Acesso à hierarquia superior.

"Patrimónios" – n.º 10, Julho 2013, Ano XXXIV, 2ª série, págs. 79 a 95.


O ARQUITECTO ADÃES BERMUDES

E A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA PRIMÁRIA

EM ALBERGARIA-A-VELHA (1902)

Delfim Bismarck Ferreira *

INTRODUÇÃO

Até à segunda metade do século XVIII, altura em que ocorreu a primeira reforma do ensino em Portugal durante o reinado de D. José, o ensino primário (ler, escrever e contar) era ministrado por “mestres”, essencialmente por clérigos. Dos territórios que actualmente compõem o concelho de Albergaria-a-Velha, apenas Angeja passou então a ter um “Mestre de ler, escrever e contar”, bem como as vizinhas vilas de Serém e Bemposta.

Com D. Maria I, Angeja passou a ter Mestre Régio para ler e escrever, João da Silva de Almeida, na Bemposta Joaquim Domingues de São Bento, em Paus Manuel Lopes Igreja, e em Serém alguns religiosos do Convento de Santo António. No mesmo reinado, para aprender gramática latina, outro mestre leccionava em Angeja, Manuel de Araújo Ribeiro, e na Bemposta Manuel de Sequeira. 

Os albergarienses mais abastados recorriam à Casa de Aula e ao Mestre-Escola (professor de primeiras letras) existente no Convento de Santo António de Serém ou, em alternativa, serviam-se de um ou outro eclesiástico que particularmente poderia dar umas aulas que lhes fornecesse uma instrução elementar. Esta segunda hipótese era também à qual recorriam as famílias que quisessem que as suas filhas lessem, escrevessem e contassem.

A primeira escola e existir em Albergaria-a-Velha, começou a funcionar apenas na década de 10 do século XIX, com o primeiro Mestre Régio de ensino primário, o professor Joaquim Álvares Pereira[1]. A escola de então era no primeiro andar de um edifício, situado no final da Rua do Hospital com o Largo do Chafariz[2]. Aí se manteve algumas décadas apenas com aulas para meninos, uma vez que as meninas só mais tarde, julgo que na década de 60 do mesmo século, passaram a ter a sua professora, D. Filomena Augusta Cabral Pessoa[3].

Por esta altura, e durante as décadas de 40 a 60 do século XIX, os poucos alunos albergarienses estudavam as primeiras letras com o Padre João Fortunato José de Almeida, da Estalagem dos Padres, na Rua de Santo António, e com um ou outro eclesiástico, / pág. 80 / ou gramática latina com o professor particular Joaquim Gomes Correia de Oliveira e Melo, do Ameal de Alquerubim. Outros ainda, mais abastados, iam estudar latim e francês para Oliveira de Azeméis, com um ou outro eclesiástico, aí se destacando o padre João Patrício Nunes da Silva.

 

A PRIMEIRA ESCOLA PRIMÁRIA CONSTRUÍDA DE RAIZ

A primeira escola primária a ser construída de raiz, em Albergaria-a-Velha, foi a Escola Conde de Ferreira. Era umas das cento e vinte escolas primárias localizadas em sedes de concelho um pouco por todo o país, patrocinadas pelo benemérito Conde de Ferreira, Joaquim Ferreira dos Santos.

Foi construída em 1869, junto edifício dos Paços do Concelho, onde funcionava o Tribunal da Comarca, dai ser popularmente designada por “Escola do Tribunal”. Custou então a sua construção 988$000 reis[4], possuía duas salas de aula e uma residência para professores, aí leccionando os professores Manuel Henriques de Almeida, natural de Valongo e D. Guilhermina Augusta Fernandes de Almeida, natural de Eixo, sendo o primeiro docente dos alunos do sexo masculino e a segunda do sexo feminino.

            Na viragem do século, o concelho de Albergaria assistia a um aumento do número de alunos e consequente diminuição dos níveis de analfabetismo, semelhante ao acontecia a nível nacional. Na primeira década do século XX, o analfabetismo no concelho de Albergaria-a-Velha reduziu 4%, apesar de algumas freguesias terem evoluído em sentido contrário.

