José Marta e
Oliveira Cardoso
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Eng. Fernando Lavrador |
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A Homenagem
Diz-se que, sempre que um Homem morre, se perde toda
uma biblioteca.
Esta ideia, com que nos confrontamos
com alguma frequência, é
particularmente verdadeira quando pensamos no
Engenheiro Fernando Lavrador.
Era um Homem que sabia
tudo.
E sabia tudo com um rigor, com um detalhe e com uma
independência/irreverência que suscitavam a admiração de quem o
ouvia.
É que, não raramente, era traído
por uma grande emoção que desarmava quem o escutava.
Por isso e se acreditarmos que Cultura não é apenas
conhecimento, mas que é também sensibilidade e,
naturalmente, capacidade para os comunicar, temos de
concluir que a Comunidade perdeu um Homem muito
culto.
O sentido de perda é, nestas circunstâncias, ainda
maior.
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Numa altura em que perdemos tanto tempo, empenhados
em desafios estratégicos que se renovam todos os
dias ou entretidos com questões superficiais, não
podemos deixar de lamentar o tempo que não ganhámos
a aprender tudo aquilo que poderíamos ter aprendido.
Por isso e porque consideramos que a realidade, cada
vez mais complexa e multifacetada, só pode ser
compreendida em toda a sua extensão se seguirmos o
olhar daqueles que a estudaram sob as diferentes
perspectivas que encerra, a ADERAV, o Teatro
Aveirense e os Cineclubes de Aveiro, do Porto e de
Avanca, com o apoio empenhado da PT Inovação, da
Portucel, do Instituto de Telecomunicações e da
Delegação de Aveiro da Ordem dos Engenheiros,
reuniram em Fevereiro do ano passado Amigos e
Colegas do Engenheiro Fernando Lavrador, não só para
lhe prestar a homenagem que indiscutivelmente
merece, mas também para recordar a sua
intervenção enquanto Cidadão e Técnico de
reconhecido mérito.
Por forma a recuperar algum do Património que ele
diligentemente construiu. Mas também para, em
conjunto, aprendermos como é que podemos evitar
que a perda de um Homem implique inexoravelmente a
perda de uma Biblioteca.
Considerámos, na altura, que esta homenagem não
constituía apenas o culminar de uma carreira a todos
os títulos brilhante, mas deveria ser encarada como
um ponto de partida que mobilizasse vontades e
recursos capazes de retomar os seus estudos e
divulgar a sua obra.
Este artigo pretende ser uma primeira pedra nesse
caminho simultaneamente difícil e aliciante. E,
sendo assim, é natural que ele procure revelar, em
traços rápidos, quem foi o Eng.º Fernando Lavrador e
em que áreas desenvolveu a sua actividade.
Não procurámos reunir, ordenada e exaustivamente,
como ele certamente teria feito, todos os elementos
que constituem o seu percurso de vida. Nem o fizemos
de uma forma fria e distante. Pelo contrário,
deixamos transparecer aqui e ali frases, emoções e
preocupações suas que permitem revelar melhor alguns
traços da sua
personalidade.
O Homem
O Eng.º Fernando Gonçalves dos Santos Ferreira
Lavrador, que adoptou, como
nome literário, "F. Gonçalves Lavrador", nasceu a 13
de Março de 1928, no Porto (freguesia de Paranhos) e
era filho de Manuel Ferreira Lavrador e de Maria
José dos Santos Lavrador.
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Desde cedo se interessou por tudo o que se
relacionasse com a cultura e com a arte. Aos cinco
anos de idade já assistia a espectáculos culturais
de teatro e ópera (alguns pelos bastidores),
revelando ao seu pai o maior interesse. Foi aluno no
Liceu Alexandre Herculano e aí se relacionou com
outros estudantes com os quais colaborou na fundação
do Clube Português de Cinematografia, mais tarde
também designado por Cineclube do Porto, que se
viria a transformar num dos mais importantes
cineclubes portugueses e do qual foi dirigente
durante vários anos, sendo à sua morte sócio
honorário deste Cineclube. Foi também dirigente e
colaborador do Clube de Cinema de Coimbra. Mais
tarde, colaboraria com o Cineclube de Aveiro (numa
tentativa de ressurgimento deste Cineclube), sendo
ainda um dos fundadores e dos dirigentes da
Cooperativa de Cinema "Grande Plano", de Aveiro,
infelizmente já extinta.
