Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

 

Conceitos de audiovisual e tecnologia educativa

 / 122 / O neologismo «audiovisual», resultante da fusão dos termos «áudio» (do latim audire - 'ouvir') e «visual» (do lat. videre - 'ver') surge pela primeira vez, segundo alguns autores, por volta de 1930, nos Estados Unidos da América, numa altura em que os progressos técnicos permitem a transição do cinema mudo para o cinema falado. O termo entra no campo do ensino para designar «a aliança das imagens e dos sons nas técnicas ao serviço da pedagogia[1]» e, com a popularidade cada vez maior do cinema sonoro e com o advento da televisão - uma nova forma de comunicação que viria a abalar, mais tarde, a própria indústria cinematográfica -, o vocábulo espalhou-se pelos países anglo-saxónicos, devido à elevada rapidez com que as «imagens falantes» se impuseram.

A partir de 1960, o termo está definitivamente enraizado no campo do ensino, tanto na América como na Europa, sendo possível encontrar-se, a partir de então, não só uma grande diversidade de definições, mas também algumas reflexões críticas relativamente à maior ou menor adequação do vocábulo. Segundo nos diz Henri Dieuzeide [2], a consagração do termo ter-se-á ficado a dever a um jornal humorístico, que lançou a expressão «idiot visuel» ('idio­ta visual'), a qual, na língua francesa, tem uma grande semelhança fonética com «audio-visuel». Seja ou não esta a razão da popularidade do vocábulo, a verdade é que «audiovisual» aparece já noutros contextos em épocas anteriores. Ainda segundo o mesmo autor, o vocábulo aparece pela primeira vez em França, em 1947, na expressão «material audiovisual», nas recomendações da X Conferência Internacional da Instrução Pública do «Bureau International de l'Education». Mas só em 1952 surge num texto oficial a expressão «meios ditos audiovisuais», numa circular do Ministério da Educação Nacional.

 / 123 / A partir da década de 1950, vamos encontrar o vocábulo «audiovisual» registado e definido em diversas obras. Se consul­tarmos, por exemplo, a obra Vocabulaire de Psychologie[3], publi­ca­da em 1951, verificaremos que o seu autor, Henri Piéron , aí se refere ao ensino audiovisual, definindo-o como «um ensino minis­trado com o auxílio de projecções fixas ou móveis, comentadas e explicadas pelo professor», de onde se pode concluir que se trata de um meio auxiliar no ensino a que o professor recorre para uma melhor apresentação dos conhecimentos.

Posteriormente, o mesmo autor, na segunda edição da obra, em 1957, efectua um alargamento semântico de audiovisual , o qual passa a designar um conjunto de meios. Diz-nos ele, nesta e em edições posteriores[4], que, sob a designação de «audiovisual» se englobam «todos os processos de educação e de informação baseados nas descobertas modernas de reprodução das imagens e dos sons e, mais particularmente, o cinema e a televisão, o gravador de som e a rádio»[5].

O confronto das definições efectuadas por Piéron mostra-nos uma grande evolução no conceito de «audiovisual», uma vez que de «meio auxiliar do ensino» passa a ser um «conjunto de processos de educação e de informação». Enquanto na primeira acepção «audiovisual» designa um meio auxiliar do professor, em que é este que desempenha o papel único e fundamental de transmissor de conhecimentos, na segunda os audiovisuais adquirem já um papel de maior relevo, na medida em que já não se reduzem à acção do professor, antes se alargam, ultrapassando a área da escola para passarem a abranger também a chamada «escola paralela».

A partir dos anos sessenta e até aos nossos dias, muitos têm sido os autores que se têm debruçado sobre o problema dos audiovisuais, quer procurando definir com precisão o sentido do vocábulo ou contestando-o, por o acharem inadequado, e propondo outras designações, quer procurando evidenciar o valor pedagógico dos meios audiovisuais e procurando estabelecer a sua classificação taxionómica.