QUADRO[5]

PERCENTAGEM DE ANALFABETOS NO CONCELHO DE ALBERGARIA-A-VELHA

 

1900[6]

1911[7]

Albergaria-a-Velha

73,5

68,8

Alquerubim

62,5

71,2

Angeja

83,2

78,9

Branca

80,4

81,7

Frossos

87,9

79,2

Ribeira de Fráguas

83,2

76,8

São João de Loure

74,1

71,8

Valmaior

86,4

74,5

TOTAL do Concelho

78,6

74,6

PORTUGAL

78,6

75,1

/ pág. 81 / O analfabetismo fazia-se sentir sobretudo nas mulheres, o que não causa espanto numa sociedade cujos valores dominantes reservavam para as mulheres a esfera privada e a vida doméstica[8]. De facto, apenas cerca de 14% das mulheres conheciam os rudimentos da leitura e da escrita[9].

Com um estabelecimento de ensino primário subdimensionado e com uma população escolar cada vez maior, era premente na viragem do século a construção de uma escola de maiores dimensões para o sexo masculino na sede do concelho.

Ciente disso, o governo ordena a construção de 184 novas escolas primárias, um pouco por todo o país, inseridas num plano escolar a que destinou a quantia de 400.000$000 reis, com projectos diferentes de acordo com as capacidades de cada tipologia de estabelecimento de ensino, sendo as de menores dimensões para escolas que albergassem 50 alunos. Responsável pela elaboração desses projectos ficaria o arquitecto Adães Bermudes, que desde 1899 era adjunto na Direcção-Geral de Instrução Pública e que a partir de 1901 foi o director das Construções Escolares da Direcção-Geral do Ministério do Reino.

 

A ESCOLA ADÃES BERMUDES

Devido ao nome do autor do projecto, esta escola ficaria inicialmente conhecida por Escola Adães Bermudes, e popularmente conhecida por Escola da Rua de Cima e mais tarde por “Escola do Pinheiro”, designações que esta artéria tomava na zona onde se encontrava edificada, num trecho da Estrada Real n.º 10.

Edificada sob a orientação do mestre-de-obras José Vidal, a escola primária Adães Bermudes foi construída nas Eiras[10], na Rua de Cima, em Albergaria-a-Velha, aí leccionando o professor Joaquim António Ferreira[11].

Esta escola primária, era destinada aos alunos do sexo masculino e desde cedo ficaria envolta em polémica, devido a diversas razões que tentaremos explicar, tendo por base o que a imprensa local à época informava.

Envelope enviado por Adães Bermudes, Director as Construções Escolares, para o Administrador do Concelho de Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares Ferreira[12]

 

Pormenor da planta seguinte, com a pré-existência e o projectado

 

Planta da zona envolvente à escola primária a construir, bem como da área a expropriar, assinada pelo arquitecto A. R. Adães Bermudes[13]

 

Ofício do Ministério do Reino – Direcção de Construções Escolares, datado de 5 de Fevereiro de 1901, enviado pelo arquitecto director, A. R. Adães Bermudes, ao administrador do concelho de Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares Ferreira[14]

 

Ofício de 13 de Maio de 1901, enviado por Adães Bermudes ao Administrador do Concelho de Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares Ferreira, solicitando o envio urgente da minuta do contrato de expropriação amigável[15]

Pretendia então o governo mandar edificar em Albergaria-a-Velha uma escola primária com capacidade para apenas 50 alunos. No entanto, de acordo com a imprensa local, a frequência regular da escola do sexo masculino na vila de Albergaria-a-Velha era então de 70 a 80 alunos, havendo dias em que excedia esse número.

Quinta-feira, dia 7 de Fevereiro de 1901, pelas 12.00 horas, Adães Bermudes chega a Albergaria-a-Velha, a fim de tratar da expropriação do terreno para a construção da escola, onde se faz acompanhar pelo Administrador do Concelho Patrício Theodoro Álvares Ferreira[16].

/ pág. 86 / Detectada a insuficiência de capacidade do novo edifício a construir, uma vez que o governo pretendia edificar uma escola de acordo com a tipologia de menores dimensões, rapidamente a Junta de Paróquia de Albergaria-a-Velha ofereceu uma quantia para auxiliar a despesa a fazer, para além do serviço pessoal de dois anos, para que fosse modificada a planta primeiramente executada, procurando dar ao edifício uma capacidade para 80 alunos. A escola então existente, já carecia de mobília e de utensílios de ensino indispensáveis para o aproveitamento regular das crianças, sendo frequentemente supridas a expensas do professor Joaquim António Ferreira[17].

