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"Patrimónios" – n.º 6, Setembro 2007, Ano XXIX, 2ª série, 140 páginas


Eng. Fernando Lavrador

José Marta e Oliveira Cardoso
   
 

Eng. Fernando Lavrador

 

A Homenagem

Diz-se que, sempre que um Homem morre, se perde toda uma biblioteca.

Esta ideia, com que nos confrontamos com alguma frequência, é particularmente verdadeira quando pensamos no Engenheiro Fernando Lavrador.

Era um Homem que sabia tudo.

E sabia tudo com um rigor, com um detalhe e com uma independência/irreverência que suscitavam a admiração de quem o ouvia.

É que, não raramente, era traído por uma grande emoção que desarmava quem o escutava.

Por isso e se acreditarmos que Cultura não é apenas conhecimento, mas que é também sensibilidade e, naturalmente, capacidade para os comunicar, temos de concluir que a Comunidade perdeu um Homem muito culto.

O sentido de perda é, nestas circunstâncias, ainda maior.
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Numa altura em que perdemos tanto tempo, empenhados em desafios estratégicos que se renovam todos os dias ou entretidos com questões superficiais, não podemos deixar de lamentar o tempo que não ganhámos a aprender tudo aquilo que poderíamos ter aprendido.

Por isso e porque consideramos que a realidade, cada vez mais complexa e multifacetada, só pode ser compreendida em toda a sua extensão se seguirmos o olhar daqueles que a estudaram sob as diferentes perspectivas que encerra, a ADERAV, o Teatro Aveirense e os Cineclubes de Aveiro, do Porto e de Avanca, com o apoio empenhado da PT Inovação, da Portucel, do Instituto de Telecomunicações e da Delegação de Aveiro da Ordem dos Engenheiros, reuniram em Fevereiro do ano passado Amigos e Colegas do Engenheiro Fernando Lavrador, não só para lhe prestar a homenagem que indiscutivelmente merece, mas também para recordar a sua intervenção enquanto Cidadão e Técnico de reconhecido mérito.

Por forma a recuperar algum do Património que ele diligentemente construiu. Mas também para, em conjunto, aprendermos como é que podemos evitar que a perda de um Homem implique inexoravelmente a perda de uma Biblioteca.

Considerámos, na altura, que esta homenagem não constituía apenas o culminar de uma carreira a todos os títulos brilhante, mas deveria ser encarada como um ponto de partida que mobilizasse vontades e recursos capazes de retomar os seus estudos e divulgar a sua obra.

Este artigo pretende ser uma primeira pedra nesse caminho simultaneamente difícil e aliciante. E, sendo assim, é natural que ele procure revelar, em traços rápidos, quem foi o Eng.º Fernando Lavrador e em que áreas desenvolveu a sua actividade.

Não procurámos reunir, ordenada e exaustivamente, como ele certamente teria feito, todos os elementos que constituem o seu percurso de vida. Nem o fizemos de uma forma fria e distante. Pelo contrário, deixamos transparecer aqui e ali frases, emoções e preocupações suas que permitem revelar melhor alguns traços da sua personalidade.

 

O Homem

O Eng.º Fernando Gonçalves dos Santos Ferreira Lavrador, que adoptou, como nome literário, "F. Gonçalves Lavrador", nasceu a 13 de Março de 1928, no Porto (freguesia de Paranhos) e era filho de Manuel Ferreira Lavrador e de Maria José dos Santos Lavrador.
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Desde cedo se interessou por tudo o que se relacionasse com a cultura e com a arte. Aos cinco anos de idade já assistia a espectáculos culturais de teatro e ópera (alguns pelos bastidores), revelando ao seu pai o maior interesse. Foi aluno no Liceu Alexandre Herculano e aí se relacionou com outros estudantes com os quais colaborou na fundação do Clube Português de Cinematografia, mais tarde também designado por Cineclube do Porto, que se viria a transformar num dos mais importantes cineclubes portugueses e do qual foi dirigente durante vários anos, sendo à sua morte sócio honorário deste Cineclube. Foi também dirigente e colaborador do Clube de Cinema de Coimbra. Mais tarde, colaboraria com o Cineclube de Aveiro (numa tentativa de ressurgimento deste Cineclube), sendo ainda um dos fundadores e dos dirigentes da Cooperativa de Cinema "Grande Plano", de Aveiro, infelizmente já extinta.
 
