Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

 

Gourevitch e Piaget e os audiovisuais

 

De há longa data que os meios audiovi­suais consti­tuem não apenas uma técnica aplicada ao ensino, mas também uma forma de documentação, ampliação e divulgação de conhecimentos. Embora nem sempre devida­mente considerados e aproveitados pelos professores, que frequentemente os vêem erradamente como uma dificuldade ou como um potencial substituto no desempenho da sua profissão, esquecendo que a componente humana jamais poderá ser substituída nas relações de ensino-aprendizagem, a verdade é que a sua utilização tem sido feita por diversos professores, a vários níveis, desde tempos remotos.

Os meios audiovisuais apresentavam-se, inicialmente, um tanto rudimentares e de utilização bastante restrita: só alguns os utilizavam. Outros, manifestavam-lhe uma certa repulsa e viam-nos com desconfiança e receio. Viam-nos apenas como máquinas de imagens ou de sons e como uma forma pouco proveitosa de passar o tempo. A partir da década de 1940, verificou-se um enorme progresso tecnológico. A Segunda Grande Guerra, apesar dos aspectos negativos, levou o Homem a progredir consideravelmente do ponto de vista da Ciência e da Técnica. Ainda que postas inicialmente ao serviço da morte, as novas invenções sempre acabaram por revelar o seu aspecto positivo ao serviço da vida. Durante a guerra, os meios de comunicação, a rádio e o cinema, tomaram um elevado incremento. Além de funcionarem como um meio de propaganda e de manipulação de massas, impressionavam vincadamente as diferentes gerações de então. Permitiam-lhes com grande facilidade e rapidez assimilar os aconteci­mentos, permitiam-lhes estar ao corrente de tudo, impondo-se gradual e suces­sivamente à sociedade e facultando-lhe uma nova dimensão do mundo.

A nível das crianças e dos adolescentes, os meios audiovisuais exercem sempre um certo fascínio, variável em função do meio sócio-cultural em que estão inseridos, mas que não deixa nunca de existir, mesmo com a proliferação actual dos vídeos e dos jogos informáticos e com a elevada carga horária dos programas televisivos dos nossos dias. Mesmo com estes aspectos, quiçá negativos, os meios audiovisuais continuam a exercer um certo fascínio. Impressionam-lhes / 98 / a inteligência e a sensibilida­de, podendo, em alguns casos, libertá-los do mundo restrito em que vivem e fornecendo-lhes uma imagem mais verídica, mais concreta e inteligível do mundo que os rodeia. Num artigo intitulado La psychologie de l'audiovisuel, escrito por Jean-Paul GOURÉ­VITCH [1] para uma enciclopédia sobre o audiovisual, o autor chama a atenção para as características específicas da linguagem audiovisual, que constituem, como também já o referiu J. Cloutier [2], um tipo de comunicação específico, do qual podem resultar diversos problemas. Segundo Gourévitch, a comunicação audiovisual apresenta as seguintes característi­cas: 1. a comunicação audiovisual cria um novo espaço-tempo, anexando-o ou suprimindo-o e criando diversos módulos de comunicação; 2. a comunicação audiovisual confere à mensagem uma tripla dimensão, a do referente (objecto ou personagem) de que se fala, a do signo que o faz falar e a do discurso que se mantém sobre a mensagem; 3. a comunicação audiovisual rompe o equilíbrio entre o emissor e o receptor, na medida em que entre aquilo que o emissor pretende transmitir e aquilo que o receptor capta efectivamen­te se gera uma situação de conflito, que pode resultar num difícil diálogo entre os interlocutores; 4. a comunicação audiovisual estabelece entre os partici­pantes na situação pedagógica um «ecrã-espelho», em que cada um se vê confrontado com um documento que cria barreira entre eles. O emissor toma frequentemente consciência do distanciamento entre o produto obtido e aquilo que efectivamente queria transmitir; o receptor carrega a mensagem de conotações pessoais sem poder anexá-la e interroga-se sem obter as respostas pretendidas; 5. «a comunicação audiovisual é fisiologicamente mais sensual, mais carregada de um prazer imediato» do que a comunicação verbal. Enquanto nesta o sentido se transmite segundo um processo linear e cronológico, a comunicação audiovisual implica, «após um primeiro tempo de leitura (com movimentos em vários sentidos), um diálogo contínuo entre o que observa e aquilo que é observado».

Significam todos estes aspectos acabados de enumerar que a comunicação audiovisual implica que o professor adquira uma nova maneira de encarar o ensino, que tenha de rever as suas estratégias, tornando-se, mais do que um simples transmissor, um construtor do saber, para que as aulas se tornem num espaço de aprendizagem efectiva e não num local de saturação, / 99 / passividade e desinteresse. O perigo de um ensino recorrendo ao audiovisual, recorrendo estritamente ao recurso à imagem, foi profundamente condenado por PiagetPiagetPiaget [3]:

«Uma pedagogia baseada na imagem, mesmo reforçada pelo dinamismo aparente do filme, é inadequada à formação do construtivismo operatório, porque a inteligência não se reduz às imagens do filme. Em suma, a imagem, o filme, os processos audiovisuais, com que toda uma pedagogia, querendo dar-se a ilusão de moderna, nos enche hoje os ouvidos, são auxiliares preciosos a título de adjuvantes ou de muletas espirituais e é evidente que são um nítido progresso relativamente a um ensino puramente verbal. Mas existe um verbalismo da imagem como um verbalismo da palavra e, confrontados com os métodos activos, os métodos intuitivos não fazem senão substituir, quando esquecem o primado irredutível da pesquisa pessoal ou da autonomia do autêntico, esse verbalismo mais elegante e mais refinado pelo verbalismo tradicional.»

 


[1] - Jean-Paul GOURÉVITCH, La Psychologie de l'audiovisuel. In: L'Audio-Visuel. Les Encyclopédies du Savoir Moderne, 1ª ed., Paris, La Bibliothèque du CEPL, 1974, pp. 361-380.

[2] - Jean CLOUTIER, no artigo La pédagogie audiovisuelle, diz-nos que o « audiovisualaudiovisualaudiovisual é um sistema de comunicação e os media meios tecnológicos que permitem utilizar diversas linguagens de transposição, acústicas, visuais ou simultaneamente audiovisuais». In: L'Audio-Visuel. Les Encyclopédies du Savoir Moderne, 1ª ed., Paris, la Bibliothèque du CEPL, 1974, pp. 293-317.

[3] - Jean PIAGET, Psychologie et Pédagogie, Paris, Denoel-Gonthier, 1969, p. 110.

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