Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996. |
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Entre 1863 e 1924 são vários
os regulamentos e decretos relativos a diferentes níveis de ensino, que chamam
a atenção para a importância não só de objectos e modelos tridimensionais,
como de gravuras, cartazes e mapas como recursos didácticos e, como tal,
devendo constar entre o material pedagógico dos estabelecimentos de ensino.
Embora não seja possível aqui apresentar a totalidade dos documentos relativos
a este período da vida portuguesa, e muito menos a sua transcrição integral,
procuraremos apresentar e analisar os elementos mais significativos. Relativamente ao material didáctico
das escolas de nível secundário, a situação portuguesa, em 1863, não era
das melhores, pelo que o
Regulamento de Pereira de
Melo, /
106 /
debruçando-se
preferentemente sobre cinco liceus de 1ª classe (Lisboa, Coimbra, Porto, Braga
e Évora), determina que neles deve haver «uma biblioteca, um gabinete de física,
um laboratório químico e uma colecção de objectos de história natural
e instrumentos de planimetria[1].» (artº 74) Verificamos que, embora o
regulamento não refira imagens de tipo plano, chama a atenção para a
necessidade de existir uma colecção de objectos tridimensionais para o
estudo da história natural, entre os quais deverão possivelmente estar incluídos
modelos e especímenes. De
acordo com a circular de 20 de Julho de 1866 e Decreto-Lei n.º
163, de 23 de Julho, a construção e apetrechamento das escolas de nível básico
do 1º ciclo deverá obedecer a normas precisas e rigorosas. Uma das regras
contempla os objectos que deverão equipar a escola. Para que esta possa
considerar-se devidamente apetrechada, deverá possuir, entre outros recursos, «quadros alfabéticos e
resenha alfabética do método português, um relógio, quadro do sistema métrico,
colecção de traslados, réguas, colecção de pesos e medidas, um metro de
algibeira que também pode servir de gonígrafo[2], contador
mecânico[3], um mississipi de leitura,
(...) globos para o
estudo da geografia, um mapa-mundi, as cartas dos continentes, o mapa
de Portugal e os das Colónias, um ou dois termómetros, (...) uma colecção
dos principais sólidos, um esqueleto para o ensino das noções
elementares que toda a gente deve ter em anatomia, lavatório, toalhas,
etc., e uma estante com livros destinados à instrução elementar e à difusão
de conhecimentos úteis (...)» [44ª regra]. Verificamos, pela análise do
excerto transcrito, a presença de recursos de natureza visual, que, além de
quadros, refere a necessidade de existência de representações
tridimensionais, tais como modelos e objectos para o estudo de noções
relacionadas com a geografia e os sólidos geométricos, bem como de representações
planas de natureza gráfica, tais como mapas (de Portugal e colónias) e de
anatomia humana, para aquisição das noções elementares «que toda a gente
deve ter». Um recurso referido, hoje praticamente desaparecido das nossas
escolas, é o quadro alfabético, também designado por alguns professores, que
o utilizaram, como quadro de fios, em virtude da informação ser afixada no
quadro graças aos fios paralelos de arame, que constituíam a superfície do
quadro. Cada quadro deste tipo vinha equipado com colecções de letras
impressas a preto sobre fundo branco em chapas rectangulares metálicas, que se
penduravam nos fios. Com dimensões relativamente grandes, constituindo rectângulos
com cerca de 6 centímetros de altura e de fácil leitura, permitiam formar sílabas
e palavras, constituindo um auxiliar importante para a aprendizagem e treino da
leitura e da escrita. A reduzida dimensão e leveza destes quadros permitia a
sua fixação em qualquer local da sala, bastando para isso /
107 /
pendurá-los na
parede. Alguns destes exemplares existiam ainda na primeira metade do século XX
