José António
Rebocho Christo
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Procissão de Santa Joana nos começos do séc. XX,
num postal ilustrado editado por Souto Ratola. |
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Desde Marques
Gomes, que publica em 1879 o “Esboço Biográfico de
D. Joanna de Portugal”, que são levantadas várias
questões acerca da historicidade de muitos elementos
que, nos textos hagiográficos, ou seja os que saem
da pena de elementos do clero, eram veiculados como
correspondendo à existência autêntica da Princesa, e
sobre os quais se divulga a sua história de vida e
se constrói a sua iconografia.
Diz este historiógrafo aveirense:
«Os biógrafos de D. Joana saídos com raríssimas
excepções dos claustros, não podiam talvez deixar de
cercar de sucessos milagrosos o vulto simpático da
filha de D. Afonso V, e é só assim que se explica a
sua convicção, aliás na aparência sincera, com que
relatam factos, que de forma alguma podiam ter
lugar, como são os dos casamentos com alguns
daqueles monarcas. Seria demasiado longo, e até
mesmo fastidioso, o rebater, nesta parte, os
biógrafos, cada um de per si, e mesmo
/ p. 112 / porque todas as informações estão
compendiadas na História de São Domingos, pelo
clássico e brilhante cronista desta ordem. Frei Luís
de Sousa, seguiu é verdade, pela vereda dos mais
cronistas, mas fê-lo tão primorosamente, escreveu
num estilo tão arrebatador, que a ele só devemos
pedir as narrações dos factos de que nos estamos
ocupando e que temos de condenar como absurdos.».
Assim como para os três
casamentos propostos, de que adiante se falará,
igualmente se questionam, em termos de consistência
histórica: o título de princesa jurada em cortes e o
seu uso perpétuo; as motivações para a vida
claustral – se por um lado Rui de Pina aponta como
razão do envio da Infante para Odivelas, aos 18
anos, a vontade de seu pai pois vivia “com tão
grande casa de donas e donzelas e oficiais como se
fora Rainha; e porque fazia sem necessidade grandes
despesas, e assim por se evitarem alguns escândalos
que em sua casa por não ser casada se podiam seguir”
por outro lado, a sua estimada biógrafa, e
contemporânea no Mosteiro de Jesus, Soror Margarida
Pinheira, apresenta apenas uma vontade férrea e
inabalável da Princesa em tomar votos de clausura,
pela sua grande “devaçam”, e relata a vida
particular de D. Joana no Paço como profundamente
devota e decorosa, proibindo os malabaristas e
“evitando jogos e vaydades”,
colocando-a em quase permanentes benfeitorias aos
necessitados e em oração frequente no seu oratório
privativo e secreto, vestindo “mordente lã” e usando
silícios por debaixo dos “reais vestidos e toucado”;
e, por último, também a regência que lhe é
atribuída, em 1471, aquando da campanha de Arzila em
que participaram o Pai e único Irmão, o futuro D.
João II, é motivo de dissonância entre as fontes,
pois quem fica na regência é o Duque de Bragança, D.
Fernando.
Nem os cronistas Damião de Góis nem Rui de Pina
relatam a Infanta como regente, e a carta patente de
D. Afonso V é clara quando incumbe a regência a D.
Fernando.
Concordam, contudo, estes
diversos autores nos seus atributos de beleza, de
bondade e de “onesta e muy virtuosa vida”
e a sua vasta cultura.
Ao contrário da
Biografia,
que é parte da
História,
o hagiológio não tem a preocupação com o registo de
factos – mas sim da vida piedosa do biografado, o
que mais importa às religiosas. Isso significa uma
preocupação maior com os fenómenos da fé e uma
valoração das tradições e lendas em detrimento dos
factos históricos, propriamente ditos. É este o caso
da grande fonte para o conhecimento da vida de D.
Joana, na qual podemos reconhecer todo o repertório
de exemplo moral e iconográfico, o inestimável
códice quinhentista “Crónica da Fundação do Mosteiro
de Jesus, de Aveiro, e Memorial da Infanta Santa
Joana Filha Del Rei Dom Afonso V. Nele encontramos o
memorial da muito excelente princesa e muito
virtuosa Senhora a senhora Infante dona Joana nossa
Senhora, texto que certamente recebeu
contributos vários das religiosas que conviveram com
a Princesa e que se tornará a base dos processos
canónicos, Ordinários e Apostólicos, organizados
para a causa da beatificação da Infanta a partir de
1626, que atesta
/ p. 113 / o
culto, veneração, prodígios e maravilhas da
Infanta que viria a ser beatificada em 1693,
pelo Papa Inocêncio XII. O Processo Apostólico
posterior, que visava a Canonização, corrido em
Coimbra, de 1749 a 1752, não foi consequente.
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Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus de Aveiro e
Memorial da Princesa D. Joana.
Margarida Pinheira (atr.) – Séc. XV-XVI (1513).
Museu de Aveiro – Secção de Reservados – Inv.º 33/CD
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Em termos de textos
impressos, eles não acrescentam novidades
substantivas em relação ao “Memorial”, como, por
exemplo obra de Frei Nicolau Dias, “Vida da Sereníssima
Princesa Dona Ioana” (Lisboa, 1585), a primeira
biografia impressa da filha de D. Afonso V; a
“Virtuosa Vida e Sancta Morte da Princesa Dona
Joana” de D. Fernando Correa de Lacerda, Bispo do
Porto (1674); o “Céo aberto na terra” do Padre
Francisco de Santa Maria (1697); e deixando por
referir muitos outros textos escritos em português,
latim, castelhano e francês, sermões e Orações
panegíricas dadas ao prelo, a obra de D. António
Caetano de Sousa, “História Genealógica da Casa Real
Portuguesa”, dedicada a D. João V em 1737) e o “Flos
Sanctorum” de Frei Diogo do Rosário, impresso em
Lisboa em 1741.