O administrador do Concelho declarou que o início das obras de construção da escola primária não poderiam ter início antes de efectuado o pagamento pela expropriação do terreno para a mesma, e Adães Bermudes solicita-lhe o envio da minuta do contrato de expropriação amigável.

Em 22 de Maio de 1901, o Administrador do Concelho de Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares Ferreira, remetia cópia da minuta a Adães Bermudes, com o teor seguinte:

Termo de compra de 389,10 m2 de terreno feita amigavelmente para a construcção d’um edifício destinado a eschola primaria e respectiva servidão, na Villa d’Albergaria a Velha.

Aos … dias do mez de … do anno de … n’esta Villa d’Albergaria a Velha e secretaria d’administração do concelho, estando presente o administrador do mesmo, cidadão Patricio Theodoro Alvares Ferreira, comigo Manoel da Maia Mendonça, escrivão do seu cargo, ahi compareceu o architecto Exm.º Snr. A. R. Adães Bermudes, Director das construcções escholares, e por elle foi dito que para a construcção da eschola primaria mandada fazer pelo governo de Sua Magestade na Villa d’Albergaria a Velha, havia justo e contractado, em nome da fazenda nacional com Maria Roza, viuva de Jose Ferreira dos Santos, d’esta Villa, a venda amigavel d’uma parcella de terreno na superfície de 389,10 m2, parte a eira, parte a lavradio, pertencente á sua propriedade sita na Rua de Cima, d’esta mesma Villa, propriedade que confronta do norte com Jose d’Oliveira, cazado, proprietario, e outro, sul e nascente com D. Maria Carlota da Serra Chuquere, e outros, e do poente com a estrada real n.º 10, pela quantia de 254:550 rs. E sendo presente a este acto a supracitada vendedora Maria Roza, por ella foi dito que effectivamente tinha justo e contratado com o referido architecto Exm.º Snr. A. R. Adães Bermudes, Director das construcções escholares, a mencionada parcella de terreno com 389,10 m2 incluindo uma servidão para o quintal da mesma eschola e pelo lado norte d’esta, com 2 m. de largura e 11 de comprido, tudo pela quantia de 254:550 rs; e á fazenda nacional transferia todo o domínio, posse, direito e acção d’essa parcella de terreno da sua já descripta propriedade, para o fim acima designado. E ainda por a vendedora foi declarado que por escriptura publica de … lavrada nas nótas do Tabellião T.º … d’esta Comarca, havia vendido ao Exm.º Snr. João Patricio Alvares Ferreira, cazado, proprietário, d’esta Villa, o direito d’explorar aguas por meio de poços, clara-boias e minas subterrâneas em todo o prédio atraz descripto e confrontado; e achando-se tambem aqui presente o dito Exm.º Snr. João Patricio Alvares Ferreira, confirmou a declaração feita pela vendedora apresentando n’este acto o respectivo documento para ser examinado pelo dito Exm.º Snr. Director das construcções escholares, o que este fez e declarou ficar do seu contheudo bem sciente, e pelo mesmo Exm.º Snr. João Patrício Alvares Ferreira foi ainda dito que em attenção ao fim a que se destinava a presente compra, se obrigava a não abrir qualquer poço ou clara-boia no terreno vendido para a eschola, mas protestava por que fosse mantido o seu direito para a exploração d’aguas no mesmo terreno: E logo pelo architecto Exm.º Snr. A. R. / pág. 87 / Adães Bermudes foi dito que aceitava a presente venda com todas estas condições, em nome do governo de Sua Magestade, obrigando-se por este a respeitar o direito d’exploração d’aguas do mesmo Exm.º snr. João Patricio Alvares Ferreira, pois ratificava o contracto que com este fez a vendedora, e a não explorar aguas no terreno e servidão comprados para a alludida eschola. Mais declarou ainda que logo que o Exm.º Snr. Ministro dos Negocios do Reino se digne approvar o presente contracto será satisfeito á vendedora o preço estipulado da venda. Do que para constar mandou elle Administrador do Concelho lavrar este termo com força d’escriptura publica, que vae assignar com o Exm.º Snr. Architecto Director, vendedora, e Exm.º Snr. João Patricio Alvares Ferreira, sendo a tudo testemunhas presentes F.º e F.º, os quaes vão assignar depois de lido por mim Manoel da Maia Mendonça, Escrivão, que escrevi e tambem assigno[18].

