Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996. |
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Em Portugal, o século XVI
pode ser considerado como um período em que surgem «as
primeiras manifestações da tendência filosófico-pedagógica favorável à
introdução da imagem no ensino»[1], embora seja o século XVIII
aquele em que esta tendência se revela mais notória. Em qualquer destes
momentos, há uma procura em alcançar e consolidar o conhecimento através da
observação directa da realidade. E, neste sentido, João de Barros (1496-1570)
manda ilustrar a sua Cartinha para
aprender a ler[2], a fim de que a imagem possa
facilitar a aprendizagem e memorização, constituindo assim, segundo alguns, um
primeiro esboço bastante recuado no tempo de um ensino de tipo audiovisual. Por volta de 1734,
Martinho de Mendonça Pina e
Proença
, um «estrangeirado» da
pequena nobreza muito viajado pela Europa culta, em parte na companhia do irmão
do rei D. João V, o infante D. Manuel, traz para Portugal ideias novas no campo
do ensino. Nesta data publica os seus Apontamentos
sobre a educação de um menino nobre[3], onde se mostra favorável
ao recurso à imagem. Segundo ele, o ensino deverá começar a ministrar-se
desde muito cedo, devendo recorrer-se essencialmente ao uso dos sentidos: «Na mais tenra idade se pode e
deve aprender tudo quanto para se perceber não necessita mais que de aplicar os
sentidos; e, para saber, basta conservar-se na memória.» Noutro trecho, Martinho de
Mendonça afirma: «A livraria para os meninos e
principiantes deve consistir mais em imagens sensíveis, e agradáveis
à vista, que em livros próprios para o estudo, que sempre causa trabalho;
além de que a imaginação do que se oferece à /
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vista imprime mais duravelmente
as coisas na memória; e assim os melhores livros para a primeira idade são as estampas
da Bíblia, as séries de retratos estampados dos Papas, Imperadores, e
Reis, de que também há medalhas, modernamente cunhadas, que com menos
despesa, e dificuldade se acham completas; os retratos impressos de Varões
ilustres; as estampas das principais cerimónias sagradas e profanas; as
das antiguidades Gregas, e Romanas; as das cores, e pessoas, que compõem os
Escudos de Armas das principais famílias; as das partes mais notáveis da
Arquitectura Civil, Militar, e os riscos dos edifícios e fortificações: os Mapas,
Globos e Esferas, enfim todas as estampas, ou pinturas
agradáveis e instrutivas, que os meninos costumam pedir repetidas vezes,
que se lhes mostrem, explicando o Mestre breve, e claramente a matéria,
que elas oferecem para instrução.» Intencionalmente destacámos
por meio de sublinhado alguns dos aspectos referidos pelo autor. Embora esses
aspectos conduzam a um conhecimento mais de cunho cultural do que prático, ao
contrário do que vimos relativamente a Coménio, o autor chama a atenção para
as vantagens da utilização da imagem como auxiliar para uma aprendizagem agradável,
pelo prazer que as crianças geralmente têm na observação de gravuras, e para
as vantagens de propiciar uma fácil e durável memorização. E para que a acção
pedagógica seja mais eficaz, o mestre deverá explicar os conteúdos, mas tendo
o cuidado de ser claro e breve na explicação das imagens, as quais deverão
ser instrutivas. Mas a aprendizagem, segundo
Martinho de Mendonça, não se deve limitar aos aspectos citados. Ele refere
também a aprendizagem da leitura, indicando mesmo o nome de João de Barros
que, na sua cartilha, recorre também à imagem. Assim, o recurso à imagem não
se limita à fase inicial de assimilação dos primeiros conhecimentos,
servindo, no caso da leitura, como uma forma de ajuda para a interpretação dos
conteúdos: «Depois de se saber o ABC, e as
principais combinações das letras, se costuma ensinar os meninos a ler alguns
nomes, e será útil continuar a ideia de objectos sensíveis, e que
estes nomes fossem de animais, e artefactos comuns, e conhecidos, cujas figuras
bem debuxadas adornassem o papel em que estão escritos; e pelo tempo em
diante, escolher entre as fábulas, ou apólogos de Esopo, Fedro, La Fontaine,
os mais naturais para se escreverem, ou imprimirem, estampando-se as figuras,
porque o gosto, com que os meninos ouvem semelhantes contos, e vêem
quaisquer estampas, aumentará a curiosidade de ler de sorte que não se
contentarão com uma fábula em cada lição,
desejarão passar logo a outra.