Esta lista, se melhor mérito não tem, pelo menos
certifica que o texto produzido em Aveiro tem uma sobrevida secular, espalhando não só no Reino de
Portugal, como em Espanha, França, Flandres e Itália
a fama e virtudes caritativas de D. Joana, a
Princesa de Aveiro.
/ p. 114 /
Num mundo em que o saber ler era invulgar, estes textos
serviam de igual modo de base à produção de imagens,
de conteúdo acessível a um público alargado,
franqueando não apenas a vida mas sobretudo o
exemplo maior das qualidades da Princesa que deviam
ser mimetizadas pelos devotos. A partir da
beatificação (1693), e com a faculdade de ser
venerada nos altares, as freiras do Mosteiro de
Jesus encetam diversas campanhas artísticas que
enobrecem os espaços conventuais e potenciam o
fervor pela Beata Joana.
O museu de Aveiro, sucessor neste espólio notável, a
ele deve ser considerado o museu do barroco em
Portugal. A euforia era geral e os esforços das
monjas iam no sentido de enaltecer a sua Princesa
Santa, entrando em vastos programas decorativos a
ela dedicados e que agora nos guiarão ao perscrutar
a sua biografia. No mosteiro de Jesus existem
três grandes programas narrativos elaborados entre
1711 e 1734. Os dois primeiros situam-se na
capela-mor da igreja, e o terceiro, mais tardio, é o
da Sala de Lavor, que data de 1734 e do qual nos
socorreremos para ilustrar os passos mais
expressivos da existência da Beata D. Joana de
Portugal. São cerca de 20 anos que bem demonstram o
espírito da casa e a necessidade que sentem, em
público ou privado, de ter acessível e divulgar a
notícia da sua virtuosa vida e dos seus milagres.
Comum a todos é o
anacronismo do vestuário e dos ambientes, sendo o
representado correspondente ao tempo da execução das
obras.
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Nascimento da Princesa D. Joana -
Óleo s/tela. Séc. XVII-XVIII. MA inv. 392/A
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/ p. 115 /
A Princesa D. Joana nasce no dia
6 de Fevereiro de 1452, no Paço Real, fruto do
consórcio de D. Afonso V com D. Isabel de
Coimbra e teve como ama D. Brites de Meneses,
aia da rainha que havia sido casada com Aires
Gomes da Silva, Senhor de Vagos, homem da
confiança do Infante D. Pedro. Diz o Memorial
que “vindo o tempo do parto e alumiando-a Deus
(refere-se à Rainha D. Isabel) pariu uma filha a
mais formosa e bela criatura que neste mundo
pudesse ser achada e vista”
a qual teve por nome de baptismo Joana, pela
grande devoção e favor que a sua Mãe tinha com
São João Evangelista. O acontecimento foi
vivamente festejado, uma vez que do casal ainda
não havia descendência que garantisse o
trono, questão que acompanhará a Princesa por
toda a vida: a fragilidade na linha de sucessão
e a eventual necessidade de ser ela a dar-lhe
continuidade como “Princesa Jurada”. |
Retrato da Princesa Santa Joana
Oficina portuguesa. c. 1472. Óleo s/ madeira de
castanho. MA inv. 1/A |
/ p. 116 /
Segundo o testemunho das suas
contemporâneas, a Princesa “Era no rosto e no corpo
mui aposta. A frente mui graciosa. Os olhos verdes
mui fermosos. O nariz meão e de boa feição. A boca
grossa e revolta. Rostro redondo, o carão alvo com
algua canta quer cor bem posta. Muito fermosa
graganta e mãos mais do que se pudesse achar e ver
noutra mulher, alta e grande de corpo direito. Mui
aposto e airoso.”
E “Voava por todas as partes da cristandade a fama
de excelencia de formosura… desta infante princesa.
E a todos os reis e príncipes dos diversos reinos
punha em grande cobiça de a ver e ouvir. E porque
lhes era impossível pela grande distância e
alongamento dos reinos e terras mandavam pintores
mui perfeitos que a vissem e tirassem polo natural.
Para poderem assi pintada gozar de tanta formosura”.
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Sala de Lavor – Capela Relicário de Santa Joana
Princesa |
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Auxilia-nos agora o
programa narrativo mais extenso, provavelmente
desenhado pelas encomendantes domínicas, o da Sala
de Lavor, espaço em que morreu a Princesa e que
primitivamente era a Casa dos Bordados. Ficando D.
Joana doente levaram-na para este lugar, maior e
mais arejado que os seus aposentos e onde podia
usufruir de maior companhia e assistência. À sua
morte, e por ter desde logo fama de santidade, não
mais foram feitos trabalhos manuais nesta
dependência, tendo servido de cartório onde se
reuniram os documentos dos processos de beatificação
e, depois desta, é transformada em capela relicário
dedicada à sua memória. / p. 117 /
Era natural que D. Afonso V e o
Príncipe Perfeito quisessem um enlace com uma casa
real europeia mas, em boa verdade, nenhum dos
cronistas refere estas diligências. Seriam tratadas
em “privado”? Parece-nos
um argumento pouco consistente pois estas uniões
pressupunham grandes mediações e negociações
políticas das quais não há notícia. No entanto
existem referências em Rui de Pina, Damião de Góis
ou em Garcia de Resende de manobras diplomáticas com
as cortes em relação às quais se ambiciona, como
atesta o “Memorial”, o enlace, e são elas a
Inglaterra, a França e o Sacro Império
Romano-Germânico. Pode, à falta de dados mais
consistentes, imaginar-se que, tendo acesso ao
conteúdo daquelas crónicas, fossem os dados
metamorfoseados em esponsais. Além do mais era
altamente dignificante e significativo que, para
além de prescindir dos apanágios de Princesa, D.
Joana tenha também abdicado das coroas reais, pondo
em evidência a opção feita de viver pobre e em
clausura, apartada de toda a mundanidade. E toda
esta encenação ganhava ainda créditos quando, por
vontade divina, os pretendentes morriam antes que o
contracto dos nubentes pudesse ser realizado - não
era esse o esposo que queria a Infanta, mas sim o
Altíssimo como refere o “Memorial”, pondo-se o
próprio Deus solidário com a opção tomada e
tomando-se a alegoria por milagre! Daqui nasce o seu
elemento iconográfico mais marcante: as três coroas
reais caídas a seus pés.