Chegados a Maio de 1901, persistiam as dificuldades em alterar o primitivo projecto da nova escola, de forma a torná-la mais ampla, com capacidade para 80 ou 100 alunos. Procurando resolver este impasse o Dr. Francisco António de Miranda, o Padre Júlio Pires Álvares Mourão e António Marques Pereira, representando a Junta de Paróquia de Albergaria-a-Velha, deslocaram-se ao Porto, a fim de resolverem com o arquitecto Adães Bermudes as dúvidas “que levantaram na aceitação, por parte d’esse cavalheiro, do auxílio extraordinário que a Junta oferece de forma a servir para agora e para o futuro”[19].

No mês seguinte, a 3 de Junho de 1901, compareceram no Notário do 2.º ofício de Albergaria-a-Velha, Fernando Dias de Araújo Leite, Maria Rosa, viúva de José Ferreira dos Santos, proprietária, constituindo seu procurador Patrício Theodoro Álvares Ferreira, proprietário e administrador do concelho de Albergaria-a-Velha, para a representar na escritura da venda do terreno para a construção da nova escola[20].

E no mesmo mês já a imprensa afirmava que o edifício iria em breve construir-se, e que não ficaria acanhado “como o primitivo projecto indicava, mas, mantendo a mesma forma, terá uma ampla sala, com capacidade para 100 alumnos. Com esta alteração no projecto obrigou-se a nossa Junta de Parochia, ao que nos informam, a dispender mais de 400:000 rs. além dos 500 logo de principio oferecidos”[22].

Deram então início às obras de construção do edifício escolar, durante o verão de 1901, sob a orientação do mestre-de-obras José Vidal, mas passado pouco tempo persistiam as críticas, desta vez motivadas pelo facto da habitação para o professor apenas ter três ou quatro compartimentos de pequenas dimensões[23].

Todas as dificuldades em ampliar a escola, as dificuldades com o arranque das obras, a subdimensão da casa destina ao professor, entre outros assuntos, foram criando uma clara clivagem entre o autor da obra e a opinião pública albergariense durante todo o período de tempo em que decorreram as obras. Por esse motivo, a notícia da expulsão de Adães Bermudes da Sociedade de Geografia de Lisboa, uma resolução sem precedentes, foi noticiada na imprensa local com algum destaque em Março de 1902[24]

/ pág. 88 /

Envelope que serviu para a troca de correspondência entre o director das Construções Escolares da Direcção-Geral do Ministério do Reino, Adães Bermudes, e o Administrador do Concelho de Albergaria-a-Velha, Patrício Theodoro Álvares Ferreira, datado de 6 de Junho de 1901[21]

No início do ano lectivo de 1902/1903, ainda a nova escola se encontrava em construção. No entanto, a escola que ainda funcionava tinha matriculados 140 alunos, 115 dos quais de frequência regular. O edifício não tinha capacidade para uma tão larga frequência, nem a um só docente conseguia leccionar convenientemente tantos alunos. No entanto, o novo edifício havia sido destinado para 80 alunos, sendo impossível conter 120.

A imprensa local chama uma vez mais a atenção, desta vez para o facto “da instrução elementar estar a cargo de um só professor, com prejuízo para a sua saúde, e para o aproveitamento dos alunos. Não vemos outro meio senão o de se crear uma outra escola do sexo masculino”[25].

Até ao final do ano de 1902 ficaram concluídas as obras de construção da nova escola primária, ficando entretanto fechada e sem utilização[26]. O tempo foi passando e obra concluída continuava encerrada. Mais um ano lectivo terminara sem que nova escola tivesse qualquer uso, voltando a imprensa a insistir, dizendo que o “edificio já se acha concluído há bastantes mezes, e para o qual a nossa junta de parochia teve de dispender uma quantia superior a 600$500 reis. (…) Parece-nos que o motivo porque o sr.  / pág. 89 / professor ainda não tomou posse da nova escola é faltar-lhe a mobília, cuja aquisição está a cargo da camara”[27].

