Recursos hidroagrícolas da bacia do rio Vouga


Dália Lázaro - In: "AVEIRO E O SEU DISTRITO", N.º 21, 1976, pp. 5-10

 

 

 O texto que em seguida se oferece aos leitores da Revista «Aveiro e o seu Distrito» foi redigido com o fim de se inserir numa série que nela vem sendo publicada, tendo em vista dar a conhecer as potencialidades e os problemas desta Região e as realizações e planos para o seu desenvolvimento.

Trata-se de uma síntese, assim mesmo só de parte de um estudo sobre o desenvolvimento dos recursos hidráulicos da Bacia da Vouga e como tal terão que ressalvar-se-lhe não os erros mas as omissões.

 

O que é e como é a «Bacia Hidrográfica do Vouga»

A área geográfica de recepção das águas que através do rio Vouga e pela sua laguna, a ria de Aveiro, são lançadas no mar, constitui a bacia hidrográfica deste rio.

É uma extensa região, de 3700km2, no interior da qual se registam amplas variações quer quanto a solos, quer quanto à fisiografia ou ao próprio clima, variações essas que são determinantes do seu aproveitamento actual e dos problemas que engloba.

Entre tais determinantes são particularmente decisivos o declive dos terreno; e a inclinação do leito dos rios que são acentuados nos troços superior e médio da Bacia (Alto e Médio Vouga) e insignificantes na sua porção de jusante (Baixa Vouga).

Uma análise que não necessita ser muito profunda mostra que dois factos lhe estão principalmente ligados:

1-A vocação predominantemente florestal dos Médio e Alto Vouga e predominantemente agrícola do Baixo Vouga onde se encontram a grande maioria das terras com boa aptidão ao regadio;

2-A facilidade e frequência com que se inundam os campos marginais deste Baixo Vouga - rios Antuã, Vouga, MarneI, Águeda e Cértima, fenómeno para que contribui em larga escala o assoreamento dos leitos destes rios na parte final dos seus cursos.

 

Como se elaborou e o que é o «Plano de Aproveitamento Hidroagrícola da Bacia do Rio Vouga»

Recomendada a sua elaboração nos «Estudos Preparatórios do IV Plano do Fomento», a Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos confiou esta tarefa a uma empresa nacional de projectistas, a COBA (1).

Esta realizou em primeiro lugar um estudo das potencialidades da Bacia quanto a terras optas ao regadio bem como dos condicionamentos ecológicos e turísticos à expansão deste e avaliou as disponibilidades existentes quanto a água e locais com adequadas condições para a implantação de barragens quer para o armazenamento e regularização de caudais quer, se possível, para produção de energia eléctrica.

Foi esse estudo que conduziu, após análise pon­derada, à delimitação de um certo numero de áreas totalizando à volta de 5000 hectares, eventualmente susceptíveis de melhoramento pelo regadio embora dispersas por toda a Bacia, bem como dos seguintes dez blocos cobrindo um total de mais de 48000 hectares, que pela sua concentração geográfica e dimensões, permitem implantar um grande plano integrado de rega, drenagem e defesa:  

Para a rega destes blocos foram previstas quatro barragens:

- Barragem de Ribeiradio, no rio Vouga, com à volta de 90 m de altura e 300 milhões de metros cúbicos de capacidade útil, que rega os 32527 hectares dos blocos de Aveiro e de Cantanhede-ao-Vouga;

- Barragem de Antuã, no rio Antuã, com à volta de 50 m de altura e 39 milhões de metros cúbicos de capacidade útil, que rega os 1405 hectares do bloco do Antuã;

- Barragem de MarneI, no rio MarneI com à volta de 55 m de altura e 24 milhões de metros cúbicos de capacidade útil, que rega os 2430 hectares do bloco Vouga-Marnel;

- Barragem do Rio Covo, no Rio Alfusqueiro, com à volta de 60m de altura e 31 milhões de metros cúbicos de capacidade útil, que rega os 1975 hectares do bloco Águeda-Cértima.  

Os aproveitamentos hidroeléctricos que integram estas barragens permitem produzir quantitativos de energia e dispor de um valor de potência instalada economicamente enquadrável no panorama da situação hidroeléctrica nacional. Isto sobretudo no que se refere ao aproveitamento de Ribeiradio, porquanto a energia produtível nos outros três aproveitamentos o será como subproduto.

Estas quatro barragens, além dos benefícios indicados, garantem:

1 - Ao longo de todo ano, o quantitativo total de 28 milhões de metros cúbicos de água necessário ao abastecimento das populações e às indústrias da bacia do rio Vouga;

2 - Na época seca, os caudais mínimos permanen­tes nas respectivas linhas de água indispensáveis para as manter despoluídas;

3 - Na época chuvosa, dominando a primeira e as duas últimas, cerca de 40 % da área da bacia e, portanto, do respectivo caudal sólido, uma redução de caudal máximo da cheia milenária bastante sensível.  