Já em 1965, Henri Dieuzeide , na obra anteriormente citada, nos diz que a expressão exacta deveria ser «técnicas auditivas, visuais e audiovisuais» e que só por «uma elipse infeliz, mas já bem radicada», se justifica que «a rádio ou a projecção fixa sejam designados por audiovi­suais.»[6]

 / 124 / Em 1971, o Dictionnaire de la langue pédagogique[7] apresen­ta-nos, ao lado de « Técnicas Audiovisuais », que define como «utilização racional e combinada da imagem e do som com um objectivo informativo e educativo» a vinheta « Ensino Audiovisual », definindo-o «literalmente e na acepção mais ampla do termo (acepção pratica­mente inusitada)» como «todo o meio de instruir, recorrendo à audição e à visão do aluno», instrução esta que se pode fazer com ou sem recurso a aparelhos auxiliares.

Idênticas definições vamos encontrá-las em obras posteriores relacionadas com a Pedagogia, com a Psicologia e com as Ciências da Educação. Por exemplo, J. Leif , na obra Vocabulário Técnico e Crítico da Pedagogia e das Ciências da Educação[8], à semelhança de outros autores, diz-nos que por audiovisual se entendem as «técnicas pedagógicas que apelam para o som e a imagem, principalmente na aprendizagem das línguas vivas, mas também noutras disciplinas.» E acrescenta que a utilização da imagem, pelo menos a dos livros e dos quadros murais, é de utilização muito antiga, por oposição às técnicas industriais da imagem e do som, tais como a projecção fixa, o cinema, o disco, a rádio e a televisão, cuja utilização é relativamente recente.

Do mesmo modo H. Illner , na definição por ele redigida para o item «Recursos Audiovisuais» do Dicionário de Psicologia[9], em 1982, nos diz que os recursos audiovisuais são «meios de apresentação de informação, no ensino ou durante instrução, dirigidos aos olhos e aos ouvidos.» E acrescenta que nesta definição se incluem «tanto quadros murais e mapas geográficos, quanto "meios" mais modernos, tais como diapositivos, filmes, discos, fitas gravadas (tapes), rádio, televisão.» Em seguida, refere os objectivos dos meios audiovisuais, os quais são usados para «tornar  matéria didáctica mais "real", mais ilustrativa e assimilável, e para estimular motivação e atenção do aluno

A procura de um maior rigor terminológico tem levado alguns autores a reflectir sobre a adequação de «audiovisual» e a propor outras designações. Jean Cloutier [10] considera importante «en­con­trar um meio de classificação que sirva para situar as lingua­gens umas em relação às outras», uma vez que a «expressão (sic) audiovisual cria a confusão e recobre uma realidade mal defini­da», confundindo-se muitas vezes «a linguagem audiovisual com os media / 125 / de massa, tais como o cinema e a televisão», propondo em substituição de «audiovisual», «como hipótese de trabalho», audio-scripto-visual , designação que tenta evitar «simultaneamente, a confusão entre linguagens e media e a oposição entre audiovisual e escrita».

Cloutier, após uma breve definição do conceito de linguagem ('sistema de signos'), faz a distinção entre as linguagens de base e as linguagens sintéticas , as primeiras unidimensionais, pois jogam com um único modo de percepção, e as segundas multidimensionais, pois implicam a fusão de duas ou mais linguagens de base.

Dentro das linguagens de base, num total de três, distingue as duas linguagens naturais - a linguagem áudio (que se destina a ser percebida pelo ouvido e que engloba o mundo da audição - a audiosfera ) e a linguagem visual (que se destina a ser percebida pelo olho e que faz parte da eidosfera ) - da linguagem scripto (que diz respeito ao mundo especial da significação, a scriptosfera , criado por linguagens híbridas , como a escrita fonética, a notação musical, etc.).

As linguagens sintéticas são resultantes da fusão de duas ou mais linguagens de base e, dentro destas, Cloutier considera três tipos: o audiovisual ; o scriptovisual ; o audio-scripto-visual .

O audiovisual «refere-se a toda a forma de comunicação sintética» que recorre simultaneamente à visão e à audição, havendo comunicação audiovisual sempre que os interlocutores estão em presença uns dos outros, podendo ser recriada pelos mass-media - cinema e televisão - ou pelos self-media .

O scriptovisual «abrange todos os meios de comunicação gráfica, com origem na fusão da escrita com o visual», tendo como suportes uma transparência em acetato ou um diapositivo que permitam a projecção.