Iniciou-se o ano lectivo de 1903/1904 e a escola permanecia encerrada. A imprensa local não desarmava, ora criticando o governo, ora o arquitecto, ora a câmara municipal, esta última por causa da inexistência de mobiliário na nova escola. “Há um anno que se concluiu nesta vila o novo edifício para a escola do sexo masculino, e desde então se conserva fechado, sem que ninguém saiba até quando o estará. (…) Como ainda o governo não fez a entrega d’elle à camara municipal, e esta só depois desse facto é que tractará da feitura da mobília apropriada, temos deante de nós talvez um outro anno primeiro que o sr. professor o utilize”[28].

FOTO do Prof.
Joaquim António Ferreira

Finalmente, em meados de Novembro de 1903 foi entregue o novo edifício escolar, completamente despido de mobília, ao professor responsável por ele, Joaquim António Ferreira, que teve “de remediar-se com a velha e pobríssima que existe na / pág. 90 / antiga casa, e com umas taboas pregadas em cepos a servirem de bancos”[29]. No entanto, a pobreza do mobiliário permanecia e a imprensa chamava a atenção, uma vez mais para esta situação: “uma pobreza de mobiliário que envergonha a terra. É certo que a nossa camara abriu arrematação para o fornecimento de 25 carteiras, mas as condições eram taes, e tão baixo o preço fixado que ninguem se arriscou a oferecer coisa alguma”[30].

Alçado principal da Escola Adães Bermudes[31]

/ pág. 91 /

Alçado posterior da Escola Adães Bermudes[32]

Alguns meses mais tarde, já em Março de 1904, abriu antes das férias um curso nocturno gratuito, por iniciativa do professor Joaquim António Ferreira, que foi bastante concorrido. No entanto, ainda não fora “adquirida a mobília para a escola, nem a camara voltou mais a pensar nisso”[33].

E no final de 1904 continuava a carência de carteiras escolares, continuando a imprensa com a sua campanha pró escola nova, alertando para que era “necessário que se cuide a serio mobiliar a escola (…). Houve há tempos uma arrematação para 50 carteiras, mas as condições eram tais (…)”. A câmara municipal aguardava que fosse o governo a pagar tal despesa[34].

/ pág. 92 /

A Escola Adães Bermudes, em Albergaria-a-Velha (na actualidade, desactivada)

O ARQUITECTO ADÃES BERMUDES

Arnaldo Redondo Adães Bermudes, nasceu a 1 de Outubro de 1864 em Santo Ildefonso, no Porto, filho de Félix Redondo Adães Bermudes e de sua mulher D. Cesina Romana Bermudes, galegos residentes no Porto.

Frequentou a Academia Portuense de Belas Artes (1880-1886), acabando por concluir o curso na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Em 1888 obteve uma bolsa que lhe permitiu aperfeiçoar os estudos em França com o mestre Pierre Blondel.

Regressou a Portugal (1894), iniciando carreira de arquitecto. Nesse ano perdeu o concurso para o monumento ao Infante D. Henrique, no Porto, mas a sua qualidade ficou patente na obtenção da 2.ª Medalha na Exposição do Grémio Artístico de Lisboa.

Durante a sua carreira exerceu diversos cargos na Função Pública. Foi adjunto na Direcção-Geral de Instrução Pública (1899), responsável por projectos de construção de estabelecimentos escolares, director das Construções Escolares da Direcção-Geral do / pág. 93 / Ministério do Reino (1901-1906), secretário da Comissão de Estudo das Construções nas Regiões Sísmicas (1909), vogal do Conselho de Arte e Arqueologia (1911), vogal do Conselho Superior de Instrução Pública (1911), secretário da Comissão dos Monumentos Nacionais (1911), chefe da 3.ª Repartição da Direcção-Geral de Belas-Artes do Ministério da Instrução Pública (1926) e director dos Monumentos Nacionais, no Ministério do Comércio e Comunicações (1929-1933).

Entre 1917 e 1933, a par das actividades artísticas e da actividade na função pública, leccionou na Escola de Belas-Artes de Lisboa as cadeiras de Construção e Resistência dos Materiais, de Geometria Descritiva e Perspectiva; participou na vida política da capital, chegando a presidente interino da Câmara Municipal de Lisboa e senador independente (1918-1919); colaborou em publicações periódicas de áreas da sua especialidade, como o “Anuário da Sociedade dos Arquitectos Portugueses”, “A Construção”, “Boletim da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses” e “Arquitectura Portuguesa”; participou em congressos e comissões em representação dos arquitectos portugueses (nos VI, VII, VIII e IX congressos internacionais de arquitectos - em Madrid (1904), Londres (1906), Viena (1908) e Roma (1911) - e foi membro da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses, da Sociedade dos Arquitectos Portugueses, da Sociedade Nacional de Belas-Artes, do Royal Institut of Brithish Architects, da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, bem como da Sociedade dos Arquitectos da Argentina e do Uruguai.

