Para quando ARTE
para Todos?
A formação
artística na escolaridade tem sido quase nula em relação à
massa da população escolar, pelo que há que reflectir sobre
os caminhos que se podem seguir numa nova orientação deste
campo do conhecimento. Apesar do problema ser discutido, a
verdade é que, até ao final do século.XX, a formação
artística foi um luxo de elites ou de profissionais da arte (Urraza,
1993). Foram as academias que, inicialmente dentro de um
espírito liberal, serviram como meio de emancipação do
artista para o elevar acima do artesanal e se tornaram
"casas de cultura", na medida em que o seu objectivo
foi, acima de tudo, formar/educar.
As actividades
nas academias, apesar das ideias muito concretas acerca dos
aspectos políticos e de organização da arte como carreira
profissional, ficavam muito aquém do que era planeado. As
academias de arte dominaram a política artística, a
educação artística, a organização de exposições de
arte, a crítica artística.
De início,
tiveram por fim diferenciar o artista do artesão ao adquirir
aquele estatuto académico, mas tornaram-se o meio de
distinguir os artistas mais cultos e com independência
material dos mais incultos e pobres. Essa diferenciação
levou à destruição da unidade social dos artistas e levou a
que alguns se tivessem identificado com a camada superior do
público em vez de com o resto da confraria artística,
conduzindo a uma solidariedade entre os artistas cultos e os
círculos cultos do público, escrevendo os críticos não só
para os artistas cultos mas também para os amadores de arte.
No campo
económico, social e artístico, prevaleceu a desigualdade. As
Academias que tinham o monopólio da instrução das Artes
deixaram de o ter. Em Portugal, com a criação da Escola
Técnica de Pintura e Escultura e outras escolas
particulares, começou a ser leccionada instrução artística
em classes nocturnas. O ensino de desenho passa a ser
incluído nos programas das escolas médias superiores, entre
as quais se contam as seguintes escolas portuguesas: a Aula
Régia de Desenho e Figura, a Escola de Pintura da Casa Pia, a
Escola de Mafra. As Conferências do Casino renovaram o ideal
estético com a atracção do social na obra de arte e aqui se
distinguiu Francisco José Resende, com «A camponesa de
Ílhavo» e «Gente da Murtosa na Romaria da Senhora da
Pedra». A arte social manifesta-se na tendência para a
formação de colónias de artistas pintores e para levar
estes a adaptarem-se uns aos outros no seu modo de viver. As
confrarias e colónias de artistas exprimem uma tendência
para a coligação e comparação, para romper com o
isolamento e retirar o artista do individualismo. O modo como
o artista vive a vida tende para a anarquia, para uma ordem
que não é a ordem estabelecida e ao entregar-se nas mãos da
arte adquire um carácter místico, quase religioso.
Flaubert (1851,
I: 238) disse que "a arte é a única coisa verdadeira
e boa da vida"; porém, na parte final da sua vida
(1875, IV: 244), refere que "o homem não é nada, a
obra é tudo", pelo que o seu conceito de artista
perdeu, aqui, toda a relação com a vida.
O
desenvolvimento da técnica acelera a variação da moda e
origina a mania do novo, só porque é novo. A substituição
rápida de artigos por outros novos, introduz um dinamismo na
atitude perante a vida. Desenvolvem-se centros culturais nas
cidades; as obras dos pintores representam alternância do
estático e do dinâmico, do desenho e da cor, da ordem do
abstracto e da vida orgânica.
No campo da
formação artística, tem havido uma visão monocular
pró-artista, o que terá conduzido a uma bipolarização no
campo da arte: de um lado, o artista, com a sua técnica,
criatividade, os seus códigos, o seu mundo; do outro, um
público sem técnica, sem criatividade, sem códigos, sem
motivações. Esta bipolarização tem impedido o encontro
entre o público e o artista, porque não conseguem comunicar
entre si.
Uma formação
universalizada tem necessidade de incluir nela a formação
artística, que não é independente de momentos históricos e
valores sociais que se vão sucedendo. Os saberes que
floresceram no campo da arte podem e devem fornecer o seu
contributo para uma cultura artística. Não basta dispor de
energias e capital; torna-se necessário entregar nas mãos
das Escolas essas energias e esse capital (Morin, 1990)
necessários à formação dos públicos. Entendemos que uma
escola que dê formação artística estará vocacionada para
ser motor e lugar de uma experimentação infinita de novas
formas de conciliação entre o público, a arte e o artista,
de novas possibilidades de coexistência, de
comparticipação, de cooperação.
Claudette Albino
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