O audio-scripto-visual «aplica-se a um tipo de comunicação polissintética» que utiliza simultaneamente diferentes tipos de linguagem, sendo esta expressão, segundo Cloutier, vizinha da noção de multimédia . Refere-se, segundo ele, «ao conjunto do sistema de classificação e (...) deveria substituir muitas vezes a expressão audiovisual utilizada para descrever todas as formas de comunicação que não sejam as puramente verbais e directas».

Mais adiante, ao efectuar o desenvolvimento dos conceitos inicialmente apresentados, Cloutier considera que o audiovisual não é apenas a fusão da imagem com o som, mas sim a fusão destes dois elementos com um terceiro de natureza temporal, que faz com que aquilo que se regista e apresenta se aproxime mais da reali­dade. Este terceiro elemento de carácter temporal é o movimento, obtido mediante uma sucessão de imagens projectadas a uma deter­minada cadência e que o nosso cérebro retém durante fracções de segundo, permitindo assim uma verdadeira ilusão do real. Deste modo, o vocábulo audiovisual passa a ser utilizado num sentido restrito e preciso, designando uma «linguagem sintética som-imagem-movimento, que se percebe / 126 / simultaneamente através do olho e do ouvido, os quais trabalham em harmonia, para permitirem ao cérebro integrar todas as informações percebidas em simultâneo»[11]. E para a designa­ção do conjunto dos meios de comunicação, Cloutier propõe que se utilize a expressão audio-scripto-visual , em vez de audiovisual, «que actualmente se utiliza para descrever todos os meios de comunicação que recorrem a quaisquer media (p. 146).»

Vimos, por tudo quanto anteriormente dissemos, que o vocábulo audiovisual continua a ser utilizado, apesar de todas as críticas que lhe são feitas. De facto, está já profundamente enraizado e será praticamente impossível erradicá-lo da linguagem corrente. Teremos, pois, de aceitar a sua existência e de o entendermos em dois sentidos: num sentido amplo ou lato e num sentido restrito.

Em sentido lato, a palavra audiovisual , cuja substituição por « audio-scripto-visual » é preconizada por Cloutier , permite englobar praticamente todos os meios de que o Homem se serve para comunicar com o seu semelhante, recorrendo quer a elementos visuais ou a auditivos, quer a ambos simultaneamente, englobando, inclusive, os meios de comunicação de massa e os self-media , bem como os meios utilizados desde tempos mais remotos até aos modernos meios tecnológicos.

Num sentido restrito, o vocábulo audiovisual designará apenas aqueles meios que utilizam simultaneamente os dois senti­dos, constituindo uma linguagem sintética formada por imagem e som, podendo ainda comportar o movimento, o que a tornará mais completa, sendo captada ao mesmo tempo através dos olhos e dos ouvidos e permitindo que o cérebro integre todas as informações percebidas em simultâneo.

Ultimamente, os técnicos do ensino criaram uma nova expressão para substituírem designações como «audiovisuais», «técnicas audiovisuais» ou «auxiliares audiovisuais». Em vez destas, em que o vocábulo audiovisual se encontra sempre presente, utilizam as expressões «tecnologia da educação» ou « tecnologia educativa », que constituem uma tradução aproximada da expressão americana instructional technology . Esta nova expressão parece ter surgido em Portugal em meados da década de 1960, altura em que a designação «tecnologia educativa» vem substituir a tradicional designação de «Meios Audiovisuais de Ensino (ou Educação)». No entanto, uma vez mais, à semelhança do que acontecia anteriormente com o conceito de audiovisual, a expressão «tecnologia educativa» pode também ser entendida em dois sentidos bastante diferentes, de acordo com os interlocutores. Num primeiro sentido, a expressão designa, / 127 / tal como nos faz notar Etienne Brunswic [12], «o conjunto dos meios novos saídos da revolução dos meios de comunicação e que podem ser utilizados com fins pedagógicos», abrangendo toda a panóplia desde os meios fotográficos até aos mais recentes sistemas informatizados, entre os quais poderemos englobar os sistemas multimédia. Temos também aqui um sentido amplo, embora mais restritivo que o de audiovisual. Num segundo sentido, «tecnologia educativa» designará «uma maneira sistemática de conceber, de realizar e de avaliar um processo total de funcionamento», em que todos os meios pedagógicos, incluindo os audiovisuais, «devem ser utilizados num sistema coerente com o objectivo da perfeição a atingir na consecução de objectivos determinados», assumindo cada elemento do sistema, homem ou máquina, uma função precisa num processo de ensino-aprendizagem.