Relativamente à circunstância do seu eventual
casamento, e que nem sempre é notada, nunca é
referida, p. ex, no Memorial, estão as diligências
para a casar com D. Diogo, Duque de Viseu, cunhado
de D. João II e irmão do futuro D. Manuel I. D.
Diogo, após ter conjurado contra o soberano será
assassinado pelo próprio Príncipe Perfeito, em
Palmela, no ano de 1484.
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Óleo s/ tela – c.1734 – Sala de Lavor – Museu de
Aveiro, Inv.º 234/A e 232/A |
/ p. 118
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A primeira tela da
série (à esquerda) mostra um rei que recebe um
embaixador, o qual lhe exibe um retrato de D. Joana,
evidentemente uma alusão a estas afamadas propostas
de casamento. A segunda é a fórmula pintada da
recepção que a Princesa faz ao Pai no regresso
vitorioso de Arzila, conquista do Africano que as
míticas Tapeçarias de Pastrana virtuosamente realçam
e engrandecem, para a qual vestiu de verde, conforme
os relatos do “Memorial". É o momento em que a sua
elevada cultura humanista se revela pois, uma vez
que não era vontade geral que entrasse em vida
claustral engendra pedir ao Africano que, seguindo o
exemplo dos grandes imperadores da antiguidade que
entregavam ao templo uma filha em gratidão por uma
vitória, assim ele, grande monarca o deveria fazer e
deixá-la cumprir os seus desejos.
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Óleo s/ tela – c.1734 – Sala de Lavor – Museu de
Aveiro, Inv.º 238/A e 233/A |
Assim aconteceu.
Após uma curta passagem por Odivelas ruma ao norte,
na viagem, tendo primeiramente dito ao soberano que
iria para Coimbra, onde ficaria no Mosteiro de Santa
Clara satisfazendo as preocupações paternas, pede
para que este destino seja trocado por Aveiro onde
conhecia, por epístolas trocadas com D. Leonor de
Meneses, a virtuosidade e beatitude do Mosteiro de
Jesus.
Chegou acompanhada do Pai e do irmão assim como a
tia, D. Filipa, e escoltada por D. Micia Alvarenga.
Para a receberem, na portaria do convento, estavam a
Prioresa, D. Brites Leitão, a Madre Maria de Ataíde
e outras religiosas das mais antigas. Ao fundo vemos
as carruagens que transportaram o séquito que veio
de Lisboa a acompanhar
/ p. 119 /
D. Joana e, sobre o lado
esquerdo da tela, é possível ver o portal da Igreja
do mosteiro dos Dominicanos, responsável pela
assistência espiritual ao Convento de Jesus. Sobre o
campanário está o “cometa”, a estrela brilhante que
paira nos céus de Aveiro anunciando a chegada da
Princesa e que se extingue no dia da entrada, a 4 de
Agosto de 1472 e faz conjunto com diversas
premonições que aludem à sua vinda para a Bruges
portuguesa ou a Paris de Portugal, epíteto com que
um autor se refere a Aveiro pela elegância das suas
gentes e da própria vila, nobre e notável, que Pinho
Queimado, no final de Seiscentos, descreve cheia de
cor, jardins e fontes.
Do lado direito vemos a “Tomada de hábito”. Esta
revela-nos o episódio que tem lugar na Sala do
Capítulo, a 25 de Janeiro de 1475, quando Santa
Joana decide vestir o hábito da Ordem Dominicana, à
rebeldia do Pai e irmão e contra a vontade da corte
e povos do reino que veementemente se insurgiam
contra a sua entrada em religião. Desde sempre pesou
sobre ela a necessidade de poder ter de vir a
garantir a sucessão na coroa, o que era incompatível
com os votos de clausura, razão pela qual viverá
como “Religiosa não professa”, com hábito branco de
noviça, cumprindo escrupulosa e benignamente todas
as tarefas e limitações inerentes à vida claustral,
e apaziguando, por esta via, os que lhe eram
contrários. É a prioresa, D. Brites Leitão, que
cumpre o ritual do corte do cabelo, protesto de
humildade e renúncia de vaidade.
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Óleo s/ tela – c.1734 – Sala de Lavor – Museu de
Aveiro |
/ p. 120 /
Apesar de estar já no Mosteiro aveirense, o Príncipe
Perfeito faz diversas investidas para que a sua
única irmã renuncie à clausura. Num destes
episódios, D. Brites, a Prioresa, escusa-se com D.
João por não mandar para fora do convento a
Princesa, pois, argumenta, como poderia ter
autoridade para tal face à condição de nascimento de
D. Joana; no claustro superior está D. Garcia de
Menezes, Bispo de Évora, que a tenta convencer a
partir para a corte. Esta vinda a Aveiro provocou a
ira ao Príncipe Perfeito que dá asas ao “seu génio
mal sofrido” ameaçando a irmã de lhe rasgar o hábito e de a levar
à força.
Os surtos de peste
que então assolavam o território nacional traziam
preocupações acrescidas quanto à saúde e sobre vida
da Princesa e levarão a que por algumas vezes tenha
de ser retirada do claustro aveirense. Na tela do
lado direito vemos a Infanta quando é forçada a sair
do convento, em 1479, por um surto de peste ter
assolado a Vila. Acompanha-a D. Brites Leitoa que
facilmente se denuncia pelo bordão de Prioresa.
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Óleo s/ tela – c.1734 – Sala de Lavor – Museu de
Aveiro |
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/ p. 121 /
Na presente cena
dúplice vemos, em primeiro plano, D. João que tenta
convencer a irmã a aceitar uma nova união; em
segundo plano a denominada “Visão do Anjo”. Mais uma
vez se retoma o tema das propostas de casamento e,
estando a Princesa desesperada com a pressão que
sofria aparece-lhe um anjo que lhe traz esta missiva
“não entristeças Joana pois o teu Divino Esposo
ouviu o teu rogo” e não tardou a notícia da morte de
mais este pretendente.
