tratámos dos diversos nomes do lagar, foi feita uma transcrição
de Frei Domingos Vieira(4), que convém relembrar.
Segundo este Autor, a azenha é uma «espécie de moinho movido por uma
corrente de água, que lhe cai perpendicularmente sobre a roda». E
acrescenta, um pouco mais adiante: «...a azenha é como o moinho,
movida por água, com a diferença que aquela mói com roda, e este com
rodízio; na azenha a roda está fora da água que lhe cai em cima
[o sublinhado é nosso]; o moinho é nas margens do rio e a azenha anda
com qualquer riacho.»
O Autor estabelece entre azenha e moinho uma distinção que reside no
facto de a primeira ser movida por uma roda, enquanto o segundo é
accionado por meio de um rodízio. No campo olivícola, o chamado
moinho de roda condiz com a definição dada para azenha. Somente não
nos é possível empregar o termo azenha, em virtude de ele se aplicar
também aos lagares puxados por animais. Pelo contrário, a expressão
moinho de roda, além de não apresentar sentidos variáveis,
permite-nos caracterizar desde logo este tipo de moinho.
A definição que dele podemos dar é a de que se trata de um moinho cuja
força motriz é produzida pela água que, caindo perpendicularmente sobre
uma roda vertical, a faz girar, accionando todo o conjunto. Compõe-se
essencialmente de uma roda hidráulica de ferro ou de madeira, situada
dentro ou fora do lagar, de um sistema de transmissão, que faz andar a
galga ou galgas dentro do moinho propriamente dito, e de um sistema de
conduta para a água, sem a qual o lagar não poderia trabalhar.
Feita a apresentação deste tipo de moinho, analisemos pormenorizadamente
cada uma das partes que o compõem.
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Figura 21: Tipo de roda da água encontrado no lagar da Mata,
P. 297, Vila Nova do Ceira, Góis, dist. de Coimbra. |
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a) - RODA: O nome dado à roda que acciona todo o conjunto varia
de região para região. O povo conhece-a frequentemente pelas expressões
roda da água (Braga, P. 34; Bragança, P. 100; Guarda, P. 226),
roda hidráulica (Viseu, P. 188), roda de fora (Braga, P. 28;
Coimbra, P. 253, 300, 302, 304), roda exterior (Castelo Branco,
P. 305), roda de balanço (Coimbra. P. 255), roda de peso
(Guarda, P. 206, 207) ou, simplesmente, roda (Aveiro, P. 120;
Coimbra, P. 258, 294).
Como se vê, encontramos nada mais do que sete expressões diferentes para
o mesmo objecto, na metade norte do País.
Roda da água
e roda hidráulica são, no fundo, a mesma expressão, com a única
diferença de que a primeira é mais do domínio popular, enquanto a
segunda é estritamente técnica. A sua explicação reside, logicamente, no
facto de ser a água que faz mover a roda.
Roda de fora
e roda exterior são também duas expressões idênticas entre si. O
que se disse em relação às duas anteriores aplica-se também a estas. A
sua origem está relacionada com a situação da roda, normalmente no
exterior do lagar.
Roda de balanço
e roda de peso parecem ter uma explicação comum; pelo menos em
relação à segunda, a sua origem reside no facto de a roda trabalhar
devido ao peso que a água exerce dentro dos cubos. Segundo as
informações prestadas por um informador, no lagar da Quinta da Romeira,
P. 206, no distrito da Guarda, o movimento da roda de peso pode
ser prejudicado pela excessiva abundância de água:
«(...) quando a água da corrente era maior, que lhe dava, por
exemplo, pelo meio dos raios, a roda diminuía de velocidade, e então
chamávamos nós pejar. (...) Pejar era diminuir de velocidade.
Quer dizer que a enchente estava a crescer e, nessa altura, a velocidade
diminuía, porque a queda da água, o caudal da água impatava (sic)
o funcionamento da roda hidráulica...». É interessante notar
que este mesmo informador emprega simultaneamente as expressões roda
de peso e roda hidráulica, tendo mesmo a noção de que a
primeira é que é a popular. Ouçamos um pequeno fragmento da conversa
travada com ele:
«– Como é que este lagar era accionado?
– Com queda d'água.
– Era conhecida assim?
– Chamam-lhe roda de peso.
– Mas porquê?
– Talvez um nome poveiro, com certeza. Pá hidráulica é qu'é o
termo próprio. Nós é que dizemos a roda de peso. E por vezes
pejava...».
Construída de madeira ou ferro, as suas dimensões variam muito, quer
quanto ao diâmetro, quer quanto à largura. O máximo de largura que
encontrámos foi de cerca de oitenta centímetros, no lagar de Vila Cortez
da Serra, P. 226, no distrito da Guarda. Feita de madeira, ficava no
interior do lagar, sendo a água trazida por meio de uma conduta, que a
ia buscar a um açude do ribeiro.