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Menino de colo de
sua mãe (Actriz Maria José) |
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Passeando com o seu
pai (jornalista e bancário Manuel Lavrador) |
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Concluído o curso liceal, ingressou, como aluno, na
Universidade do Porto (Faculdade de Ciências e
Faculdade de Engenharia), onde obteria, no ano
escolar de 1953-54, a licenciatura em engenharia
electrotécnica.
A sua carreira dividiu-se por duas actividades
distintas: a de ensaísta (sobretudo no campo da
semiótica e da filmologia) e a de engenheiro
electrotécnico, vocacionado para as telecomunicações
e especialista em teletráfego e telefiabilidade.
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O Engenheiro
Como engenheiro electrotécnico, depois dum estágio
na EFACEC, especializou-se em telecomunicações e trabalhou em estudos de
comutação telefónica automática e de teletráfego no
GECA (Grupo de Estudos de Comutação Automática),
organismo pertencente à Direcção dos Serviços
Técnicos dos CTT. A partir de 1964 trabalha no
Gabinete de Estudos da Fábrica de Motores Eléctricos
Rabor (Ovar) e, posteriormente, é engenheiro-chefe
dos Serviços de Manutenção de Instrumentos e de
Equipamentos de Controle Pneumáticos, Eléctricos e
Electrónicos da Companhia Portuguesa de Celulose,
mais tarde Portucel (Fábrica de Cacia). Por fim, no
início dos anos oitenta, regressa aos CTT, mais
tarde transformados em Portugal Telecom, ingressando
no Centro de Estudos de Telecomunicações (CET),
organismo que herdou as tradições do antigo GECA.
Aqui, dedicou-se à continuação dos seus estudos de
teletráfego (agora ampliados às novas aplicações em
computadores e nas redes de dados) e ao início do
estudo da engenharia de telefiabilidade. Neste campo
de actividade, publicou alguns livros e muitos
textos de apoio às suas palestras e lições
especializadas bem como artigos de natureza técnica
nas revistas "Electricidade", "Boletim da Ordem dos
Engenheiros" e "Telecomunicações".
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Convívio com
operários, na casa abrigo em São Jacinto. Eng.º
Fernando Lavrador |
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Em Março de 1998, ao atingir os setenta anos, passou
à situação de aposentado da Portugal Telecom e
passou a colaborar, como trabalhador independente,
no Instituto de Telecomunicações, pólo de Aveiro.
Também nos últimos anos de efectividade na PT e nos
primeiros anos de aposentação deu a disciplina de
Engenharia de Teletráfego em dois Mestrados em Redes
e Serviços de Telecomunicações na Universidade de
Aveiro.
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O Ensaísta
No âmbito da sua actividade de ensaísta, proferiu
palestras em sessões dos
Cineclubes atrás referidos, do Círculo Cultural do
Porto, da Associação Fotográfica do Porto, do
Cineclube de Santarém, da série "Gente de Cinema
Fala de Filmes" (no Cinema Império, em Lisboa), etc.
