Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

 

Alguns regulamentos e decretos entre 1863 e 1924

Partido Republicano Português

Instaurada a República em Portugal, o Partido Republicano Português [1] preocupa-se também com os problemas relativos ao ensino. Em 29 de Março de 1911, debruça-se sobre o problema da criação de jardins de infância, traçando um conjunto de normas, entre as quais consta a forma como deveriam ser ministrados certos conhecimentos às crianças de tenra idade, às crianças de ambos os sexos entre os quatro e os sete anos. Uma das formas preconizadas era o recurso à apresentação dos próprios objectos ou, então, nessa impossibilidade, a representações plásticas e gráficas dos mesmos, ou seja, através de imagens planas, no género de fotografias e gravuras e de modelos tridimensionais. No entanto, a forma privilegiada seria o contacto directo com a própria realidade, tais como os animais, os vegetais e os minerais susceptíveis de ser encontrados na própria região envolvente onde se situava a escola.

De entre os vários artigos, destacamos apenas os que consideramos de maior importância ou que possam relacionar-se com o tema da imagem:

«O ensino infantil, sob a forma de lição de coisas e como preparação para o ensino primário, compreende:

            1. Aquisição do vocabulário pelo conhecimento dos objectos da sua aplicação; exercícios graduados de linguagem dentro do vocabulário familiar; preliminares de leitura e escrita; contos e lendas tradicionais de grande simplicida­de de acção e com intuitos patrióticos e morais; noções de geografia descritiva pela observação dos lugares que a criança conheça; aquisição de hábitos morais por meio do exemplo e do ensino; aprendizagem dos nomes e utilidade dos móveis e utensílios caseiros, do vestuário, dos alimentos, etc.; conhecimentos das diversas autoridades locais e pessoas mais prestimosas da terra;

            2. Contar até 100; soma e subtracção; aprendizagem dos nomes e utilidade dos pesos e medidas; sentido do tamanho e proporção das coisas; conhecimento das cores e da forma das coisas; noções sobre os animais mais / 110 / conhecidos e sobre os vegetais e minerais de que se encontrem exemplares na região; designação das partes principais do corpo humano;

            3. Desenho e modelagem infantis; canto e dicção de pequenas poesias de assuntos cívicos e patrióticos, etc.;

            4. Regulamentação do emprego do tempo, a fim de criar na criança hábitos higiénicos e método de trabalho; jogos livres e outros exercícios que sirvam para educar os sentidos e concorram para o desenvolvimento físico da criança; distracções agrícolas e pequenos trabalhos manuais, etc.» (art. 6)

            «Este ensino será ministrado, quanto possível, de harmonia com a idade das crianças, diversidade de seu temperamento, robustez, precocidade ou atraso» (...) «As noções e conhecimentos ministrados no ensino infantil devem transmitir-se, tanto quanto possível, por meio de representações plásticas e gráficas, com o auxílio do material froebeliano e por meio de exercícios adequados à escola infantil» (art. 7).

A leitura dos excertos permite verificar que se preconiza que a aquisição dos conheci­mentos, tal como já referimos, se deve processar essencialmente pela observação directa da realidade envolvente ou pela observação de imagens ou representações plásticas e gráficas, quando não seja possível a observação directa. E esta aquisição por observação directa ou por intermédio de uma interface gráfica deveria ter como principal objectivo não um conhecimento meramente passivo, de simples memorização, mas sobretudo levar a aperfeiçoar os instrumentos mentais indispensáveis para aquisição dos conhecimentos, tornando-os precisos, conscientes e perduráveis, ou seja, dever-se-ia banir a memorização sem compreensão em favor de uma aquisição inteligente e construtiva.

De entre os muitos objectivos universalmente válidos para o desenvolvimento e formação da criança, físico e intelectual, moral e social, destaca-se do documento o aspecto relativo ao desenvolvimento harmonioso da inteligência, o qual deve ser alcançado pelo «exercício de todas as funções intelectuais, princi­palmente da percepção e da atenção, como bases indispensáveis para o juízo e para o raciocínio, pela OBSERVAÇÃO [o destaque é nosso] presencial directa de todos os objectos e dos fenómenos que os rodeiam - observando, examinando, comparando, e dando, ao mesmo tempo, a exacta e possível satisfação a todos os porquês e para quês das crianças», para o que as imagens, representações gráficas e plásticas, poderão desempenhar uma função importante, na impossibilidade do contacto directo e palpável com os próprios objectos.


[1] - Vd. Buletim [sic] do Partido Republicano Português, n.º 2, Imprensa Nacional, Porto, 1915, pp. 84-100.

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