     
 

Menino de colo de sua mãe (Actriz Maria José)

 

Passeando com o seu pai (jornalista e bancário Manuel Lavrador)

 

Concluído o curso liceal, ingressou, como aluno, na Universidade do Porto (Faculdade de Ciências e Faculdade de Engenharia), onde obteria, no ano escolar de 1953-54, a licenciatura em engenharia electrotécnica.

A sua carreira dividiu-se por duas actividades distintas: a de ensaísta (sobretudo no campo da semiótica e da filmologia) e a de engenheiro electrotécnico, vocacionado para as telecomunicações e especialista em teletráfego e telefiabilidade. / 88 /

 

O Engenheiro

Como engenheiro electrotécnico, depois dum estágio na EFACEC, especializou-se em telecomunicações e trabalhou em estudos de comutação telefónica automática e de teletráfego no GECA (Grupo de Estudos de Comutação Automática), organismo pertencente à Direcção dos Serviços Técnicos dos CTT. A partir de 1964 trabalha no Gabinete de Estudos da Fábrica de Motores Eléctricos Rabor (Ovar) e, posteriormente, é engenheiro-chefe dos Serviços de Manutenção de Instrumentos e de Equipamentos de Controle Pneumáticos, Eléctricos e Electrónicos da Companhia Portuguesa de Celulose, mais tarde Portucel (Fábrica de Cacia). Por fim, no início dos anos oitenta, regressa aos CTT, mais tarde transformados em Portugal Telecom, ingressando no Centro de Estudos de Telecomunicações (CET), organismo que herdou as tradições do antigo GECA. Aqui, dedicou-se à continuação dos seus estudos de teletráfego (agora ampliados às novas aplicações em computadores e nas redes de dados) e ao início do estudo da engenharia de telefiabilidade. Neste campo de actividade, publicou alguns livros e muitos textos de apoio às suas palestras e lições especializadas bem como artigos de natureza técnica nas revistas "Electricidade", "Boletim da Ordem dos Engenheiros" e "Telecomunicações".
 
   
 

Convívio com operários, na casa abrigo em São Jacinto. Eng.º Fernando Lavrador

 

Em Março de 1998, ao atingir os setenta anos, passou à situação de aposentado da Portugal Telecom e passou a colaborar, como trabalhador independente, no Instituto de Telecomunicações, pólo de Aveiro. Também nos últimos anos de efectividade na PT e nos primeiros anos de aposentação deu a disciplina de Engenharia de Teletráfego em dois Mestrados em Redes e Serviços de Telecomunicações na Universidade de Aveiro.
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O Ensaísta

No âmbito da sua actividade de ensaísta, proferiu palestras em sessões dos Cineclubes atrás referidos, do Círculo Cultural do Porto, da Associação Fotográfica do Porto, do Cineclube de Santarém, da série "Gente de Cinema Fala de Filmes" (no Cinema Império, em Lisboa), etc. Espalhou colaboração por vários jornais e revistas como "Sol", "Portucale", "Vértice", "Via Latina", cadernos de cinema "Projecção", revistas "Cineclube", "Cinema", "Cinema Novo", "Visor" e "Celulóide", Suplemento de Cultura e Arte de "O Comércio do Porto" e página "Tela e Palco" do mesmo diário, etc. e no programa radiofónico "Vamos Falar de Cinema", aos microfones da antiga emissora local Rádio Porto. Destes trabalhos, deve-se salientar o ensaio "Eisenstein, Montagem Clássica e Complexo Arte-Linguagem", publicado na revista