em algumas escolas do primeiro ciclo do ensino básico. O equipamento escolar desta
época era bastante idêntico ao das escolas do mesmo nível em alguns países
europeus. Embora não tenhamos documentos relativos rigorosamente à mesma década,
sabemos que, de acordo com os anexos de um decreto de 18 de Janeiro de 1887, o
equipamento escolar das escolas francesas era bastante similar. Esse anexo
fornece uma lista bastante pormenorizada
com todo
o material que
deve equipar uma escola
para os níveis pré-primário e primário, entre os quais figuram
documentos de natureza visual, tais como imagens, objectos usuais, globo
terrestre e mapas geográficos. Este equipamento deveria ser fornecido pelas
entidades municipais e, de acordo com o citado anexo, distribuía-se da seguinte
maneira:
· Para as escolas maternais:
«Art. 37 - O material de ensino e de educação compreende:
1º Uma colecção de brinquedos para o pátio coberto (por exemplo,
animais de madeira ou de borracha, bonecas e roupas, soldados de chumbo ou de
madeira, miniaturas para brincar, caixas de construções, etc.), e para o pátio
de recreio (por exemplo, baldes, pás, carrinhos de mão, cordas para saltar,
arcos, bolas, etc.);
2º Areia para os exercícios geográficos e as construções, quer no
coberto, quer no recreio;
3º Colecções de tacos de madeira, bilhardas, ripas, cubos, etc.;
4º Colecções de imagens;
5º Material necessário para os exercícios manuais;
6º Ardósias quadriculadas de um lado e lisas do outro;
7º Uma colecção de objectos usuais;
8º Letras móveis;
9º Um globo terrestre e um mapa mural da França;
10º Um diapasão;
11º Um apito.»
· Para as escolas primárias:
«1º Um quadro negro; giz e esponjas; um método de leitura em
quadros (para as classes da turma elementar apenas); um quadro de sistema métrico
ou um compêndio métrico; cartas geográficas: do departamento, da França,
da Europa, um mapa-mundo ou o planisfério;
2º Os utensílios mais simples dos principais ofícios; os
objectos e as matérias primas necessárias para o ensino dos trabalhos manuais,
de acordo com os programas; (...) aparelhos de ginástica... [lista por nós
omitida];
3º Todos os objectos indispensáveis para a limpeza da escola, tais como
...[lista por nós omitida];» A análise cuidada dos dois
documentos, além de nos permitir verificar que apresentam recursos idênticos
aos que deveriam encontrar-se nas escolas portuguesas, de acordo com o decreto
de 20 de Julho de 1866, revela, especialmente
em relação às escolas pré-primárias, uma nítida influência das
primeiras pesquisas pedagógicas sobre os primeiros anos de vida das crianças.
Encontramos como elementos comuns à escola portuguesa e francesa: o quadro
preto; colecções de objectos ou modelos tridimensionais; letras móveis; globo
terrestre e mapas geográficos. Em relação às letras móveis, que deveriam ter idêntica utilização nos dois países, o documento francês não refere se seriam ou não susceptíveis de ser apresentadas e ordenadas num / 108 / quadro, como sucedia em Portugal com o quadro alfabético. Importa referir que, em anos subsequentes, a listagem foi substancialmente reduzida em França, por questões económicas, embora as escolas pudessem continuar a ser devidamente apetrechadas por iniciativa individual.
[1] - Planimetria - Parte da Geometria que estuda as figuras que podem existir inteiramente num plano, o mesmo que Geometria plana. (Vd. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, sob a coordenação de José Pedro Machado, 1ª ed., Amigos do Livro Editores, 1981, vol. IX, p. 167. [2] - Gonígrafo: o mesmo que goniógrafo, instrumento de topografia que regista os ângulos a medir e que dá graficamente o seu valor. No caso dos instrumentos da escola, deverá querer referir-se, cremos, ao vulgar transferidor de madeira, actualmente feito de material plástico. [3] - Objecto possivelmente no estilo de um ábaco. |
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