Na sua eclética obra arquitectónica, na qual se misturam referências aos estilos manuelino e barroco, à Arte Nova e ao Design Moderno, podem destacar-se: o projecto-modelo para a construção de 184 escolas (1902-1912); a Escola Central Primária de Santa Cruz, em Coimbra (1905-1907); o Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, na Tapada da Ajuda (1910); a Escola Normal de Lisboa, em Benfica (1913), actual Escola Superior de Educação de Lisboa; os hospitais da Covilhã e de Oleiros; as agências do Banco de Portugal, em Coimbra, Bragança, Viseu, Faro, Évora e Vila Real; as cadeias de Anadia e de Sintra; as igrejas de Espinho e de Amorim; o Hotel Astória, em Coimbra; o Cemitério do Alto de S. João e o palacete do Conde de Agrolongo, em Lisboa.

Adães Bermudes participou, também, em projectos de restauro e conservação de emblemáticos monumentos nacionais, como os palácios de Mafra, de Sintra e de Queluz, a igreja do Mosteiro dos Jerónimos e o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Foi autor do projecto vencedor do concurso para o Monumento o Marquês de Pombal em Lisboa, em parceria com António C. Abreu e o escultor Francisco dos Santos.

Foi premiado na Exposição Universal de Paris (1900), ganhou o Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura (1908), pela primeira vez atribuído a um edifício de rendimento, que faz gaveto na Avenida Almirante Reis, e uma Menção Honrosa (1909), no mesmo concurso, com o Palacete na Rua do Sacramento, do Conde de Agrolongo. Casou com Albertina Bermudes de quem teve o filho Jorge, que seguiu a profissão do pai.

Adães Bermudes, arquitecto, homem de cultura, republicano e maçon, faleceu a 18 de Fevereiro de 1948, em Paiões, Sintra[35].

 

 
 

Adães Bermudes[36]

 

Assinatura de Adães Bermudes[37]

/ pág. 94 /  

BIBLIOGRAFIA

Manuscrita

ACA – Arquivo da “Casa do Agro”, Albergaria-a-Velha. Col. do autor:

Apontamentos de Patrício Theodoro Álvares Ferreira, séculos XIX e XX

ADA – Arquivo Distrital de Aveiro:

Fundo do Governo Civil, Registo de Professores, Regedores e outros funcionários de nomeação régia (1864-1877)

Livro Paroquial de Albergaria-a-Velha, n.º 79, Óbitos

AMA – Arquivo Municipal de Albergaria-a-Velha:

CMAAV, Divisão de Obras Municipais, Obras por empreitada, Processo de

Obras da Escola Primária da Rua do Pinheiro, n.º 74 (1988-1991)

 

Impressa 

Periódicos 

Correio D’Albergaria, diversos números (1900-1910)

Estudos

AAVV, Censo da População do Reino de Portugal no 1.º de Dezembro de 1900, Lisboa, Imprensa Nacional, Vol. I, 1905.

AAVV, Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911, Lisboa, Imprensa Nacional, Parte 1, 1913.

FERREIRA, Delfim Bismarck, “O Benemérito Conde de Ferreira”, Jornal de Albergaria, n.º 341, Ano XV, 2.ª Série, de 25 de Setembro de 2007.

_____ , “As primeiras escolas primárias em Albergaria-a-Velha”, Jornal de Albergaria, n.º …….., Ano …., 2.ª Série, de …………………..

FERREIRA, Delfim Bismarck; VIGÁRIO, Rafael Marques, Albergaria-a-Velha 1910 – da Monarquia à República, Aveiro, Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro, 2010.

PINHO, António Homem de Albuquerque, “Efemérides do Concelho”, Jornal de Albergaria, n.º 106, Ano V, 2.ª Série, de 30 de Setembro de 1997.

Internet

www.sigarra.up.pt


* Historiador e conservador de museu.