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A representação da Morte da Princesa, ocorrida a
12 de Maio de 1490, encima o altar da capela. No
leito jaz D. Joana e é o momento em que a sua
alma sai pela boca e entra nos céus, onde a
esperam em gáudio os anjos e os Santos. Todo o
cenário é conforme ao “Memorial” destacando-se o
crucifixo que tinha na mão quando morreu, assim
como o cirial que tocou momentos antes. O
aparato desta representação faz jus a Cataldo
Sículo, grande poeta e humanista que estava
encarregue da educação do sobrinho da Princesa,
D. Jorge que com ela vivia, quando o letrado
escreve “Estás de cama, enferma, em leito que,
segundo corre fama, é opulento”
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Óleo s/ tela – c.1734 – Sala de Lavor – Museu de
Aveiro, Inv.º 231/A |
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/ p. 122
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É com profundo pesar e copiosas
lágrimas que todos se despedem da Senhora D. Joana
e, no seu funeral, acontece um dos seus mais
solenizados milagres. Para ele vieram “os bispos de
Coimbra e do Porto revestidos em pontifical, com
tudo o que havia de clérigos e religiosos na vila
lhe fizeram as exéquias e amortalhada no hábito de
São Domingos foi metida num caixão e levada à
sepultura”
sendo nesta altura que a natureza se revela,
murchando todas as flores à passagem do cadáver da
Princesa. |
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Óleo s/ tela – c.1734 – Sala de Lavor – Museu de
Aveiro |
E é este o registo
que nos deixa da princesa aquela que é considerada a
ultima grande crónica medieval portuguesa, sobre o
qual se vai projectar a sua memoria que, até hoje,
na esfera emotiva e devota, preservamos e através da
qual se atesta o seu culto imemorial, fundamento
primacial do seu processo de beatificação. No
entanto importa não deixar no esquecimento a sua
história, o que as fontes que não religiosas nos
transmitem, talvez uma imagem outra, mas seguramente
complementar, da entourage desta Infante-Princesa
que nos permite conhecê-la melhor e melhor
compreender a sua importância nacional e local.
/ p. 123 /
Da mãe, D. Isabel
de Coimbra, que morre em 1455, tendo a menina 3
anos, bebe o exemplo do homem excepcional que foi o
seu avô, o Infante D. Pedro, ávido de cultura,
viajado e de uma craveira notável. Como era uso no
seu tempo terá sido amamentada até aos 2 ou 4 anos
por amas de leite, cuja função era garantir a sua
boa saúde e crescimento, as quais sabemos terem sido
Mécia de Siqueira e Beatriz Alvares, cuvilheira da
Princesa. Do pai, e sustentado nas indicações para a
educação dos príncipes propostas um século antes por
Gil de Roma no seu De regimine principum,
terá recebido orientações que, por ser do sexo
feminino, levavam a guardá-la e evitar passeios,
sobretudo a partir dos 12 anos. Esteve rodeada ao
longo do seu crescimento de nobres de reputada fama
e bons costumes, como D. Beatriz de Meneses, D.
Beatriz de Vilhena ou mesmo a Tia, D. Filipa. Esta
uma senhora de reconhecida e elevada cultura que
possuía livros de Orações e de Gramática. Na sua
formação terá sido ainda presente o Livro das
três virtudes, ou Espelho de Cristina, de
Christine de Pisan, cuja tradução fora ordenada pela
rainha D. Isabel. Uma obra que, como refere Cristina
Pimenta, poderá ter feito parte dos seus horizontes
de interesse, destinado a todas as princesas e
outras damas de elevado estatuto social pretende
dotá-las de um modelo de comportamento inspirado
pela devoção a Deus (e cujo reflexo pode visto no
uso elegante e assertivo da linguagem, nos gestos,
no vestuário, etc) que pudesse ser imitado por todas
as outras mulheres, como refere Pisan, “toda a
princesa e grande senhora assy como e levantada em
estado e honra sobre as outras que assy o deve ser
em bondades e costumes e condições por que ella seja
exemplo”, e mais adianta que quando “for de idade
aprenda a leer e sayba suas horas”. Não se deve
ainda descartar a importância da leitura das
Confissões de Santo Agostinho, para além da
Bíblia, Actos dos Apóstolos ou dos
Breviários, e continuamente os livros, fonte de
conhecimento, que tanto a vão preocupar por serem
escassos no mosteiro promovendo a sua aquisição.
A par desta
formação mais erudita, foi igualmente adestrada a
costurar e a bordar.
Coube a “boa
creação, i ensino da Princeza D. Joanna (…)”, como
refere Jorge Cardoso no seu Agiologio, a Frei
João Rodrigues, do Convento de Santo Elói em Lisboa,
a quem alguns autores associam a figura de Vasco
Tenreiro, tal qual a de Gil Peres, e para seu
confessor, no Paço, João de Airas que a acompanhará
a Odivelas. Já em Aveiro seriam seus confessores
Frei Antão de Santa Maria de Neiva, Frei João Dias e
Frei Paio de Lira e seu capelão Diogo Lourenço.
A vinda da Princesa
para Aveiro, a que carinhosamente chamava a “minha
Lisboa, a pequena”, é certamente um dos episódios
mais relevantes que a urbe conheceu e nos fez a
cidade e povo que hoje somos, conscientemente ou
não. A expressão que usa de imediato nos deve servir
de indicador. Havia poucos anos que o Infante D.