"Vértice" (Vol. XII, nº 103, de Março de 1952), a análise detalhada do filme "O Recado" de José Fonseca e Costa também publicada na 'Vértice" (nº 374-375, de Março-Abril de 1975) e re-publicada mais tarde no Catálogo do 3° Festival de Cinema dos Países de Língua Oficial Portuguesa (6 a 14 de Maio de 1988), organizado em Aveiro pela Cooperativa "Grande Plano", e os artigos escritos para a colectânea "Iniciação à Técnica e Estética Cinematográficas" (que coordenou e de que saiu apenas o primeiro caderno por razões estranhas ao coordenador), editada pelo Clube Português de Cinematografia, Porto, 1954 (o caderno publicado incluía também textos de Umberto Bárbaro, Georges Sadoul, Henri Poincaré, Roman Ingarden, Luigi Chiarini e Louis Daquin). De 1947 a 1954, escreve algumas sinopses, cenários literários e até planificações completas de filmes que nunca chegarão a concretizar-se na tela devido à falta de viabilidade da produção fílmica (sobretudo a independente e de raiz democrática) no Portugal salazarista. Inicia também um ensaio sobre "Fritz Lang, o Artista e a sua Escola", destinado a publicação nos cadernos "Projecção" (editados pelo Clube Português de Cinematografia) mas que nunca chegou a acabar por entretanto se ter afastado de toda a actividade cineclubista e, mais tarde, mesmo de toda a actividade de ensaística filmológica (interrupção que duraria à volta de 12 anos). Em 1953 e 1954 ainda tem tempo para escrever o seu primeiro ensaio de grande fôlego "Justificação Estética do Cinema", que seria publicado vinte anos mais tarde (em 1974, pela Plátano Editora, de Lisboa, depois de actualizado com um Prefácio e dois importantes Apêndices). Neste livro, Lavrador procurava não só divulgar, entre nós, as ideias e os estudos de / 90 / Gilbert Cohen-Séat, de Étienne Souriau e dos principais ensaístas do grupo da filmologia da Sorbonne, mas também apresentar as suas próprias ideias originais sobre os fenómenos fílmicos e cinematográficos – ideias bastante fecundas quer no campo da semiótica fílmica, quer no campo muito mais extenso da semiótica geral que, daqui em diante, o começa a interessar cada vez mais. É assim que surge a noção de "complexo de conceitos", que alarga e enriquece a noção de "tectónica dos conceitos", introduzida por Abel Salazar no campo da estética, e que conduz naturalmente às noções básicas essenciais de complexo significante-significado, complexo expressante-expressado e complexo expressão-significação (ou arte-linguagem). De facto, este ensaio constitui, sem dúvida, a base a partir da qual se desenvolverá toda a obra ensaística e de crítica, bastante profunda e original, de F. Gonçalves Lavrador no campo da semiótica.

Clicar para ampliar.Em 1967, regressa à actividade ensaística no campo da semiótica, depois de 12 anos de meditação sobre o assunto, e continua, dentro dum meio muito hostil e já sem o entusiasmo da juventude, os estudos anteriores, evoluindo agora para uma análise de todos os aspectos estético-linguísticos (ou semióticos) dos fenómenos fílmicos e cinematográficos (distinção de Cohen-Séat que adopta em todos os seus trabalhos), considerados na sua essencial pluralidade e na unidade das obras, bem como numa perfeita integração na semiótica geral, tudo a partir duma base de natureza primária (ou hilética), sempre presente (quer se queira, quer não) e integrando-se na actual corrente de ideias sobre estes assuntos. Sem dúvida que os seus estudos de semiótica fílmica constituem algo de insólito no panorama cultural português e atingem um nível verdadeiramente internacional, dificilmente verificável dado o desconhecimento da língua portuguesa por parte dos intelectuais estrangeiros que se interessam por estes temas. Aliás os seus livros (todos eles) são escritos num português exemplar que muito contribui para o enriquecimento da nossa língua materna.

Participou, em Outubro de 1970, no Primeiro Congresso Nacional de Cinema Não-Profissional, do qual foi eleito Presidente e em que apresentou uma comunicação. Fez parte também de júris de diversos festivais de cinema profissional e não-profissional. Organizou a retrospectiva "Cinema Português e Literatura" no XII Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, para cujo programa escreveu propositadamente um texto. Enviou uma comunicação ao 2º Congresso de Escritores Portugueses (realizado em Lisboa, em Março de 1982) sobre "As Funções e os... ??? (Nota - A partir daqui falta na revista o resto do texto).
 
   
 

Alguns dos objectos por ele deixados

 


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