Quem não pode fazer a despesa de mandar imprimir as estampas,
pode tirá-las dos livros, que com elas andam impressos nas línguas
originais: com uma pequena despesa de três livros de pouco preço, dará
a seus filhos uns brincos mais úteis e mais baratos, que os que lhe podia
mandar comprar ao Arco dos Pregos.[4]» Intencionalmente destacámos
algumas palavras ou segmentos do texto transcrito:
«continuar a ideia de objectos sensíveis»; «adornassem»; fábulas ou
apólogos»; «gosto», «ouvem», «vêem»; «aumentará a curiosidade de ler»;
«desejarão passar logo a outra»; «pequena despesa». As expressões e palavras
transcritas dão-nos as linhas de força dos princípios educativos de Martinho
de Mendonça, aos quais se junta também a preocupação económica. A primeira
expressão chama desde logo a atenção para as coisas sensíveis, para a importância
de tudo quanto se pode captar através dos sentidos. E para reforçar as aquisições,
indica dois argumentos muito utilizados quando se pretende justificar a importância
dos meios audiovisuais: o reforço da
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aprendizagem através das duas
principais vias sensoriais – ver e ouvir –, a que se vem juntar o prazer. Tudo
aquilo que se faz e aprende por prazer custa muito menos e rende intelectualmente
muito mais. A estas funções de carácter psico-pedagógico vem juntar-se a função
decorativa da imagem («adornassem»), mas sobretudo as funções apelativa e
referencial: a imagem atrai e remete para o objecto que representa. O prazer por
aquilo que se vê e se ouve fornece um segundo contributo psicológico: desperta
a curiosidade e o desejo de progredir. Temos aqui preconizado um sistema de
ensino que se opõe frontalmente àquilo que era corrente em Portugal e que, no
dizer de Filinto Elísio (1734-1819), constituía uma grande maçada para as
crianças, que preferiam uma cartilha ilustrada e divertida, mas que era mal
vista pelos jesuítas: «No tempo em que eu ia à escola
havia duas cartilhas, uma do mestre Inácio, única que os jesuítas consentiam
aos rapazes, e outra desaprovada por eles, apesar de se intitular Cartilha do
Menino Jesus. Desta gostava eu mais porque, além de outras coisas divertidas,
trazia o ABC todo figurado.» O recurso à imagem era também preconizado por Martinho de Mendonça para outras disciplinas, como o ensino da Geografia e da Geometria, indicando recursos pedagógicos actualmente correntes no ensino destas disciplinas.
[1] - Rogério FERNANDES, Para a história dos meios audiovisuais na escola portuguesa, Separata da "Revista de Portugal", Série A: Língua Portuguesa, vol. XXXIV, Lisboa, 1969, p. 3. [2] - A obra Cartinha (ou Cartilha) para aprender a ler foi publicada em 1540, juntamente com outras do mesmo autor, tais como a Gramática da Língua Portuguesa e Diálogo da Viciosa Vergonha. A cartilha é um livro de leitura dialogada ilustrado com imagens, para facilitar a aprendizagem. [3] - Vd. Joaquim Ferreira GOMES, Martinho de Mendonça Pina e Proença e a sua obra pedagógica, Coimbra, 1964. [4] - Op. cit., pág. 347. |
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