Pedro patrocinara o estaleiro do convento da
Misericórdia e a construção da muralha que mais
tarde permitiria a segurança da sua neta. Aveiro, a
pequena Vila, crescia e nobilitava-se com particular
atenção por parte de Afonso V. Procedendo de uma das
capitais mais cosmopolitas e importantes do seu
tempo, fervilhante de gentes e riquezas, é
interessante interpretar a designação da Infante,
como se assinava, e debuxar uma vila que, apesar de
pequena, reunia condições para receber uma Princesa
que para ela capitalizava a atenção de todo um
Reino. Uma vila cuja luz, especial pela presença
excepcional da água,
/ p. 124 /
atlântica e fluvial, faz
lembrar a capital, e uma povoação de vocação
marítima como o era Lisboa, onde pontuavam homens
com a notoriedade de João de Albuquerque, Senhor de
Angeja, porém mais recatada e apta a cumprir os
desejos de Dona Joana.
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Regra - As Ordens Religiosas são organizações ou
institutos religiosos reconhecidos pela Igreja
Católica, cujos membros (comummente conhecidos como
"religiosos") desejam alcançar o objectivo comum de
dedicar formalmente sua vida a Deus. Assim, vivem
unidos por uma regra estabelecida pelo fundador da
dita ordem ou pela Igreja. A Ordem Dominicana
rege-se pela Regra de Santo Agostinho. São Domingos
de Gusmão MA Invº 3/A |
Em Aveiro a
Princesa, apesar de satisfazer escrupulosamente os
rigores claustrais, não deixava de ser quem era.
Vivia em moradas próprias dentro do convento,
edificadas em terrenos que pertenceram a Aires Gomes
e teve a prerrogativa de criar o sobrinho D. Jorge,
o qual era filho de D. João II que o teve em Ana de
Mendonça.
Pelas suas cartas
apercebemo-nos do papel que continuava a ter como
membro da casa real, caso da que passa, em 1471, aos
“juízes, vereadores, procurador, fidalgos,
cavaleyros e escudeyros e poboo da muy nobre e leal
cidade de Coimbra” aos quais saúda e dá a magna
notícia das vitórias de Arzila e Tânger, ou a datada
de 4 de Outubro de 1487, escrita em Montemor, na
qual pede, evitando a intromissão real directa e
decididamente mais veemente, aos “juízes, vereadores
e procurador, e cavaleyros e escudeyros e poboo da
muy nobre e sempre leal cidade do Porto” para que
libertem o embargo ao Cadamoz Novo, navio que tinha
vindo da Madeira trazendo “pão” e que urgia fazer
chegar à Vila que tinha dele grande necessidade pela
peste que então grassava.
/ p. 125 /
A partir de 19 de
Agosto de 1485 é-lhe concedido o Senhorio de Aveiro,
compreendendo os lugares de Eixo, Requeixo, Óis,
Paus, Vilarinho e Balasaima com todos os seus
reguengos, foros e tributos, competindo-lhe a gestão
da vila e seus réditos, pedindo apenas escusa à
aplicação da justiça.
À hora da morte
toda a comunidade religiosa se reúne junto da
Princesa e ao anúncio do passamento Aveiro veste de
luto pois perdera a magnânima generosidade com que
socorria a todos. Às freiras, suas companheiras,
havia desaparecido aquela que com elas repartia as
tarefas diárias, fossem elas varrer, carretar pão,
tijolo, telha ou lenha, abdicando dos luxos
inerentes à sua condição comendo e bebendo em malgas
e não em baixela, haveria maior abnegação?! E se
falamos em legado terá a primazia o exemplo na
caridade, o dom que na Carta aos Coríntios se nos
apresenta como a mais elevada virtude e a que mais
agrada a Deus fazendo a sua escolha em plena
liberdade, exemplo que nos fica como comunidade que
tanto estima, abona e combate por este valor!
Abordar a
importância local desta personagem é redutor e de
algum modo complexo, pois a sua monta ultrapassa em
muito as fronteiras aveirenses e os limites do
tempo, sendo Aveiro quem recolhe os dividendos da
sua presença, no passado como hoje. Através dela o
nome da Vila, depois Cidade, corre esferas por vezes
surpreendentes. E falamos de algo que é difícil de
mensurar: prestígio e notoriedade!
Atrevemo-nos a
buscar na tradição da vida monástica uma máxima que
podemos replicar e aplicar a esta circunstância:
“Quid quid monacus aquierat, monasterium aquiritur”,
neste caso com o sentido de que tudo o que foi
adquirido ou obtido pela Princesa Santa Joana passou
a ser nosso, como colectivo herdeiro dela!
Ao Mosteiro, que
deixa em testamento como legatário, outorga quase
tudo de seu.
Aveiro, não só o
Mosteiro de Jesus, jamais seriam os mesmos a partir
de 1472! Não foi o acaso! Lembre-se, neste contexto
e sem sermos fastidiosos ou termos a pretensão de
tudo conseguir elencar:
Não foi o acaso que em 1492 leva
à concessão ao Mosteiro de Jesus de um privilégio,
pelo qual eram escusados e guardados todos os seus
caseiros, lavradores e vários serviçais.
Não foi o acaso que levou D. João
II, em 1493, a conceder à vila de Aveiro o relevante
privilégio de proibir que aqui morassem pessoas
poderosas, para não serem prejudicados os seus
habitantes que, na maioria, eram mareantes e
pescadores.
Não foi o acaso que
em 1495 levou este mesmo rei a doar ao seu filho
bastardo D. Jorge o senhorio de diferentes terras,
entre as quais os lugares de Sá e de Verdemilho e a
«villa de Aveiro com suas lezírias e ilhas de dentro
da foz», dando origem, no seu filho, D. João, ao
ducado de Aveiro, com honras de parente, um título
de juro e herdade fora da lei mental que ficará na
história pela sua grandeza e pelo receio que muitos
poderosos, nos quais se contabilizam o Marquês de
Pombal, tinham da sua notoriedade, riqueza, cultura,
poder e influência com lugar destacado na linha de
sucessão.
/ p. 126 /
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Carta de Maria de Ataíde, prioresa do Mosteiro de
Jesus de Aveiro, para João Saraiva, escrivão dos
contos do Funchal, lhe mandar entregar 10 arrobas de
açúcar que o rei lhe fez mercê de esmola.