[1] Faleceu solteiro em 1 de Julho de 1854, em Albergaria-a-Velha, sendo sepultado na capela-mor da igreja (ADA, Livro Paroquial de Albergaria-a-Velha, n.º 79, Óbitos, fl. 19v.).

[2] FERREIRA, D. B., “As primeiras escolas primárias em Albergaria-a-Velha”, Jornal de Albergaria, n.º ……..

[3] Nomeada por três anos para professora da cadeira primária da escola de sexo feminino de Albergaria-a-Velha, por Despacho de 31 de Agosto de 1866 (ADA, Fundo do Governo Civil, Registo de Professores, Regedores e outros funcionários de nomeação régia (1864-1877), fl. 72).

[4] FERREIRA, D. B., 2007, p. 2.

[5] FERREIRA, D. B.; VIGÁRIO, R. M.,  2010, p. 55.

[6] AAVV, Vol. I, 1905.

[7] AAVV, Parte 1, 1913.

[8] FERREIRA, D. B.; VIGÁRIO, R. M., 2010, p. 55.

[9] A população escolar era globalmente muito reduzida, segundo dados de 1906 e de alguma forma em sentido contrário do que os valores do analfabetismo poderiam indiciar, a população escolar em 20 de Setembro de 1906 era, em Albergaria-a-Velha: escola masculina 156, escola feminina 180 (PINHO, A. H. A., 1997).

[10] A zona designada por Eiras, compreendia o local onde foi edificada a escola mas também a zona em frente do outro lado da Rua de Cima (Estrada Real n.º 10).

[11] Natural de Serém, Macinhata do Vouga, foi promovido a professor de 1.ª classe em 1910 (Correio D’Albergaria, n.º 476, Anno X, de 9 de Junho de 1910).

[12] ACA, col. do autor.

[13] Planta à escala 1/1000, da implantação da escola, área a expropriar e zona envolvente, da autoria de Adães Bermudes, datada de Junho de 1900. ACA, col. do autor.

[14] ACA, col. do autor.

[15] ACA, col. do autor.

[16] ACA, apontamentos de Patrício Theodoro Álvares Ferreira. Col. do autor.

[17] Correio D’Albergaria, n.º 2 (124), Anno 1.º (3.º), de 21 de Março de 1901.

[18] Minuta manuscrita pelo escrivão Manuel da Maia Mendonça (ACA, col. do autor).

[19] Correio D’Albergaria, n.º 11 (133), Anno 1.ª (3.º), de 23 de Maio de 1901.

[20] Procuração geral, datada de 3 de Junho de 1901 (ACA, col. do autor).

[21] ACA, col. do autor.

[22] Correio D’Albergaria, n.º 13 (135), Anno 1.º (3.º), de 6 de Junho de 1901.

[23] Correio D’Albergaria, n.º 35 (157), Anno 1.º (4.º), de 7 de Novembro de 1901.

[24] Correio D’Albergaria, n.º 51 (173), Anno 1.º (4.º), de 6 de Março de 1902.

[25] Correio D’Albergaria, n.º 85 (207), Anno 2.º (5.º), de 30 de Outubro de 1902.

[26] Correio D’Albergaria, n.º 101 (223), Anno 2.º (6.º), de 19 de Fevereiro de 1903.

[27] Correio D’Albergaria, n.º 127 (249), Anno 3.º (5.º), de 27 de Agosto de 1903.

[28] Correio D’Albergaria, n.º 133 (255), Anno 3.º (5.º), de 8 de Outubro de 1903.

[29] Correio D’Albergaria, n.º 140 (262), Anno 3.º (5.º), de 26 de Novembro de 1903.

[30] Correio D’Albergaria, n.º 147 (269), Anno 3.º (5.º), de 21 de Janeiro de 1904.

[31] AMA, Processo de Obras da Escola Primária da Rua do Pinheiro, n.º 74 (1988-1991).

[32] Idem.

[33] Correio D’Albergaria, n.º 158 (280), Anno 4.º (6.º), de 7 de Abril de 1904.

[34] Correio D’Albergaria, n.º 166 (288), Anno 4.º (6.º), de 2 de Junho de 1904.

[35] www.sigarra.up.pt

[36] Idem.

[37] ACA, col. do autor.

Delfim Bismarck Ferreira


Aquisição de boletins

Página anterior   Página inicial   Página seguinte