Quando situadas no exterior do lagar, as rodas de madeira apresentam
normalmente uma pequena cobertura, que as protege do sol e da chuva, à
semelhança do documentado na
figura 20. À primeira vista, parece ser
isto um absurdo; tem, no entanto, uma certa razão de ser. Como todos
sabem, o lagar funciona apenas cerca de dois a três meses por ano. Só na
altura da laboração ou lagaragem as comportas são abertas, caindo-lhe
então a água nos cubos. Sem funcionar a maior parte do tempo, o sol,
secando-lhe demasiado a madeira, faria com que ela estalasse e se
fendesse. Em dias de chuva, a água, acumulando-se nos cubos, faria
trabalhar inutilmente e com prejuízo a roda. Daí o serem frequentemente
cobertas.
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Figura 22: Tipo de roda da água de um lagar do distrito de
Coimbra, P. 303. |
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As rodas de ferro apresentam substancial vantagem em relação às de
madeira, pois resistem melhor à acção erosiva do tempo. Por este motivo
são cada vez mais frequentes, em detrimento das de madeira, hoje raras e
com tendência a desaparecerem completamente.
De uma maneira geral, as rodas compõem-se de um eixo, apoiado sobre
mancais (Braga, P. 28) de bronze, ferro ou madeira, de quatro ou
mais pares de raios, e de umas concavidades chamadas copos
(Aveiro, P. 120, 159; Braga, P. 28) ou cubos (Coimbra, P. 300;
Guarda, P. 207). A água que, caindo nos cubos, faz accionar a roda, é
trazida normalmente de um açude por meio de uma conduta própria,
designada pelos termos caleira ou caleiro (Braga, P. 28, e
Coimbra, P. 300, respectivamente), badarel i (Coimbra,
P. 261) e levada (Castelo Branco, P. 305; Coimbra, P. 303).
A roda de madeira documentada na
figura 20 é composta por um eixo de
secção quadrangular, de quatro pares de raios paralelos, que seguram o
bordo exterior, e de vários cubos, formados por pequenas tábuas
dispostas obliquamente em relação aos raios da roda, e fixas aos lados
do bordo. A água desce por uma caleira fixa de madeira, cujo caudal
incide perpendicularmente sobre os cubos.
No caso do extinto lagar das Três Aldeias, P. 303, representado nas
figuras 2 e 22, a água era trazida de grande distância por meio de uma
conduta de cimento, de secção em U, apoiada sobre um pilar feito de
tijolos. A inclinação e distância do cimo à extremidade inferior eram
consideráveis, a fim de imprimirem ao pequeníssimo caudal de água
velocidade suficiente para fazer girar a roda. Em contrapartida, o
sistema usado no lagar da Mata, P. 297, representado nas figuras 21 e
23, é completamente diferente. A água é trazida por uma conduta
terminada por uma caleira móvel de madeira e apoiada numa prancha, sobre
a qual desliza. Como a inclinação não é nenhuma e a altura dela à roda é
praticamente quase nula, necessita de um elevado caudal de água para ter
a força necessária para fazer girar a roda. Disso é bastante elucidativa
a figura 23, que nos mostra a roda em pleno funcionamento. Na margem
direita, um dos empregados do lagar lubrifica o eixo, operação que tem
de repetir de tempos a tempos.
Os sistemas usados para fazer trabalhar ou parar os moinhos são bastante
engenhosos. O povo resolveu este problema técnico de maneira bastante
simples, adoptando um rudimentar sistema de alavancas, ou uma pequena
vara móvel presa à caleira, que pode manobrar do interior do lagar. De
uma maneira geral, podemos encontrar dois sistemas.
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Figura 23: Aspecto da roda da água em pleno trabalho. Um moço
do lagar lubrifica o veio de ferro com uma almotolia de folha de
flandres. Sobre uma prancha de madeira perpendicular à roda, a
caleira do mesmo material que do interior é empurrada para o lado,
desviando o caudal e parando a roda. (Mata, P. 297, Vila Nova do Ceira, Góis, dist.
de Coimbra) |
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O primeiro sistema, documentado pelas figuras 21 e 23, é formado pela
própria caleira. Fixa no ponto A (ver figura 21) e apoiada, na
extremidade, em uma prancha de madeira, sobre a qual desliza, está presa
a duas tábuas oblíquas, firmes por uma terceira, horizontal, e móveis
entre si. A uma delas, está presa uma vara que atravessa a parede do
lagar e termina numa espécie de argola. Quando querem parar o moinho,
empurram a vara, obrigando a caleira a deslizar para o lado de fora; e a
água passa a cair ao lado da roda, sobre as pedras que se vêem na
gravura.
O segundo sistema, que as figuras 20 e 22 documentam, consiste numa
caleira suplementar móvel que, accionada por uma alavanca – o chamado
pejadoiro (P. 300) –, se vai interpor entre a saída da conduta e
a roda, desviando a água para o lado.
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