Forma de Pão de Açúcar. Col. Museu de Aveiro
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p. 127 /
Não foi o acaso que
levou D. Manuel I em 1499 a passar carta para o
Mosteiro poder possuir todos e quaisquer bens de
raiz já adquiridos, alargando-se em 1501 a poder
haver e herdar bens de raiz ou outros, e a fazer ao
Mosteiro a concessão de açúcar da Ilha da Madeira.
Não foi o acaso que
elevou ao título de Real o Mosteiro de Jesus, com
todas as prerrogativas inerentes de protecção régia
e que assim aparece nomeado desde 1499.
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Gravura a buril - 1621 – in, P. António de
Vasconcelos, Anacephalaeoses – MA, inv. 150/Hg,
e Gravura a buril - 1639 – in, Joanne Caramuel
Lobkowitz, Philippus prudens Caroli V. Imp.
Filius Lusitanae Algarbiae, Indiae, Brasiliae
legitimus rex demonstratus – Col. Particular. |
Não foi o acaso que
fez com que os Áustrias tivessem acarinhado e
privilegiado Aveiro. Este modelo de representação da
Princesa teve fortuna, desconhecendo-se em concreto
por que via, sendo utilizado para a representar em
gravura, na obra do P.e Jesuíta, António de
Vasconcellos, Anacephalaeoses, em 1621, com
desenho muito próximo do original vulto, mas
com um personagem de uma muito maior robustez.
Dezoito anos mais tarde será incluída, com ligeiras
alterações, na obra do monge cisterciense espanhol,
Juan Caramuel Lobkowitz, na obra Philipus Prudens,
de 1639. Rocha Madahil entende dever ser a mesma
chapa, com alterações ao nível do colo que, por
razões de decoro, foi tapado por uma camisa que o
omite totalmente. O uso da efígie nas duas obras,
associado à representação da linhagem dos monarcas
portugueses, insere-se num programa de propaganda,
também ela imagética que não apenas linhagística,
que justifica e legitima as pretensões ao trono
português por parte de Filipe I, o Prudente, filho
do Imperador Carlos V e da Infanta D. Isabel de
Portugal (filha de D. Manuel) e casado com D. Maria
/ p. 128 /
Manuela, esta filha de D. João III, estendendo-as a
toda a sua geração e integrando a coroa nacional na
casa de Habsburgo.
As únicas figuras femininas que
Lobkowitz apresenta são a Rainha Santa Isabel e a
Princesa Joana de Portugal, fórmula que é uma
evidente tentativa de aproximação ao papado pois
incluem sangue “santo” na sua linhagem, o que ganha
realce se recordarmos que Carlos V promove o Saque
de Roma, em 1527, com um banho de sangue que correu
pelas ruas da cidade, e por todo o lado se
verificaram pilhagens, violações e torturas contra a
população. Santa Isabel é beatificada em 1516, vindo
a ser canonizada, por especial pedido da dinastia
filipina, que colocou grande empenho na sua
santificação, em 1625. Também o primeiro processo
para beatificação de D. Joana, 1626, data do tempo
da monarquia dual, tal era o interesse dos Áustrias
em apaziguar relações com Roma e sacralizar a sua
estirpe. Ainda em Aveiro, e sendo Prioresa D. Inês
de Noronha, que verificou não estar a Princesa Santa
sepultada condignamente, foi dirigida uma petição a
Filipe II, em 1602, para que o monarca concedesse um
subsídio para a execução de um novo túmulo, logo foi
aceite concedendo 50 mil reis para a obra.
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Convento de Santa Joana em Lisboa, Rua de Santa
Marta. |
Não foi o acaso que
levou a que, em 1578, D. Álvaro de Castro, senhor de
uma grande quinta situada adiante de Santa Marta, a
tenha vinculado, antes de partir para África, à
comunidade dominicana do Convento de S. Domingos de
Benfica, com a obrigação daquela até edificar um
mosteiro da mesma ordem com todas as oficinas e
afins. Esta congregação desistiu do legado,
passando-o para Frei José Galrano que, em 1699,
mandou edificar, na dita propriedade, um Hospício de
Missionários da Índia, dedicado a
/ p. 129 /
El-Rei D. Pedro II
e a Santa Joana, Princesa de Portugal, chamando para
a obra o arquitecto régio João Antunes, o mesmo a
quem D. Pedro encomenda o túmulo de mármores
policromos em que as relíquias da Padroeira se
encontram hoje.
Em 1755, o
terramoto que assolou Lisboa fez alguns estragos
neste convento que de masculino passava agora a
receber as religiosas de Santa Joana. As freiras ali
residentes, em sinal de agradecimento a Deus pelo
facto de as ter preservado, acolheram inúmeras
pessoas que ali recorriam, lutando para que ali se
construísse uma nova paróquia. Para ali transitaram
as freiras do Mosteiro da Anunciada e algumas do
Mosteiro da Rosa.
E também não foi o
acaso que levou a que neste cenóbio se fundasse a
Irmandade dos Homens Pretos de Santa Joana, cujo
objectivo era a missionação e promoção dos escravos
cristianizados, originalmente sob a égide da Senhora
do Rosário. Já a Princesa, às escravas que teve no
Mosteiro tinha dado alforria em testamento, algumas
das quais sabemos os nomes, Cristina, Joana e
Catarina negra.
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Igreja de Santo António dos Portugueses, Roma.
Capela-mor, pormenor do lado da Epístola. Óleo s/
tela. Michelangelo Cerruti - c. 1722 |
Não foi o acaso que
levou a que dentro da “Politica Romana” Joanina a
Princesa integrasse o programa de Santo António dos
Portugueses, em Roma, cuja decoração se centra nas
invocações nacionais e onde tem lugar de destaque,
quer nos frescos tardios da cúpula ao lado das
beatas Teresa, Sancha e Mafalda quer, no período que
nos importa, por Michelangelo Cerruti numa
extraordinária tela datada de c.1722, colocada na
capela-mor, do lado da epístola. Representa um
episódio relatado no “Memorial” quando D. Afonso V,
ainda em Lisboa, lhe propõe um casamento que a
Princesa recusa, estando
/ p. 130 /
mais empenhada nas coisas
do Céu, como se vê pela sua atitude. Interessa a
notoriedade de Santa Joana neste templo, por
excelência a embaixada nacional junto do Papado.