Apesar de surgida em meados da década de 1960, a verdade é que a expressão « tecnologia educativa », frequente e quase exclusivamente identificada com os meios audiovisuais de ensino, só em meados de 1971 passa a ter uma utilização ao nível das instituições. De facto, é neste ano que uma organização nacional, como o Instituto de Meios Audiovisuais de Educação (IMAVE) vê o seu nome substituído, pelo Decreto-Lei n.º 408/71, de 27 de Setembro, pela expressão Instituto de Tecnologia Educativa , tendo em vista harmonizar métodos pedagógicos e conteúdos de ensino com as técnicas modernas, entrando na zona de aplicação das ciências de educação. No entanto, pesem embora estes novos objectivos, a verdade é que a expressão não deixa de continuar conotada com as técnicas audiovisuais, por mais sofisticadas que sejam.

Actualmente, em finais da década de 90, quase no limiar de um novo milénio, apesar do advento de novas tecnologias informatizadas, cada vez mais evoluídas e constituindo potentes bases informativas/formativas multimédia, a designação « audiovisual » continua a ser utilizada a par com outras, que têm vindo a enriquecer a correspondente área lexical. E estando constantemen­te a surgir novos meios tecnológicos, até que ponto terão já conseguido penetrar no campo do ensino e começado a substituir os meios tradicionais ou, pelo menos, começado a constituir alterna­tivas pedagógicas?

 


[1] - Vd. L'audio-visuel, pág. 42: «A palavra [audiovisual] vem-nos dos Estados Unidos, onde, por volta de 1930 (...) o termo "áudio" pode ser aproximado do termo "visual", já correntemente empregado como substantivo. É entre os especialistas do ensino e da formação que o vocábulo duplo "áudio-vi­sual" foi primeiramente utilizado, para designar a aliança das imagens e dos sons nas técnicas ao serviço da pedagogia; (...)». Pierre TAILLARDAT, L'audio-visuel. Les Dictionnaires du Savoir Moderne, Paris, Centre d'Étude et de Promotion de la Lecture, 1974, pág. 42.

[2] - Henri DIEUZEIDE, Les Techniques Audio-Visuelles dans l'Enseignement, col. Nouvelle Encyclopédie Pédagogique, Paris, Presses Universitaires de France, 1965 (Esta obra encontra-se também editada em Portugal, na Col. Saber das Publicações Europa-América, nº 67).

[3] - Henri PIERON, Vocabulaire de Psychologie, 1ª ed., Paris, P. U. F., 1951.

[4] - Henri PIERON, op. cit., 2ª ed., Paris, P. U. F., 1957.

 [5] - Henri PIERON, op. cit., 3ª ed., Paris, P. U. F., 1973, pág. 40: «On réunit sous ce nom tous les procédés d'éducation et d'information fondés sur les découvertes modernes de reproduction des images et des sons, et plus particuliè­rement le cinéma et la télévision, le magnétophone et la radio

 [6] - Henri DIEUZEIDE, op. cit., pág. 10.

 [7] - Paul FOULQUIE, Dictionnaire de la langue pédagogique, 1ª ed., Paris, P. U. F., 1971, págs. 42-43.

 [8] - J. LEIF, Vocabulaire Technique et Critique de la Pédagogie et des Sciences de l'Education, Paris, Librairie Delagrave. Esta obra foi editada em Portugal, em 1976, na Colecção Pedagogia, nº 1, pela Editorial Notícias.

[9] - H. ILLNER, «Recursos audiovisuais», in: Dicionário de Psicologia, Edições Loyola, S. Paulo, 1982, vol. I, pág. 149.

[10] - Vd. Jean CLOUTIER, A era de EMEREC ou a comunicação audio-scripto-visual na hora dos self-media. Lisboa, Instituto de Tecnologia Educativa, 1975, pp. 98-100.

[11] - Idem, ibidem, p. 133.

[12] - Etienne BRUNSWIC, Tecnologia da Educação. In: François RICHAUDEAU, Dicionário de Pedagogia, Lisboa, Editorial Verbo, 1980, pp. 403-413.

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