Espalhou colaboração por vários jornais e revistas
como "Sol", "Portucale", "Vértice", "Via Latina",
cadernos de cinema "Projecção", revistas
"Cineclube", "Cinema", "Cinema Novo", "Visor" e
"Celulóide", Suplemento de Cultura e Arte de "O
Comércio do Porto" e página "Tela e Palco" do mesmo
diário, etc. e no programa radiofónico "Vamos Falar
de Cinema", aos microfones da antiga emissora local
Rádio Porto. Destes trabalhos, deve-se salientar o
ensaio "Eisenstein, Montagem Clássica e Complexo
Arte-Linguagem", publicado na revista
"Vértice" (Vol. XII, nº 103, de Março de 1952), a
análise detalhada do filme "O Recado" de José
Fonseca e Costa também publicada na 'Vértice" (nº
374-375, de Março-Abril de 1975) e re-publicada mais tarde no
Catálogo do 3° Festival de Cinema dos Países de
Língua Oficial Portuguesa (6 a 14 de Maio de 1988),
organizado em Aveiro pela Cooperativa "Grande
Plano", e os artigos escritos para a colectânea
"Iniciação à Técnica e Estética Cinematográficas"
(que coordenou e de que saiu apenas o primeiro
caderno por razões estranhas ao coordenador),
editada pelo Clube Português de Cinematografia,
Porto, 1954 (o caderno publicado incluía também
textos de Umberto Bárbaro, Georges Sadoul, Henri
Poincaré, Roman Ingarden, Luigi Chiarini e Louis
Daquin). De 1947 a 1954, escreve algumas sinopses,
cenários literários e até planificações completas de
filmes que nunca chegarão a concretizar-se na tela
devido à falta de viabilidade da produção fílmica
(sobretudo a independente e de raiz democrática) no
Portugal salazarista. Inicia também um ensaio sobre
"Fritz Lang, o Artista e a sua Escola", destinado a
publicação nos cadernos "Projecção" (editados pelo
Clube Português de Cinematografia) mas que nunca
chegou a acabar por entretanto se ter afastado de
toda a actividade cineclubista e, mais tarde, mesmo
de toda a actividade de ensaística filmológica
(interrupção que duraria à volta de 12 anos). Em
1953 e 1954 ainda tem tempo para escrever o seu
primeiro ensaio de grande fôlego "Justificação
Estética do Cinema", que seria publicado vinte anos
mais tarde (em 1974, pela Plátano Editora, de
Lisboa, depois de actualizado com um Prefácio e dois
importantes Apêndices). Neste livro, Lavrador
procurava não só divulgar, entre nós, as ideias e os
estudos de
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Gilbert Cohen-Séat, de Étienne Souriau e dos
principais ensaístas do grupo da filmologia da
Sorbonne, mas também apresentar as suas próprias
ideias originais sobre os fenómenos fílmicos e
cinematográficos – ideias bastante fecundas quer no
campo da semiótica fílmica, quer no campo muito mais
extenso da semiótica geral que, daqui em diante, o
começa a interessar cada vez mais. É assim que surge
a noção de "complexo de conceitos", que alarga e
enriquece a noção de "tectónica dos conceitos",
introduzida por Abel Salazar no campo da estética, e
que conduz naturalmente às noções básicas essenciais
de complexo significante-significado, complexo
expressante-expressado e complexo
expressão-significação (ou arte-linguagem). De
facto, este ensaio constitui, sem dúvida, a base a
partir da qual se desenvolverá toda a obra
ensaística e de crítica, bastante profunda e
original, de F. Gonçalves Lavrador no campo da
semiótica.
Em 1967, regressa à actividade ensaística no campo
da semiótica, depois de 12 anos de meditação sobre o
assunto, e continua, dentro dum meio muito hostil e
já sem o entusiasmo da juventude, os estudos
anteriores, evoluindo agora para uma análise de
todos os aspectos estético-linguísticos (ou
semióticos) dos fenómenos
fílmicos e cinematográficos (distinção de Cohen-Séat
que adopta em todos os seus trabalhos), considerados
na sua essencial pluralidade e na unidade das obras,
bem
como numa perfeita integração na semiótica geral,
tudo a partir duma base de
natureza primária (ou hilética), sempre presente
(quer se queira, quer não) e integrando-se na actual
corrente de ideias sobre estes assuntos. Sem dúvida
que os seus estudos de semiótica fílmica constituem
algo de insólito no panorama cultural português e
atingem um nível verdadeiramente internacional,
dificilmente verificável dado o desconhecimento da
língua portuguesa por parte dos intelectuais
estrangeiros que se interessam por estes temas.
Aliás os seus livros (todos eles) são escritos num
português exemplar que muito contribui para o
enriquecimento da nossa língua materna.
Participou, em Outubro de 1970, no Primeiro
Congresso Nacional de Cinema
Não-Profissional, do qual foi eleito Presidente e em
que apresentou uma comunicação. Fez parte também de
júris de diversos festivais de cinema profissional e não-profissional. Organizou a
retrospectiva "Cinema
Português e Literatura" no XII Festival
Internacional de Cinema da Figueira da Foz, para
cujo programa escreveu
propositadamente um texto. Enviou uma comunicação ao
2º Congresso de Escritores
Portugueses (realizado em Lisboa, em Março de 1982)
sobre "As Funções e os... ??? (Nota - A partir
daqui falta na revista o resto do texto).
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Alguns dos objectos
por ele deixados |
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