Se tivermos em conta o impulso e
patrocínio de D. Pedro II no processo de
beatificação, ao qual adere o próprio D. João V, no
sentido da canonização que infelizmente não será
consequente, percebemos claramente quanto é verdade
que a politica romana nos surge já claramente
esboçada no tempo de D. Pedro II e é, de facto, no
reinado do seu filho que ela se configura
abertamente em termos de estratégia de poder.
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Visita ao Real Mosteiro de Jesus - D. Manuel II, em
1908 |
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Não foi o acaso que
trouxe a Aveiro, a venerar as suas relíquias, o Rei
D. Luís, a Rainha D. Maria Pia, o Príncipe D. Carlos
e o Infante D. Afonso, assim como mais tarde viria
D. Manuel II, em 1908, ou, já na república, a visita
oficial do Presidente da República, Almirante
Américo Tomás, que presidiria às solenidades
comemorativas do primeiro milenário de Aveiro e do
segundo centenário da elevação da antiga vila a
cidade.
Recuando um pouco,
e apenas como lição, não foi o acaso que levou à
edição, em 1682, em Veneza, de uma peça teatral e
obra moral I fallimenti di Corte di Muti,
obtida da vida de Santa Joana e oferecida a D.
Manuel José Cortizos, Marquês de Vilaflores, na qual
há um curioso Henrique, que se enamora da Princesa e
se traveste de freira para a tentar.
/ p. 131 /
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1. Óleo s/ tela – Séc. XVIII (?) – Elvas
– Igreja de São Domingos 2. Óleo s/ tela – Séc. XVIII – Lisboa –
Igreja do Colégio do Bonsucesso 3. Óleo s/ tela – Séc. XVII-XVIII – Gaia – Convento Corpus Christi |
Não é o acaso que
leva a sua imagem, que veremos rapidamente, pintada
ou esculpida, a estar presente em algumas das
principais igrejas e mosteiros do reino (por exemplo
em Elvas, Lisboa ou Gaia).
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1. Retábulo da Capela de São Jorge, que pertenceu aos
Navarros de Andrade – Meados do Séc. XVII -
Guimarães – hoje no Museu Alberto Sampaio, inv.º ED
2. 2. Óleo s/ tábua – Princesa Santa Joana – Meados
do Séc. XVII - Guimarães – hoje no Museu Alberto
Sampaio |
Em Guimarães no
retábulo dos Navarros de Andrade
/ p. 132 /
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Fresco - Taormina - San Domenico Palace - datado de
1621. |
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Óleo s/ tela – Séc. XVIII - Paris Col.
particular |
Na Sicília ou em
Paris.
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Madeira policromada e dourada – Séc. XVIII. Mosteiro
de Santa Maria da Vitória da Batalha |
Madeira
policromada e dourada – Séc. XVIII. Igreja do Carmo
- Évora |
/ p. 133 /
Nas esculturas da
Batalha e Évora ou mesmo a desaparecida escultura em
Nápoles, na Igreja do Mosteiro de S. Pedro e S.
Sebastião, executada em mármore de Carrara da qual
se conhece apenas a descrição.
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Imagem de roca/processional – Séc. XVIII – MA, inv.º
329/B
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Não foi o acaso que
levou a que, para impedir o empobrecimento das suas
festividades se reconheceu que seria importante
estabelecer uma confraria que tomasse a seu cargo a
promoção dos seus festejos. Gera-se, então, um grupo
de cidadãos que irá elaborar os forçosos estatutos.
São cento e dez signatários, entre os quais alguns
dos nomes mais marcantes da urbe, fidalgos,
capitalistas, políticos e industriais. Já aprovados
pela autoridade administrativa foram assim
sancionados pela autoridade eclesiástica os
“Estatutos da Real Irmandade de Santa Joana Princeza
de Portugal, Filha de ElRei D. Afonso V”, que têm a
data de 4 de Março de 1877.
Ainda hoje, e com o
patrocínio dos nossos Bispos, com particular
destaque para D. João Evangelista e D. Domingos da
Apresentação, a Real Irmandade toma a cargo a
organização das festividades e a promoção junto das
camadas mais jovens do exemplo de vida de Santa
Joana.
/ p. 134 /
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Santa Joanna, Livrái-nos da péste -
Gravura a buril – Séc. XIX – Col. Particular |
Não foi o acaso que
nos fez socorrer, por sua intercessão, do auxílio do
Altíssimo em altura de grande aflição, como na peste
oitocentista.
Não foi o acaso que
fez com que o seu culto e memória estivesse
disponível em livros e revistas de larga difusão,
A Branco e Negro, em 1896, à que se seguem e a
título de exemplo, a Talábriga, em 1921, a
Beira Litoral, em 1938, a Flama, a
Ilustração Moderna, a Seara Nova, a
Ilustração Moderna, a Revista de cultura,
economia e turismo, a Menina e Moça, o
Portugal Ilustrado, o Guia de propaganda
Comercial e industrial, a Revista Eva que
na edição de Natal coloca, pela mão da sua diretora
a feminista e arrojada aveirense Carolina Homem
Christo, a Princesa na capa. Reconhecem-se assim
quer a superioridade da figura de D. Joana quer o
significado que a sua presença em Aveiro tem, mesmo
em termos de captação de turistas que trazem consigo
o desenvolvimento da economia local, criando emprego
e riqueza.
/ p. 135 /
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Aveiro – o desfilar da procissão
(Antiga Rua de Santa Joana, fronteira ao convento)
In: Branco e Negro Semanario Illustrado, n.º
8, 24 de Maio de 1896. |
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Não foi o acaso que
salvou o vetusto Mosteiro de Jesus de Aveiro do
destino da maioria das casas conventuais que a
desamortização fez desaparecer, transformados em
quartéis e serviços públicos. A presença das suas
relíquias protegeu a Casa e permitiu que ainda hoje
possamos usufruir dela, como museu, e nela perpetuar
o culto.