O aproveitamento agrícola actual da bacia do rio Vouga baseia-se na cultura do milho com feijão ou da batata, seguida de forragens, com produção predominante de leite e carne de bovinos. Também se cultiva, com certa representatividade, arroz e nabos. O plano elaborado propõe que se mantenham pratica­mente as produções características do presente quadro agrícola ao qual se acrescentou somente, como novi­dade, a cultura da beterraba sacarina. A inserção desta num dos grupos de rotações-tipo previstos fez-se por tal se entender justificável, quer à luz de critérios ecológicos, quer de critérios económicos, nomeadamente os ligados com o actual condicionalismo de abastecimento de açúcar a Portugal.

A análise dos esquemas propostos no Plano, forneceu os seguintes resultados:

 

1 - Em qualquer das hipóteses de ocupação previstas, com ou sem beterraba sacarina, admite-se uma diminuição considerável das produções de milho e feijão (33-44 % e 47-57 %) e a eliminação da cultura de arroz.

2 - Em contraste com a evolução anterior, a pro­dução de batata e hortícolas é notavelmente acrescida (43-140% e 50 vezes) e surge como novidade a produção de raízes de beterraba sacarina em quantidade suficiente para justificar a montagem de duas a três unidades industriais de fabrico de açúcar.

3 - A produção de alimentos para o gado, convertida em U. F. (3), é acrescida em ambas as hipóteses de ocupação cultural previstas, de mais de 45 000 000(= 26 %), o que permitirá aumentar a produção de leite e carne, respectivamente de 20 750 000 litros e 1 320 toneladas, considerando a mesma produtividade por cabeça que na ocupação actual.

Sabendo-se que a bacia leiteira da Beira Litoral detém a maior percentagem da produção nacional - só o distrito de Aveiro produziu, em 1970, 67 000 000 litros de leite (cerca de 30% do leite entregue no País) - o aumento de 20 750 000 litros de leite representa à volta de 9,5 % da produção do país em 1970. Por outro lado, o aumento de 1 320 toneladas de carne cobre cerca de 13% do «deficit» anual verificado no seu consumo em 1961, o qual tem aumentado sensivelmente nos últimos quinze anos.

A densidade pecuária alcançada será de 1,5 cabeças normais por hectare, contra 1,2 actualmente, se se considerar como consumo anual por cabeça normal 3 000 U.F.

4 - Os valores totais de produção actual e depois da beneficiação passarão de cerca de 1 600 000 para 2 600 000 contos/ano, ou seja, aumentarão de 1 000 000 contos (= 20 contos/ha/ano). Deste aumento, o contributo mais importante pertence, em ambas as hipóteses de ocupação cultural previstas, ao sector de alimentos para o gado - cerca de 70% do total.

 

O «Plano de Aproveitamento Hidroagrícola» insere-se num plano de âmbito mais geral

Pode efectivamente dizer-se que muitos outros aspectos foram considerados nos quais a água constitui recurso e problema.

Assim se tratou de inventariar os recursos hídricos disponíveis em toda a Bacia e a sua utilização actual bem como os problemas ligados à poluição industrial e urbana, nomeadamente para a fauna e a flora aquáticas ou dela dependentes e paro a própria população local ou de turistas.

Assim se planeou a correcção torrencial e a defesa contra a erosão, a regularização dos leitos dos rios, a produção de energia eléctrica, a defesa contra o avanço das marés e a concentração de carga poluente industrial e urbana no Verão, o uso recreativo dos recursos hídricos, o abastecimento das populações e o saneamento básico.

O âmbito do presente artigo não permitiu tratar estes aspectos de inventariação e planeamento, mas entendeu-se que não devia deixar de fazer-se-lhe referência já que todos foram considerados no mesmo «Plano de Aproveitamento Hidráulico» de que o «Plano de Aproveitamento Hidroagrícola» agora tratado foi parte integrante.

Dália Lázaro – Directora do Projecto

 

 NOTA: «O estudo prévio, do qual foi extraído este artigo, foi entregue pelos consultores à Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos nos primeiros meses do corrente ano e está sendo submetido à apreciação dos diversos organismos oficiais a que interessa.»

 

 (1) Consultores para Obras, Barragens e Planeamento, SARL.

(2) Os seis últimos blocos situam-se nos Campos de Can­tanhede-ao-Vouga.

(3)     U. F. = unidades forrageiras.

 

Aveiro

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2001