/ p. 136 /
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12 Maio 2011 |
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Imagem da Sta. Joana Princesa, em Votuporanga -
Brasil |
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Igreja de Santa Joana Princesa, Alvalade-Lisboa
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Inauguração do Lar de Santa Joana Princesa, Lisboa
(Rua Lagares D'El Rei), no âmbito das Comemorações
do 514º Aniversário da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa
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Em Roma, em Lisboa,
em Salselas, no Brasil em Votuporanga a Princesa
leva consigo Aveiro da qual se tornou verdadeiro
ícone!
Para o conhecimento
e compreensão da secular história de Aveiro e o seu
conjunto de atores maiores é forçoso incluir e
entender o papel desempenhado por D. Joana de
Portugal, Princesa e detentora do Senhorio da então
Vila, mas também, talvez
/ p. 138 /
sobretudo, a Santa que a
devoção imemorial aveirense, popular e clerical,
eleva aos altares. O devir de Aveiro, e em
particular o do Convento de Jesus, são-lhe magnos
devedores, captando a atenção dos poderes públicos,
cobertos de honras e privilégios, prestigiando-os
sobremaneira e concedendo-lhes o seu protectorado
espiritual. A sua importância na esfera das questões
políticas e estratégicas nacionais é, ainda hoje,
pouco conhecida, contrariamente aos abundantes
relatos que nos presenteia a sua hagiografia de
amoráveis contornos, os quais se constituem na fonte
primeira para o corpus das suas representações.
Mulher de grande
beleza, culta, profundamente devota e operadora de
incontáveis sucessos e milagres, é a
Protectora da cidade desde 1808, em que salva a urbe
das investidas napoleónicas. Mais tarde, com D.
Manuel de Almeida Trindade como Pastor da diocese,
em 1964, será dirigida a Sua Santidade o Papa Paulo
VI uma petição, rogando que, apesar de não ser
Santa, a Beata Joana fosse designada Padroeira da
cidade e da diocese de Aveiro. Após ser ouvida a
Sagrada Congregação dos Ritos, a 5 de Janeiro de
1965, Santa Joana é declarada pela Santa Sé
Padroeira de Aveiro e sua diocese, com festa
litúrgica de segunda classe e com missa e ofício
próprios.
/ p. 139 /
Nos nossos dias,
continuam a afluir milhares de devotos e curiosos a
Aveiro no seu feriado municipal, 12 de Maio, dia do
seu passamento, povoando não só o Museu em que as
relíquias permanecem, mas as ruas da cidade para
verem passar, no alto andor que pertence às
colecções do museu, a sua Santa Princesa.
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Estátua de Santa Joana, inaugurada em 2002, da
autoria de Hélder Bandarra,
situada na Praça do Milenário, Avenida Santa Joana,
em Aveiro
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Não foi o acaso que
nos congregou aqui, hoje, sob a égide da nossa
Padroeira! Não foi o acaso que levou o seu nome e
imagem ao nosso seminário, às avenidas, às proas dos
moliceiros, às confeitarias, à arte pública… Não foi
evidentemente o acaso que levou a que, no dia 31 de
Dezembro de 1984 fosse publicada no Diário da
República a criação, no concelho de Aveiro, da
freguesia de Santa Joana com todas as suas
meritórias valências, com destaque para as de
carácter social. Não foi realmente o acaso, foi a
presença indelével da Princesa Santa Joana, magno
património imaterial aveirense, que o poema de Mons.
Moreira Neves, em 1959, nos transmite desta forma:
Princesa Santa
Joana!
Diz o povo: Não
morreu!
Não morreu a
flor humana
Que em Aveiro
floresceu.
Anda um perfume
no ar.
A luz é cheia de
graça.
Não é do Céu nem
do mar,
É da Princesa
que passa.
Ouve-se um
murmúrio lento,
Todo piedade e
pureza.
Não é das asas
do vento.
É da Princesa
que reza.
Vibram hinos
argentinos
Na alva que se
levanta.
Não são de
bronze os sinos.
São da Princesa
que canta.
O sol que ardia,
não arde,
E entre neblinas
descora.
Não é da chuva
da tarde.
É da Princesa
que chora.
|
|
BIBLIOGRAFIA
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Sagrado e do Profano em Aveiro no Início da I
República", O Estudo da História – Revista da APH,
n.º 6, Outubro, 2005.
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/ pág. 141 /
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SILVA, Agostinho Duarte Pinheiro e, Convento de
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SOUTO, Alberto, O milagre do Museu de Aveiro e a
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/ pág. 142 /
TOBIAS, A procissão de Santa Joanna em Aveiro,
Branco e Negro – "Semanário IIIustrado", n.º 8,
de 24 de Maio de 1896.
Fontes manuscritas
ANTI – Corpo Cronológico, Parte II, mç. 6, n.º 148.
créditos fotográficos
© Museu de Aveiro – Fotógrafo José Pessoa – Divisão
de Documentação Fotográfica
Comunicação apresentada na Junta de Freguesia de
Santa Joana, em 16 de Fevereiro de 2013, evocando os 561 anos
sobre o nascimento da Princesa.
*
Historiador de Arte,
conservador no
Museu de Aveiro.
Marques Gomes; 1879, p. 33.
Rui de Pina, Cap. 168 da “Crónica de D. Afonso
V”.
Pina; Crónica de D. Afonso V, Cap. 168.
Torre do Tombo, Estremadura, livro 10, fls.
133-133v.
Torre do Tombo, Chancelaria de D. João II, livro
7, fl. 132, e Estremadura, livro 2, fls. 71-71v;
Colectânea, I, pgs. 242-243.
ANTT - Corpo Cronológico, Parte II, mç. 6, n.º
148.
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